Definição

Fundamentação do conceito de pós-modernidade. Relações com o campo teórico de seu entorno. Rupturas do campo teórico na contemporaneidade.

PROPÓSITO

Demonstrar que o conceito de pós-modernidade tem fundamentações, relações com o campo das ciências humanas, que marcam um conjunto de influências que mudaram a percepção de nossa sociedade.

OBJETIVOS

Módulo 1

Comparar a Escola de Frankfurt com as correntes da pós-modernidade

Módulo 2

Diferenciar a Teoria Crítica das teorias tradicionais

Módulo 3

Analisar a formulação do conceito de pós-modernidade

Introdução

A oposição entre modernidade e pós-modernidade representa:

Modernidade

Ideia de um mundo estruturalista, fundamentado em grandes questões sociais.

Grandes questões sociais

Questões que envolvem Estado-nação, nacionalismo e xenofobia.

Pós-modernidade

Ideia de que o mundo não é tão material, ou seja, é construído por discursos, com verdades relacionais.

Nesse contexto, as questões de grupos se sobrepõem às grandes lutas ilusórias, como aquela contra o capital.

Para explicar o mundo, é necessário, no entanto, vencer a ideia de dicotomias binárias. O mundo é mais do que homens x mulheres, negros x brancos ou certo x errado. As perspectivas sociais ampliaram as visões das ciências humanas. Tais visões devem ser entendidas, para que possam ser utilizadas, analisadas e referenciadas. Este tema visa instrumentalizar e explicar esse processo.

MODULO 1

Aspectos sociológicos da Escola de Frankfurt

Nos marcos da crise de uma corrente que havia sido a mais importante do Ocidente por mais de 20 anos, o advento do pós-estruturalismo não pode ser tomado, em nenhuma hipótese, como algo deslocado do seu contexto.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o desconforto com a razão ou, pelo menos, com as formas como a razão havia sido instrumentalizada não era exclusividade do estruturalismo, nem do pós-modernismo que o seguiu. Pioneiramente, estudiosos do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, que operavam no interior da corrente marxista desde a década de 1920, já vinham desenvolvendo uma crítica importante da razão instrumental da modernidade, muito especialmente desde que os filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer publicaram, em 1947, Dialética do esclarecimento (às vezes traduzida no Brasil como Dialética do Iluminismo).

A Escola de Frankfurt, que data de 1924, constitui-se num importante empreendimento intelectual que, sediado inicialmente no Instituto de Pesquisa Social na Universidade de Frankfurt, publicava a Revista de Pesquisa Social.

Por ter surgido no contexto de uma profunda crise vivida pela Europa, quando, após a derrota da última revolução alemã, em 1923, experimentou-se a ascensão do nazifascismo na Itália e na Alemanha, prevalece um sentimento de derrota e alguma desesperança entre os intelectuais de Frankfurt. Marxistas, eles não se identificavam com o regime instalado na União Soviética sob direção de Josef Stálin (1878-1953) nem com os partidos que, no Ocidente, reivindicavam o marxismo-leninismo-stalinismo.

Com a ascensão dos nazistas, a Escola de Frankfurt se deslocou para Genebra. Em seguida, mudou-se para Paris e, por fim, para Nova Iorque, retornando ao seu berço após a guerra, em 1950.

Entre os intelectuais mais importantes da Escola de Frankfurt, temos:

1ª geração

Os mais conhecidos
Theodor Adorno
(1903-1969)
Max Horkheimer
(1895-1973)
Hebert Marcuse
(1898-1979)
Também merecem destaque
Walter Benjamin
(1892-1940)
Ernst Bloch
(1885-1977)

Considerados membros externos

Eric Fromm
(1900-1980)
Friedrich Pollock
(1894-1970)
Siegfried Kracauer
(1889-1996)
Leo Löwenthal
(1900-1993)

2ª geração

Maior destaque
Jürgen Habermas

Incorporou o legado dos primeiros e mais importantes intelectuais da Escola de Frankfurt.

Também merecem destaque
Franz Neumann (1900-1954)
Oskar Negt

A Escola de Frankfurt é considerada, em seu conjunto, parte do campo da tradição marxista. Todavia, em função da sua relação conflituosa com os intelectuais e partidos que resguardaram a herança do marxismo em conexão com o regime soviético, muito especialmente em sua dimensão doutrinaria, burocrática e stalinista, não raro os frankfurtianos dialogaram com outras tradições e correntes filosóficas, como o kantismo, o hegelianismo e o weberianismo, o que provocou profundas desconfianças em certos setores marxistas.

Segundo o historiador Perry Anderson (1989, p. 100):

Desde sua formação, a Escola de Frankfurt estava mais saturada da influência hegeliana do que qualquer outra escola da Europa. O marxismo de Adorno representava, por volta de 1960, uma versão extrema de sua renúncia a qualquer discurso sobre classes ou política – precisamente os objetos que tinham a prioridade formal no marxismo de Althusser. (...) Adorno afirma explicitamente a absoluta primazia epistemológica do objeto, a ausência de qualquer sujeito geral na História, a vacuidade do conceito de ‘negação da negação’”.

Críticos da razão instrumental e das formas apologéticas assumidas pelo Esclarecimento (Iluminismo) e pelo cientificismo no século XX, os pensadores de Frankfurt, muito especialmente Adorno e Horkheimer, buscaram pautar seus estudos na separação entre teoria e prática, o que torna parte dos seus objetos de estudo destituídos de dimensões empíricas, aproximando-se daqueles que, do estruturalismo e do pós-modernismo posterior, assumiam posturas anti-históricas e anti-humanistas.

Apologéticas

Defesa insistente e argumentativa de uma religião, doutrina, teoria ou um pensamento.

Iluminismo

Tradição cultural e intelectual que formula a base do pensamento da modernidade e do qual o pensamento estruturalista era tributário.

Empíricas

Relação com Estudos empíricos, que são estudos científicos com conclusões pautadas na observação.

Não obstante, em confronto com a corrente teórica que, originada na França, teve como representantes o filósofo marxista Louis Althusser e o filósofo nietzschiniano Michel Foucault, que depois transitaria para o pós-estruturalismo, os frankfurtianos jamais abdicaram da dialética, da razão nem mesmo se puseram fora do Iluminismo e da modernidade.

Dialética

Técnica de explorar o conhecimento a partir de contradições e questionamentos.

Frankfurt e a herança iluminista

A propósito das conexões frankfurtianas com a modernidade e com a herança iluminista, Adorno chegou a desenvolver uma reflexão sobre a dialética e a emancipação em Dialética negativa, livro lançado no mesmo ano que As palavras e as coisas (1966).

Para o filósofo Vladimir Safatle, ao operar a dialética com um conceito de negatividade, Adorno pretendia tematizar sobre o capitalismo e suas contradições. Dessa forma, anteciparia seus movimentos, pois, na base do pensamento marxista, isso não seria possível, por conta da pluralidade de possibilidades das contraposições e contradições do sistema capitalista. O significado dessa premissa é que, longe de qualquer exercício de destruição de todo o conjunto, o que o teórico de Frankfurt pretendia era superar o imobilismo afeito à ortodoxia doutrinária, quer dizer, ou a luta total ou nada, ou a tomada dos meios de produção ou não existiria fim.

Assim, arrancando a dialética do conformismo, de uma monotonia abstrata e de toda premissa identitária que pressupunha o encontro do homem com uma razão metafísica inscrita na História, Adorno almejava radicalizar a consciência do sujeito, denunciando o empobrecimento da experiência vivida.

Como negatividade, ou como ideia-força de sua filosofia inquieta, a dialética permanece como companheira de Adorno quando o filósofo, com Horkheimer, publica, em 1947, Dialética do Esclarecimento. Neste empreendimento conjunto extraordinário, um dos mais importantes documentos da Escola de Frankfurt, os dois companheiros pretendem superar a ideia de contradição que permeia a noção de ruptura provocada pela razão iluminista em relação à mitologia da antiguidade clássica, pressupondo um traço de continuidade entre um momento e outro, continuidade que está repleta de conflitos e contradições que configuram o capitalismo. (SAFATLE, 2019, p. 54).

No final das contas, o centro da crítica que os frankfurtianos estabelecem é, sobretudo, as noções positivistas e iluministas de ciência, que, ao tentar superar toda a mitologia e a metafísica anteriores, terminaram convergindo para a conformação de uma razão pragmática e instrumental.

Senso de igualdade

Iluminismo burguês
e crítica marxista

A concepção iluminista burguesa da Revolução Francesa e a crítica marxista tinham em comum um senso de igualdade, legislativa ou econômica.

Crítica da Escola
de Frankfurt

A crítica da Escola de Frankfurt afirma que essa igualdade não existe, não tem sentido, é um fetiche teórico, jamais estabelecido quando observado o fenômeno cultural.

Por terem experimentado a barbárie nazista de perto, muito especialmente pelo que era representado pelo campo de concentração de Auschwitz, pelas câmaras de gás e pelo extermínio em massa dos judeus no Holocausto, os teóricos de Frankfurt, sem renunciarem de todo ao marxismo, experimentavam o desconforto do mundo, visto que a realização do marxismo no chamado socialismo real não lhes parecia conveniente.

Assista ao vídeo a seguir para refletir sobre a descrição do tempo pelo tempo e a reinvenção das teorias críticas, a partir da interpretação da Epopeia Homérica.

Prosseguindo na tarefa de levar a crítica ao esclarecimento, à razão instrumental e ao pragmatismo que dominaram a primeira metade do século XX, em 1947, mesmo ano em que havia lançado a Dialética do Esclarecimento com Adorno, Horkheimer publica Eclipse da razão (1947), coletânea de escritos surgidos das palestras proferidas na Universidade de Colúmbia, em 1944.

Nesse empreendimento, que se constitui em uma das suas obras mais conhecidas, Horkheimer elabora uma crítica à forma como o Iluminismo, ao estabelecer como objetivo atacar a religião em nome da razão, não acaba com a igreja, mas com “a metafísica e o próprio conceito objetivo de razão”, tornando-a obsoleta (2015, p. 26).

ATENÇÃO

Horkheimer não se apresenta como antiestruturalista. No entanto, sua crítica é fundamental para percebermos a base para o pensamento dali decorrente, ao procurar reivindicar o lugar da razão filosófica por sua contribuição não instrumental.

Abrindo mão de sua autonomia, a razão tornou-se instrumento.

Aspecto formalista da razão

No aspecto formalista da razão subjetiva, acentuado pelo positivismo, enfatiza-se sua falta de relação com o conteúdo objetivo.

Aspecto instrumental da razão

No seu aspecto instrumental, acentuado pelo pragmatismo, enfatiza-se sua rendição a conteúdos heterônimos.

A razão foi completamente mobilizada pelo processo social. Seu valor operacional, seu papel na dominação dos homens e da natureza, tornou-se o único critério. Os conceitos foram reduzidos a sumários das características que vários espécimes têm em comum. Os conceitos viraram ferramentas úteis de análise, facilitadores.

Os frankfurtianos certamente conformavam uma crítica perspicaz e, sem dúvida, oportuna da Filosofia, que tinha sido colocada como ciência, servindo-a como mero instrumento de perpetuação do poder. Eles operavam dentro de um ambiente filosófico que, resgatando os postulados metafísicos abandonados pelas correntes cientificistas, abraçavam o legado do Iluminismo e do Positivismo de maneira instrumental, e pretendiam restabelecer os princípios de uma dialética que recuperasse o heterogêneo e declinasse de toda certeza do devir. Não é possível negar que procediam dessa forma por necessidade e por uma disposição declarada de não submeter suas investigações a projetos políticos de qualquer natureza. Entretanto, em nenhum momento, deixaram de oferecer sua crítica à transformação do mundo, pela crítica das ideologias, das formas de poder existentes e de todas as tiranias que haviam sido superadas e as que apareciam em potência.

SAIBA MAIS

As teorias da Escola de Frankfurt estiveram nas ruas com a juventude insurreta que pretendia transformar o mundo, ao lado de muitas outras teorias que atentavam contra toda e qualquer ortodoxia do pensamento. Além de Adorno, Horkheimer, e, de certa forma, Benjamin, não viveu para ver sua concepção de história representada nas ruas de Paris, onde a juventude apropriou-se de uma reminiscência, despertando as centelhas de esperança que, para Benjamin, são privilégio dos historiadores; para impedir que o inimigo continuasse a vencer, a história se encontrou com o presente no momento de sua transformação (BENJAMIN, 2011, p. 24-25).

A ruptura da episteme estruturalista

Entretanto, foi com os filósofos Erich Fromm e Herbert Marcuse, principalmente, que os movimentos de juventude caminharam nas ruas, alterando suas formas de se conceber e atuar politicamente, influenciados pelas obras:

Conceito marxista do homem

(1961), de Fromm

Eros e civilização

(1955), de Marcuse

O homem unidimensional

(1964), de Marcuse

Neste processo, disputando a juventude com as correntes pós-modernas, que também despontavam para a fama a partir das ruas e da espetacularização da política, Marcuse e Fromm buscaram restabelecer os termos de uma humanidade multidimensional, que lutava para se libertar de um mundo de opressões, indo ao encontro da sua dimensão narcísica, sexualmente livre e ainda mais humanística, elementos acrescentados ao já rico arcabouço frankfurtiano. Eles compuseram parte das teorias que informaram os filósofos nos anos seguintes. Assim, a contracultura, como a conhecemos, invadiu, definitivamente, a Filosofia.

No entanto, esse breve painel não estaria completo se não tratássemos do mais importante teórico da segunda geração da Escola de Frankfurt. Jürgen Habermas não é apenas o herdeiro intelectual da imponente Escola de Frankfurt, mas um dos mais importantes intelectuais da contemporaneidade, alguém que tornou a Filosofia, por mais complexa que seja, uma ferramenta de transformação do mundo, de intervenção política, um instrumento de inúmeros combates que seriam travados em diversos terrenos.

Com efeito, Habermas, o filósofo frankfurtiano, converteu-se num dos maiores críticos do desengajamento que, para os positivistas, era a única forma possível de produzir conhecimento científico, não deixando de buscar incidir no debate público com suas ideias, sua filosofia, sua verve polêmica e sua herança crítica, o que lhe garantiu notoriedade ao longo de várias décadas.

SAIBA MAIS

Brasileiros influenciados pelos autores frankfurtianos

Chegando ao Brasil ainda na década de 1960, os autores frankfurtianos influenciaram trabalhos de filósofos, sociólogos e críticos literários, que eram seus próprios tradutores e divulgadores, como: os não marxistas José Guilherme Merquior (1941-1991), Sérgio Paulo Rouanet e Gabriel Cohn, além dos marxistas Roberto Schwarcz, Paulo Eduardo Arantes e, mais recentemente, Vladimir Safatle. Por intermédio desses autores, a Teoria Crítica e o pensamento da Escola de Frankfurt, com seus conceitos-chave, foram introduzidos no Brasil, influenciando e qualificando o debate acadêmico e também a esfera pública.

Relação entre a Escola de Frankfurt e a pós-modernidade

O pensamento pós-moderno, entretanto, enfatiza sua crítica às correntes racionalistas, tripudiando da ideia de verdade e atribuindo uma postura positivista, que permeia o conhecimento na forma como este é compreendido na sociedade industrial e moderna, enformada pelo pensamento iluminista.

Como alternativa a essa ideia de verdade, os pós-modernos oferecem a linguagem e as formas discursivas como dispositivo estruturante. Onde outros atribuíam à economia essa prerrogativa, os pós-modernos entendem que é o discurso e o enunciado da verdade que instituem o que é entendido como legítimo e aceitável, que não é nunca a “verdade” em si, mas a forma como a ideia de que há uma verdade é aceita como tal.

Nesse percurso de crítica ao racionalismo, que conforma a modernidade e orienta toda a pesquisa e o saber científico do século XX, o pós-modernismo aproxima-se da Escola de Frankfurt. Todavia, enquanto este permanece nos marcos do racionalismo e como herdeiro do Iluminismo, mesmo com toda a crítica que lhe dedica, o pós-modernismo vincula-se ao subjetivismo e às formas de irracionalismo, que animam o saber e que são anteriores à própria modernidade.

Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo, Salvador Dali,1943

Dando ênfase à ideia de que o saber científico “não é todo saber”, mas uma das formas possíveis de conhecimento, os teóricos pós-modernos admitem a relatividade como princípio organizador do pensamento.

A noção de verdade passa a ser questionada e refletida como algo que emana do poder e que, portanto, contém um dispositivo legitimador que é, até certo ponto, apriorístico, ou seja, anterior à própria verificação.

Dessa forma, os pós-modernos esperam que a transfiguração do saber, que entendem ser incontornável na era pós-industrial, seja benéfica a todos os indivíduos:

O saber em geral não se reduz à ciência, nem mesmo ao conhecimento. O conhecimento seria o conjunto dos enunciados que denotam ou descrevem objetos, excluindo-se todos os outros enunciados, e suscetíveis de serem declarados verdadeiros ou falsos. A ciência seria um subconjunto do conhecimento. Feita também de enunciados denotativos, ela imporia duas condições suplementares à sua aceitabilidade: que os objetos aos quais ela se refere sejam acessíveis recursivamente, portanto nas condições de observação explícitas; que se possa decidir se cada um destes enunciados pertence ou não à linguagem considerada como pertinente pelos experts”.

LYOTARD, 2015, p. 35.

Ao deslocar o estatuto de verdade do exterior do indivíduo, portanto do objeto, para o interior do discurso, ou seja, para o sujeito, o pensamento pós-moderno, que flerta com o idealismo, que rejeita, implode o princípio de que essa “verdade” possa efetivamente existir em algum ponto fora da linguagem e do discurso. Isso constitui uma ruptura violenta com o que era concebido como ciência pelas correntes egressas do Iluminismo, fossem elas as correntes positivistas, funcionalistas, weberianas, marxistas, ou quaisquer outras.

Tendo como palavra-chave a ideia de “desconstrução”, o que os teóricos pós-modernos pretendem é empreender uma ruptura epistemológica, tal qual a apontada por Foucault em As palavras e as coisas. Como herdeiros do anti-humanismo advindo do estruturalismo, os pós-modernos, também a partir da França, edificam um novo programa que tem o discurso e a linguagem como elementos centrais, retomando as raízes nietzschinianas e heiddegerianas, conformando um produto anti-iluminista, anti-humanista, anti-histórico e a antirracionalista.

Com efeito, deslocando também as narrativas, que passam a privilegiar as rupturas e a descontinuidade, assumindo-se que qualquer outra forma de abordagem é parcial e ilusória, ou seja, afeita ao terreno das meta-narrativas, que seriam a forma própria dos discursos da modernidade, o pressuposto pós-moderno é o de que é necessário desalojar o pensamento.

Segundo Foucault, discursos são estruturas que visam “inventar” materialidades, e os homens transformam essas narrativas – apresentadas como pensamento ou manifestação do ser – como a verdade de si. Essa verdade é absolutamente ilusória, criada, discursiva, e serve para as disputas e as micro e constantes disputas de poder.

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MODULO 2

Origens da Teoria Crítica

Teoria crítica

Fruto do trabalho desenvolvido pela Escola de Frankfurt, a Teoria Crítica é o nome que se dá ao produto dos estudos dos filósofos frankfurtianos, que objetivavam diferenciar seus esforços intelectuais das teorias tradicionais.

Teorias tradicionais

As teorias tradicionais predominavam no ambiente acadêmico e na esfera pública de diversos países.

Vladimir Safatle

Como marca constitutiva do pensamento dos intelectuais da Escola de Frankfurt, ainda que um projeto de emancipação parecesse postergado para um espaço/tempo distante da experiência do chamado socialismo real da União Soviética e do Leste Europeu, o que estes filósofos pretendiam era reconstruir um projeto crítico, que também pressupunha o engajamento, a partir de uma dialética da negatividade e de formas de comprometimento intelectual que pretendiam. Como diz Vladimir Safatle (2019), no seu trabalho sobre Adorno, “dar corpo ao impossível”.

Com efeito, distinguindo a Teoria Crítica da teoria tradicional, Horkheimer procurou recuperar a totalidade perdida desde o ponto em que a ciência, como trabalho intelectual, foi separada do trabalho manual pela divisão social do trabalho.  Sobre essa distinção, com as professoras Gabriela Mitidieri e Flávia Veras.

Gabriela Mitidieri

É professora substituta da Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado em história pela UFRJ, com pesquisas realizadas junto ao Programa de pós-graduação em história social (PPGHIS - IH). Foi bolsista de iniciação científica no ano de 2008 pela FAPERJ e bolsista de mestrado pelo CNPQ e pela FAPERJ-NOTA 10 (2009-2010). Bolsista de doutorado CNPQ. Realizou estágio doutoral em Paris, França, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, com bolsa CAPESCOFECUB, entre agosto de 2014 e julho de 2015, período durante o qual pôde aprofundar-se na pesquisa de arquivo e nos debates necessários ao desenvolvimento de sua investigação sobre Michel Leiris (1901-1990), escritor e antropólogo africanista francês. Atualmente desenvolve pesquisa sobre o intelectual afro-caribenho Édouard Glissant. Atua na área de História, com ênfase em: Teoria da História, História Intelectual, Intelectuais no século XX, teorias decoloniais.

Flávia Veras

Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2009), mestrado em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2012) e doutorado em Programa de Pós-Graduação em História, Política e pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (2017). Atuou como coordenadora pedagógica e professora de História e Sociologia do Instituto Guanabara LTDA (Unidade Duque de Caxias). Professora temporária de História do Brasil na UFRJ-IH e no Ensino Médio, no Colégio Curso Ação1. Atua também no ensino de nível técnico, como professora de Manifestação da Cultura Popular (MCP) na Protur Escola Técnica de Turismo.

A premissa básica de Horkheimer é a de que, apenas em uma perspectiva tradicional, a ciência pode ser tomada como neutra e apartada do trabalho como tal na sociedade capitalista. Em sentido contrário, em uma perspectiva crítica, como resultado da totalidade do trabalho efetuado em diversas esferas na sociedade e nos diferentes ramos de profissão, a ciência só pode ser entendida como atividade voltada à emancipação, a serviço da classe diretamente produtiva da sociedade burguesa, ou seja, o proletariado.

Os pontos de vista que a Teoria Crítica retira da análise histórica como metas da atividade humana, principalmente a ideia de uma organização social racional, corresponde ao interesse de todos, são imanentes ao trabalho humano, sem que os indivíduos ou o espírito público os tenham presentes de forma correta”.

Horkheimer, 1983.

Dito isso, Horkheimer conclui que é “necessário determinada direção do interesse para descobrir e assimilar essas tendências”, o que só pode se efetivar por uma operação da Teoria Crítica.

No final das contas, o que o filósofo de Frankfurt propõe é que, em alternativa a uma teoria tradicional e cartesiana, que organiza as proposições e os padrões da vida em sociedade – em especial na chamada sociedade de classes – é oferecida uma teoria crítica. De acordo com essa teoria, os homens são produtores de suas formas históricas, inclusive ou principalmente dos seus próprios discursos, sendo, assim, criadores da teoria e da prática em igual medida.

Entendendo a Teoria Crítica

Como arautos da Teoria Crítica, que vicejaram em um mundo dominado pelo tecnicismo, pela razão instrumental e por regimes políticos que levavam o terror aos seus concidadãos e ao restante do mundo, como o stalinismo e o nazismo, é possível imaginar que os frankfurtianos estivessem acomodados diante da alternativa que a sociedade burguesa e dita democrática do pós-guerra parecia proporcionar.

Muito ao contrário, pois foi na mesma Dialética do Esclarecimento que Adorno e Horkheimer iniciaram os estudos sobre as formas típicas assumidas pela ideologia numa época de emergência e consolidação da indústria cultural, chamada de “cultura de massas” pelos teóricos tradicionais, que permitiam o exercício da dominação em marcos ainda mais amplos e eficazes, não apenas políticos, mas também culturais.

Na esteira da reflexão, Walter Benjamin defendeu, em A obra de arte na época da reprodutibilidade técnica (1936), que toda a aura de sacralidade que a natureza da arte inspirava havia sido rompida, pois esta passava a se orientar em função das massas, algo possível em virtude do desenvolvimento técnico-científico-industrial.

A partir dessa análise, Adorno e Horkheimer pretendiam oferecer uma crítica que conjugasse o dispositivo ideológico presente na cultura tal como a apropriação técnica e a padronização industrial reconfiguraram toda uma época em que o indivíduo é tornado ilusório em função daquilo que é a indústria.

O fato de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução, que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para satisfação de necessidades iguais”.

Horkheimer, 2006.

Indústria cultural

Todo o esforço devotado a aquilo que Adorno e Horkheimer chamam de indústria cultural, que tem como contraparte a crítica transposta ao conjunto da produção artística pelos frankfurtianos, pressupõe converter em consumidores de mercadorias indivíduos que antes apenas apreciavam a arte como um bem sublime.

Para que isso fosse possível, como na época da guerra, a publicidade passou a ser consagrada como a única forma de subvencionar ideologicamente todos os produtos.

Estes, que tornados célebres pela repetição, são desmitologizados pela linguagem, e, não obstante, passam a ser pensados, explicados, escolhidos. Como provocam Adorno e Horkheimer, isso reaproxima, como no discurso religioso, a magia da palavra pela sua associação direta ao conteúdo, e não só pela sua interpretação ou explicação física.

Desmitologizados

Mito aqui aparece como uma crença. Então, romper o mito é feito pelo caminho da linguagem.

Como efeito, deste deslumbramento mágico e absolutamente eficaz da indústria cultural, reduz toda a civilização a um mero repositório de mercadorias oferecidas a consumidores vorazes e ávidos pela promessa de exclusividade, que nada mais é do que mera abstração.

As mais íntimas reações das pessoas estão tão completamente reificadas para elas próprias que a ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstração: personality significa para elas pouco mais que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estarem livres do suor das axilas e das emoções. Eis aí o triunfo da publicidade na indústria cultural, a mimese compulsiva dos consumidores, pela qual se identificam as mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram muito bem”.

Adorno; Horkheimer, 2006

Nesse procedimento, quando os produtos culturais, produtos da própria indústria capitalista, são alienados aos produtores, ou seja, quando são retirados da esfera de percepção de que são produtos humanos, tornam-se separados, “fungíveis”,  e, portanto, substituíveis, prestando-se a “finalidades exteriores à obra”, apenas por um efeito de um truque publicitário, imperativo para a eficácia, consagra-se a esse espírito de época toda a herança civilizatória. Isso significa que, na sociedade burguesa, nada escapa de ser transformado em mercadoria.

Fungíveis

Mito aqui aparece como uma crença. Então, romper o mito é feito pelo caminho da linguagem.

O conceito de indústria cultural firmado por Adorno e Horkheimer é um dos mais celebrados da Filosofia e da Sociologia críticas contemporâneas. Não obstante, sua dimensão erudita e acadêmica, ao lado do seu conteúdo profundamente crítico, que causava desconforto entre aqueles que ganhavam dinheiro e, portanto, preferiam empregar o termo “cultura de massas” ao invés de “indústria cultural”, foi sempre um elemento de interdição à sua disseminação e compreensão de boa parte dos estudiosos.

legenda

SAIBA MAIS

Para muito além dos movimentos de juventude dos anos 1960, a Escola de Frankfurt também oferecia ferramentas para o desenvolvimento eficaz da crítica do antissemitismo e das ideologias fascistas em obras como a própria Dialética do Esclarecimento, cujo último capítulo era dedicado ao tema, ou os estudos de Adorno sobre psicologia social e psicanálise, em que o autor envereda pela investigação da propaganda fascista (2015). Todavia, é principalmente na obra Os estudos sobre a personalidade autoritária, de 1950, que o autor, junto a outros estudiosos, formula o conceito de Escala F (F de Fascismo) para medir o potencial de autoritarismo em indivíduos em sociedades estáveis e democráticas, dotando sua filosofia de uma aplicabilidade incomum em qualquer das dimensões anteriores.

A querela dos historiadores: a luta entre as teorias tradicionais e a Teoria Crítica

Foi com a chamada “Querela dos historiadores” (do alemão Historikerstreit), um debate público que, na década de 1980, envolveu historiadores, filósofos, jornalistas e diversos intelectuais sobre o tema do nazismo, que a Teoria Crítica, de algum modo, testou sua popularidade e até mesmo sua eficácia, posto que um dos mais importantes contendores da polêmica que extrapolou o ambiente acadêmico, foi justamente o filósofo e herdeiro da Escola de Frankfurt, Jüngen Habermas.

Iniciada em 1986, quando o historiador Ernst Nolte (1923-2016) publicou o artigo O passado que não quer passar, a polêmica girava em torno das formas de apropriação do passado e da maneira específica como os alemães lidavam com os traumas produzidos pelo nazismo e pela guerra e no que diz respeito à história debruçada sobre o assunto.

De acordo com Nolte, que era um estudioso do tema, para que fossem capazes de abandonar o passado, os alemães precisavam entender que todo o horror nazista tinha sido precedido pelo horror bolchevique, soviético e vermelho. Desse modo, para que tivesse existido Auschwitz, muito antes tinha existido um gulag soviético; para que o Terror Branco dos nazistas fosse possível, antes tinha havido o Terror Vermelho; para a morte à raça dos nacional-socialistas, os bolcheviques dos anos 1920 tinham gritado morte à classe (NOLTE, 1989, p. 14).

O que Nolte dizia era que as responsabilizações imputadas aos alemães seriam:

(...) Insinceras, uma vez que os acusadores, ou os grupos que representam, ali não se incluem e, no fundo, querem apenas desferir um golpe decisivo em velhos inimigos”.

Nolte, 1989

Ernst Nolte (1923-2016).

Ou seja, se alguma ideia de culpa pudesse ser efetivamente aceita, ela precisaria recair sobre todos os envolvidos desde muito antes, e não apenas aos alemães.

De acordo com o historiador revisionista, a principal consequência de “não passar” era a que esse passado não podia se tornar reconhecível em toda a sua complexidade, impedindo que as dimensões múltiplas fossem todas percebidas para além de suas implicações referidas ao próprio contexto em que surgiram.

Em função do delicado tema, as posições controversas de Nolte e de outros estudiosos, que consagravam um procedimento revisionista de acusar a história sobre o Terceiro Reich de produzir um “mito negativo” por ter sido escrita pelos vencedores, conformavam uma tendência revisionista na historiografia, que retomava os termos das polêmicas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Em vista disso, as teses de Nolte e dos demais revisionistas alemãs foram vigorosamente refutadas por diversos estudiosos, muito especialmente por Habermas, que publicou um artigo de polêmica ainda em 1986, retomando-o em 1987, sob o título de Tendências apologéticas.

SAIBA MAIS

Sobre o debate, Habermas faz a provocação com o termo que passou a ser fortemente vinculado à religião, mas que não é efetivamente. É, na verdade, um discurso de exaltação.

Em seu texto, Habermas, o discípulo de Adorno e de Horkheimer, que já era um dos mais importantes filósofos ocidentais na época, apontou as mazelas de uma historiografia revisionista que pretendia isentar os nazistas e os alemães dos crimes cometidos contra a humanidade durante a Segunda Guerra Mundial. Essa visão revisionista se prestou a disposições de espíritos dominantes que insistem em reduzir Auschwitz a “um formato de inovação técnica” que seria explicável.

Por um recurso discursivo, cria-se uma naturalização de atrocidades, como parte de um combate maior, pelo crescimento soviético e pela pressão destes em suas portas. Os crimes nazistas não são singulares e não deveriam ser postos de forma tão viva, uma vez que foi graças à luta dos nazistas que a União Soviética não marchou mais fortemente para o Ocidente. É um recurso de observação do resultado e da criação de um processo associativo crítico, discursivo, irreal. (NOLTE, 1989)

No final das contas, Habermas aponta a responsabilidade e a conivência de quem, a pretexto de salvaguardar o passado no espaço que lhes cabe – qual seja, o próprio passado –, absolve moralmente os atos condenáveis de toda a barbárie nazista em nome de um procedimento que não é científico, mas parcial e comprometido com aqueles que querem. Não se pode analisar um fenômeno com abstração, uma falsa imparcialidade, em especial quando se lida com atrocidades humanas, e, ao mesmo tempo, querem ofertar ao discurso da história uma cientificidade. Quem persistir em não perceber as dores, as fragilidades, as disputas horrendas do mundo, e, em prol da teorização, naturalizá-la, deve abandonar seu discurso de ciências humanas (NOLTE, 1989).

Persistência da memória. Dalí, 1931.

Qual o papel da Teoria Crítica?

Como se vê, a Teoria Crítica não se presta apenas a polêmicas e debates que se encerram na esfera erudita da academia. Ela possui uma disposição inconteste de incidir no debate público, sem, entretanto, converter-se em instrumento de regimes, partidos ou ideologias atados em camisas de força doutrinárias.

O que os filósofos frankfurtianos e teóricos críticos pretenderam foi oferecer uma alternativa de pensamento que, sem abdicar de abstrações complexas e indispensáveis, fosse também efetiva no caminho da construção da emancipação humana.

Em vista desse compromisso e da heterodoxia que inspiravam, não raro, os teóricos críticos foram confundidos com os filósofos pós-modernos, que, a partir da França, tornaram-se também influentes em correntes culturais e universitárias pelo mundo a partir de fins dos anos 1970.

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MODULO 3

A origem da pós-modernidade

O ano de 2019 marcou o aniversário de 40 anos da publicação de um livro seminal para o pensamento ocidental. Escrito pelo filósofo francês Jean-François Lyotard (1924-1998), A condição pós-moderna (1979) marca o ponto culminante da inflexão de um movimento que, iniciado em fins dos anos 1960, encontrava sua forma madura na formulação de um princípio que pretendia remodelar o conhecimento através de um pequeno livro, definido pelo seu autor como um “escrito de circunstância”, “uma exposição sobre o saber nas sociedades mais desenvolvidas” (LYOTARD, 2015).

Jean-François Lyotard

O filósofo aproxima a Filosofia do debate da Psicanálise, de modo a provocar a condição do homem moderno e a sua construção narrativa. É considerado um dos filósofos mais importantes do debate sobre a pós-modernidade.

De fato, a despretensiosa publicação chamada de A condição pós-moderna, que reúne 14 capítulos curtos, escritos em pouco mais de cem páginas, não imaginava que estivesse destinada a fazer história como ponto de afirmação de uma corrente intelectual que influenciaria sobremaneira a Filosofia e as Ciências Humanas como um todo, não deixando de desafiar as demais epistemologias científicas, que, por quase dois séculos, vinham afirmando uma forma de saber baseada na razão, nas metanarrativas, na objetividade, na verdade, e em tudo aquilo que se convencionou chamar de ciência ocidental.

O livro de Lyotard é marcante em muitos sentidos. No entanto, antes de começarmos a discutir a condição pós-moderna proposta pelo autor ou as vertentes intelectuais da pós-modernidade e do pós-modernismo e toda a conceituação que lhes são referentes, convém traçarmos um breve percurso histórico para que sejamos capazes de identificar suas origens, seu desenvolvimento e suas raízes e ramificações.

O prólogo estruturalista

O movimento intelectual que deu oportunidade ao pensamento pós-moderno parte da premissa de que o mundo moderno que até então existia era estruturado sob bases econômicas, sociais e culturais superadas por existências múltiplas e variadas, que tinham por base uma controversa Quarta Revolução Industrial. Essa revolução teria dado ensejo ao advento de novas tecnologias que transformariam profundamente a maneira de conceber a produção e a difusão da informação.

Tais transformações teriam permitido a reconfiguração de toda existência humana, assentada desde a segunda metade do século XX em uma sociedade não mais industrial, mas pós-industrial.

Pós-industrial

Termo que faz referência a uma sociedade em que os principais setores produtivos, como fator financeiro, mas, principalmente, no emprego de mão de obra, deixam de ser centrais diante de uma complexa cidade e economia baseada em serviços.

Contexto da formação do estruturalismo e de sua crítica

Entre 1939 e 1945, a humanidade mergulhou em uma guerra de grandes proporções. Contabilizados pelos imensos contingentes que combateram nas frentes e que tombaram nos campos de batalha, acrescidos pelos civis abatidos nas cidades devastadas por bombardeios possíveis apenas porque a ciência e a tecnologia bélica haviam se desenvolvidos a patamares nunca antes imaginados, os seres humanos experimentaram formas de destruição em massa que marcaram a existência de toda uma geração contemporânea a uma guerra em que morreram aproximadamente 60 milhões de pessoas.

A Segunda Guerra possibilitou à humanidade conhecer a forma como um povo, grupo étnico, uma nacionalidade, nação e uma raça podem ser liquidados como um todo ou em grande parte, algo que permitiu a fixação do termo “genocídio” para se referir ao evento. Por tal peculiaridade de matança e destruição massiva, a Segunda Guerra Mundial foi o mais traumático evento do último século, um dos mais trágicos acontecimentos de toda a história humana, apenas possível, paradoxalmente, em função do absurdo desenvolvimento industrial alcançado por diversos países e pela civilização como um todo.

A partir das formas variadas de uso das múltiplas esferas da ciência que nações envolvidas no conflito lançaram mão durante os anos da guerra, seria impossível conceber que um conflito nessas proporções pudesse acontecer em qualquer outra época. Assim, foram o progresso e a civilização seus principais mecanismos de propulsão.

Nesse aspecto, ao lado da máquina de guerra montada pelos países beligerantes, era levada aos campos de batalha uma forma de extermínio industrial de judeus perpetrada pela Alemanha nazista, cujo termo eufemístico ficou conhecido como “solução final”. Nesse contexto, foi consumado um tipo de experiência de dimensões inimagináveis em um evento chamado de Holocausto (Shoah, para os judeus).

Ao fim do conflito, os vencedores levaram a efeito os termos dos tratados firmados para partilha e divisão do mundo, motivando um novo tipo de disputa, a chamada Guerra Fria, com a oposição das superpotências dos Estados Unidos e da União Soviética. Os governos buscavam elaborar planos para reconstruir países e economias devastados, acusados de servir aos propósitos das nações beligerantes e também a governos que não conheciam quaisquer limites éticos às suas ações. Além disso, inúmeros cientistas foram acusados de colaborar com a devastação pelo serviço que prestaram aos seus países. São exemplos as lutas promovidas na África, no Vietnã, na Coreia, entre outras.

Todavia, não foram apenas os cientistas os responsabilizados pelos prejuízos causados à humanidade. Também toda a razão em si e toda a ideia de progresso foram atingidas por um julgamento ético-moral que, de antemão, estabelecia a condenação da instrumentalização dos saberes para fins de destruição, porque, afinal de contas, ao querer tornar-se Deus e dominar a natureza em busca da perfeição, a humanidade quase tinha se destruído.

A Filosofia e as Ciências Humanas tentavam entender os motivos que tinham tornado possível os crimes de guerra e a existência daqueles que utilizavam a ciência e a razão como cúmplices da barbárie e do extermínio produzido no holocausto nazista. Enquanto os filósofos, os cientistas sociais e os historiadores buscavam explicações para tentar justificar o injustificável ou compreender o que parecia incompreensível, governos, cidadãos e as vítimas da tragédia pretendiam criar estratégias para virar a página e uma das condições assumidas para tal era o próprio esquecimento.

Da tentativa de entender a realidade, mas também marcados por terem vivido o acontecimento que pretendiam superar pelo recalque, uma geração inteira de estudiosos, respondendo à sua própria impotência e às pressões para o esquecimento, convergiram para explicações que começaram por condenar, além do acontecimento e dos sujeitos específicos e em si, a própria ideia de acontecimento, de sujeito, de todo humanismo e as razões que tinham tornado possível o cataclismo.

O que é o estruturalismo?

Dessa condenação e da busca por outras explicações e compreensão, desenvolveu-se, a partir de 1945, uma corrente de pensamento francesa que ganhou o mundo: o estruturalismo.

Enquanto reunia adeptos ao redor do mundo, tornando-se a única forma de filosofia e ciência Humana possível, o estruturalismo pautava temas, elegia objetos de estudo e determinava as maneiras e os procedimentos de investigação que, abdicando das metanarrativas, dos sujeitos e dos acontecimentos, definiram o conhecimento filosófico, histórico, antropológico, sociológico, politológico e de outras áreas por mais de 20 anos, tornando quase impossível existir vida inteligente (e produtiva) fora da corrente estruturalista.

Pós-estruturalismo

Ocorre, contudo, que, apesar do desejo dos estruturalistas de deter o movimento do tempo, tal procedimento só era possível de um ponto de vista teórico, como abstração e método de investigação e análise, nada mais que isso. Considerando que a realidade não se adequa aos interesses dos homens que pensam, mas o contrário, nos anos 1960, as transformações produzidas pelos processos de reconfiguração do mundo, de reconstrução dos países, de expansão econômica intensa, de um novo impulso à urbanização e de surgimento da juventude como elemento sociológico para pressionar os governos, introduziram personagens e demandas que implodiram o esquema estruturalista na mesma medida em que redimensionaram a existência dos povos.

O Maio de 1968 francês e todos os movimentos que a partir daquele ano reintroduziram o acontecimento, os sujeitos e as pautas políticas, provisoriamente esquecidas ou, no mínimo, adormecidas na Filosofia e nas Ciências Humanas do Ocidente, voltaram para questionar as premissas mais caras aos estruturalistas. Animados pelos movimentos de juventude, pelas greves operárias e pelas jornadas de luta – que faziam coro com os exemplos das revoluções chinesa e cubana, ao mesmo tempo em que questionavam a Guerra do Vietnã e apoiavam os processos de libertação na África e na Ásia –, a corrente intelectual que desdenhava do humanismo, dos sujeitos, da história e dos acontecimentos sofria profundos abalos e dobrava-se ao incontornável da realidade que a circundava.

Maio de 1968 francês

Levante de estudantes franceses sobre a estrutura e os fundamentos da educação francesa, pautados na modernidade e no estruturalismo.

O enfraquecimento substancial do estruturalismo, ou o ímpeto que o atingiu em fins da década de 1960, não foi sentido apenas no campo das ideias. Ele veio acompanhado pelo desaparecimento ou mesmo pela tragédia pessoal de grande parte dos intelectuais epistolares da corrente estruturalista, que, depois de décadas de sucesso, em que produziram diversas obras importantes, foram confrontados com uma realidade que desafiava parte das suas intepretações e análises. Pouca coisa sobrou do estruturalismo nas décadas seguintes.

Décadas seguintes

De acordo com o historiador François Dosse, o desaparecimento de parte dos intelectuais estruturalistas, pelo “seu caráter incomum e quase simultâneo, acentuaram a impressão do fim de uma época”.

O único caminho possível para aqueles que tinham surgido no estruturalismo era refazer seus programas, readaptando-se as ideias à experiência do mundo real, que alguns pareciam querer negar. E, assim, como se fossem os remanescentes de um movimento radical que tivesse sofrido uma derrota estrondosa, os estruturalistas se transfiguraram para poderem sobreviver, tornando-se pós-estruturalistas.

Do pós-estruturalismo ao pós-modernismo

Entre os estruturalistas que reconfiguraram suas teses ao novo mundo surgido após 1968, o filósofo Michel Foucault talvez tenha sido o mais bem-sucedido. O conceituado autor de As palavras e as coisas (1966), obra escrita ainda nos limites da corrente estruturalista, pretendia fundar uma nova epistemologia em alternativa às epistemes do Iluminismo, mas, muito especialmente, ao marxismo.

Para Foucault (2002), as teorias de Marx tinham funcionado bem para o século XIX, mas apresentavam inúmeros limites em outros contextos e frente aos desafios do século XX .

O marxismo está no pensamento do século XIX como peixe n´água: o que quer dizer que em qualquer outra parte deixa de respirar. (...) Seus debates podem agitar algumas ondas e desenhar sulcos na superfície: são tempestades num copo d´água”.

De acordo com o historiador e sociólogo François Dosse (1993, p. 367), As palavras e as coisas se constitui como a “síntese filosófica” da corrente estruturalista, que vinha se desenvolvendo há uma quinzena de anos. Todavia, as irrupções violentas que tomaram as ruas do mundo em fins dos anos 1960 desafiavam os postulados da razão instrumental, as formas de controle do corpo e da sexualidade, as maneiras como o poder se exercia, e as ideologias se interpunham entre os desejos e os anseios de um mundo por reconstruir.

Mundo por reconstruir

Em vista disso, a geração que vivenciava o mundo após 1945 o fazia tomando as experiências da guerra e do Holocausto como baliza para novas posturas éticas que deveriam ser assumidas por todos.

Das ruas, a juventude, que passa a se constituir como novo sujeito histórico de uma contemporaneidade renovada, oferece apoio à Revolução Cultural maoísta na China, repudia a invasão norte-americana no Vietnã e exige o fim das colônias na África, apoiando os movimentos de libertação, instituindo uma nova noção de temporalidade sem, entretanto, resgatar os sujeitos esquecidos nos esquemas estruturalistas dos recentes tempos pretéritos.

Por conseguinte, o pós-estruturalismo afirma-se como uma espécie de movimento de “militantes” arrependidos que pretendiam reconfigurar uma nova cultura política com uma roupagem intelectual renovada.

O produto de tal reconfiguração, que, nos anos anteriores, tinha sido estabelecida por estruturas fixas e pelo inconsciente inamovível, transita agora para a linguagem que passa a ser o lócus privilegiado de toda observação que produz significado, mas que é também significante. Dito de outra forma, onde os estruturalistas do passado enxergavam estruturas rígidas das quais o sujeito não podia escapar, os pós-estruturalistas veem a linguagem e o discurso como pontos de referência, a partir dos quais todo o saber deveria ser construído.

Nesse processo de transfiguração, em que bases antes aparentemente consolidadas ruíram como um castelo de cartas, temas, objetos e problemas foram tomados em dimensões e perspectivas até então desconhecidas ou mesmo inimagináveis, ao mesmo tempo em que pensadores foram resgatados do ostracismo em substituição aos que pareciam ser os antigos ícones da modernidade.

Filósofos influentes

Desencantados com a razão, os pensadores pós-estruturalistas, que eram a forma manifesta do pós-modernismo em seu nascedouro, buscaram no filósofo Nietzsche (1844-1900) as bases de uma filosofia por definição pessimista. Essa filosofia estava prestes a desdenhar da História, dos esquemas evolutivos, das noções de progresso, das ideologias e da dialética e de toda a explicação calcada nos princípios iluministas que aspiravam a universalidade e que se imaginavam senhores da razão e do conhecimento.

Nesse caminho, o anti-humanismo, que já havia sido uma das marcas do estruturalismo, redivivo entre os pós-modernos, procura fundir o niilismo de Nietzsche com o existencialismo do também filósofo alemão Heidegger (1889-1976), deslocando toda a dimensão referente à linguagem que se opõe ao real como único possível. Ou seja, a realidade não existe, o que existe é o discurso.

Pós-modernidade e pós-modernismo

O mal-estar na modernidade é um dado concreto das diversas correntes intelectuais da segunda metade do século XX na Europa e nos Estados Unidos. Todavia, quase todas elas desenvolveram suas críticas reivindicando a própria ideia de modernidade e a tradição iluminista de que eram tributários.

Ou seja, embora críticos da modernidade, do cientificismo, do tecnicismo e da razão instrumental, boa parte das correntes que viviam o desconforto do mundo no pós-guerra partiam do princípio de que os contrapontos necessários pressupunham que o mundo era organizado em determinadas bases de estrutura industrial, produção de mercadorias e divisão por classes.

Com o advento da corrente pós-estruturalista ou pós-moderna, essa perspectiva é fortemente inflexionada para uma posição de crítica; no entanto, não à modernidade em si, mas à ideia de que a modernidade continuasse existindo após a década de 1950, já que se assumia que as transformações profundas do planeta tinham dado ensejo ao surgimento de sociedades pós-industriais e, portanto, pós-modernas.

Partindo desse ponto de vista, Lyotard publica o livro A condição pós-moderna, em 1979. Para este autor, o saber científico, base racional que estrutura a forma de conhecimento na sociedade moderna, é apenas uma forma discursiva que teve operacionalidade em determinado período, quando a sociedade esteve estruturada a partir da produção industrial.

Na medida em que essa sociedade havia se transformado e se convertido em pós-industrial, o que seria uma característica do período datado a partir de 1950, todo saber precisaria mudar de estatuto:

Nesta transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não pode se submeter aos novos canais e tornar-se operacional, a não ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidades de informação”.

LYOTARD, 2015.

Para Lyotard, uma das formas mais proeminentes e visíveis da transfiguração da sociedade na era pós-industrial – em que “o Estado começa a aparecer como um fator de opacidade e ‘ruído’, para uma ideologia da ‘transparência’ comunicacional, que se relaciona estritamente com a comercialização de saberes” – é a maneira como a informação é organizada, produzida, armazenada e disseminada. Com efeito, uma das características principais da pós-modernidade seria, justamente, a transferência do saber para os indivíduos num espaço-tempo que se conjuga com o “desaparecimento da hegemonia do capitalismo americano”, com o “declínio da alternativa socialista” e com “a abertura provável do mercado chinês às trocas” (2015, p. 6).

Pós-modernidade no Brasil

No Brasil, a chegada dos autores pós-modernos coincide com a abertura política e com o boom editorial que, nos anos 1980, fez convergir uma série de estudos críticos do estruturalismo e também da corrente marxista-estruturalista de grande influência na academia nos anos 1960 e 1970.

Com a expansão dos cursos de pós-graduação durante o período de redemocratização, as áreas de Filosofia, Letras e as Ciências Humanas em geral passaram a incorporar muitos dos autores e parte substancial das preocupações que animavam o debate dos pós-modernos.

Esse debate diversificou objetos e temáticas e ajudou a remodelar problemas e abordagens. Tais transformações fizeram transitar os modelos, antes relativamente fixos, para uma imensa espiral caleidoscópica que contemplava os novos sujeitos que, paulatinamente, passaram a acessar as universidades e os cursos de pós-graduação, cada vez mais plurais e diversificados.

Etnia. Todos somos um. Noruega.

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CONCLUSÃO

Considerações Finais

Compreender o pensamento pós-moderno e a Teoria Crítica constitui-se um desafio necessário a quem pretenda enveredar pelo conhecimento que balizou as formas de apreensão do mundo no século XX. Sem pretender resumir a história do conhecimento a tais correntes, dizer que é possível compreender alguma coisa dos debates atuais sem conseguir situar alguns desses autores, suas obras e formas de pensamento é dizer que o mundo pode ser entendido vendo um simples vídeo da internet.

Neste tema, você efetivamente fez um longo trajeto: identificou como a Escola de Frankfurt estrutura o conceito e aponta para uma concepção social complexa. Em seguida, analisou a ruptura entre as teorias tradicionais e a teoria crítica e, por fim, pôde perceber a emergência de um paradigma pós-moderno e que acaba rompendo com a dinâmica política e social.

Podcast

CONQUISTAS

Comparou a Escola de Frankfurt com as correntes da pós-modernidade.

Diferenciou a Teoria Crítica das teorias tradicionais.

Analisou a formulação do conceito de pós-modernidade.