Definição

Modernidade sólida e modernidade líquida, novos paradigmas de trabalho e poder, e suas consequências nas esferas macro e micro dos novos arranjos e relações sociais.

PROPÓSITO

Refletir sobre a vida contemporânea a partir de um olhar sobre o mundo sólido e o mundo líquido para investigar os diversos aspectos da chamada pós-modernidade.

OBJETIVOS

Módulo 1

Compreender os conceitos da modernidade líquida e da modernidade sólida

Módulo 2

Reconhecer os mecanismos do processo de individualização


Módulo 3

Identificar influências de Zygmunt Bauman em autores brasileiros


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Objetivo1

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Introdução

Modernidade líquida é o termo cunhado por Zygmunt Bauman no final do século XX para definir os novos arranjos socioculturais vigentes no mundo contemporâneo. É uma época marcada, segundo o sociólogo, por fragilidade, imprevisibilidade e incerteza, em que nada é feito para durar.

Tem sido comum se referir a Zygmunt Bauman como um teórico da pós-modernidade, entretanto o autor é crítico a tal conceito, tendo o substituído gradualmente em sua obra pelo termo modernidade líquida. Isso pode ser explicado pelo fato de ele não compreender a contemporaneidade como uma ruptura do período moderno, apenas como uma continuação com aspectos e estruturas diferentes.

Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de Sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Bauman se manteve próximo à ortodoxia marxista, mas se tornou crescentemente crítico ao governo comunista da Polônia. Aproximou-se, então, cada vez mais, de uma concepção humanista do marxismo.

Zygmunt Bauman | Por: andersphoto (Fonte: Shutterstock).

O termo líquido é utilizado como uma metáfora para exemplificar um estado de fluidez ou liquidez, em que a forma das coisas não resiste com o tempo. Diferentemente dos sólidos, os líquidos não mantêm sua forma com facilidade.

Os fluidos se movem facilmente. Eles fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam, borrifam, pingam; são filtrados, destilados; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos (...) Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou encharcados.

(BAUMAN, 2001, p. 8)

Modernidade sólida x Modernidade líquida

Tal conceituação é fundamental para compreender a ruptura e substituição de determinados valores culturais, sobretudo na passagem para o século XXI.

A modernidade sólida caracterizava-se por princípios orientados pela ordem, em que os indivíduos se conformavam aos modelos de conduta e experimentavam determinado grau de segurança em seus vínculos.

Bauman cita o emprego e os relacionamentos contemporâneos como aspectos cada vez mais marcados pela transitoriedade e facilmente revogáveis.

Pergunte-se o que é realmente uma família hoje em dia? O que significa? É claro que há crianças, meus filhos, nossos filhos. Mas, mesmo a paternidade e a maternidade, o núcleo da vida familiar, estão começando a se desintegrar no divórcio... Avós e avôs são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e filhas. Do ponto de vista de seus netos, o significado das avós e dos avôs tem que ser determinado por decisões e escolhas individuais.

(BAUMAN, 2001, p. 13.)

Instituições zumbi

Citando Ulrich Beck, o autor designa tais aspectos como instituições zumbi (Bauman, 2001, p. 12), pois se configuram em uma espécie de sobrevida na atualidade. Embora existam fisicamente, já perderam grande parte de suas funções sociais anteriores. São exemplos de tais instituições a família, a classe e o bairro.

Derretimento dos sólidos

Para compreender melhor o conceito de derretimento dos sólidos, vamos retomar a uma das obras mais importantes do século XIX, o Manifesto Comunista. Uma das emblemáticas frases de Karl Marx e Friedrich Engels , utilizada para definir o que seria a transição para o estágio moderno da sociedade, trata da dissolução das antigas e cristalizadas relações sociais.

Karl Marx (1818-1883), nascido na Prússia (atual Alemanha) investigou as relações socioeconômicas de seu tempo e formulou algumas das ideias e teorias de maior impacto e repercussão nos séculos XIX, XX e XXI. Os mecanismos do capitalismo, a luta de classes e o papel do Estado foram alguns dos pontos pensados e debatidos por Marx.

Friedrich Engels (1820-1895), também prussiano, foi fundador, junto a Marx, do chamado socialismo científico. Trabalhou por alguns anos na fábrica têxtil de sua família na Inglaterra e, nesse período, conheceu e se impressionou com a pobreza dos trabalhadores. A partir de então, começa a estudar e publicar sobre relações econômicas e sociais. Sua parceria com Karl Marx foi fundamental para o desenvolvimento da teoria marxista.

Para os teóricos, na nova era:

Tudo que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões sua posição social e as suas relações com os outros homens.

(MARX; ENGELS, 2005, p. 43.)

Inicialmente, derreter os sólidos simbolizava eliminar a antiga ordem tradicional defeituosa que constituía um passado insatisfatório, com estruturas em que não se podia confiar. De acordo com Bauman (2001), os tempos modernos encontraram os sólidos pré-modernos em um estado avançado de desintegração. E, um dos principais motivos da urgência em derretê-los era o desejo de inventar sólidos de solidez duradoura, nos quais seria possível confiar e que tornariam o mundo previsível e, portanto, administrável.

Para compreender melhor a diferença entre as duas modernidades, veja o quadro a seguir:

MODERNIDADE SÓLIDA MODERNIDADE LÍQUIDA
Sociedade de produtores (papel central do trabalho) Sociedade de consumidores (papel central do consumo)
Totalitarismo  Democracia  
Vigilância panóptica  Vigilância pós-panóptica 
Liberalismo  Neoliberalismo
Burocracia e controle “Liberdade”
Tradição e liberdade Possibilidade de escolhas
Comunidade Individualidade

Saiba mais

Vigilância panóptica: A ideia de panóptico ficou conhecida a partir dos escritos de Michel Foucault, que se inspirou na idealização de Jeremy Bentham de uma penitenciária ideal, onde os encarcerados podiam ser vistos sem verem o vigilante, portanto, nunca sabendo quando e se eram ou não vigiados. O panóptico era o nome dado à estrutura arquitetônica desse projeto penitenciário.

Vigilância pós-panóptica: A vigilância pós-panóptica é conceituada por Bauman como um novo momento em que não há mais necessidade de olhar centralizador (no papel daquele único vigilante). Não se conhece os pontos de vigilância e, aliás, deixar-se vigiar vira condição de segurança de cada um.

Um dos principais aspectos da obra de Bauman, sobretudo em seu livro Modernidade Líquida, são suas contribuições acerca dos novos arranjos do trabalho e as diferenciações que ocorreram na transição da modernidade sólida para a líquida.

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A conquista do espaço, através de máquinas mais velozes, marca o início da era moderna. Retomando o conceito de racionalidade instrumental  de Max Weber , vemos que um dos princípios que operavam na civilização moderna se centrava no modo de preencher espaços, ou seja, eliminar espaços vazios ociosos.

Max Weber (1864-1920), jurista e economista prussiano, considerado um dos pais da Sociologia. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e Economia e Sociedade são suas obras mais importantes.

Saiba mais

A racionalidade instrumental é um conceito que considera a razão e o conhecimento humano como meios para se obter fins específicos. É neutra, formal e lógico-matemática. Possui caráter objetivo.

Aliás, o limiar da era moderna vem de René Descartes, com a definição da materialidade, isto é, aquilo que é material, físico, palpável, como espacialidade res extensa.

Comentário

O termo res extensa (coisa extensa, com o sentido de extensão, isso é, tamanho, volume, existência física, material) se contrapõe a res cogitans (coisa pensante). Foi nessa suposta divisão entre corpo/físico e pensamento/abstrato que Descartes baseou sua filosofia e fundamentou grande parte do pensamento moderno.

A modernidade caracterizou a diferença entre fortes e fracos como a diferença entre territórios estritamente controlados (os fortes) e territórios abertos à invasão (os fracos). Mas essa é uma parte da história que terminou.

Zygmunt Bauman a nomeia era do hardware ou modernidade pesada (que virá a ser substituída pela era do software).


A modernidade pesada foi a era da conquista territorial. A riqueza e o poder estavam firmemente enraizadas ou depositadas dentro da terra – volumosos, fortes e inamovíveis como os leitos de minério de ferro e de carvão. Os impérios se espalhavam, preenchendo todas as fissuras do globo: apenas outros impérios de força igual ou superior punham limites à sua expansão. O que quer que ficasse entre os postos avançados dos domínios imperiais em competição era visto como terra de ninguém, sem dono e, portanto, como um espaço vazio – e o espaço vazio era um desafio à ação e uma censura à preguiça.

(BAUMAN, 2001, p. 132)

Os exploradores foram os heróis da modernidade. A riqueza e o poder eram conceitos geográficos ou propriedades territoriais. Assim, as lógicas de poder e de controle passam a se basear na separação entre dentro e fora e numa defesa constante dessa separação. A todo momento, busca-se definir e apontar o que é dentro e o que é fora, o que é certo e errado, central e periférico, incluído e excluído, visível e invisível etc. A união da lógica do poder com a lógica do controle envolveu a lógica do tamanho.

O poderio bélico, econômico e político ditava o controle das relações, mas ainda com um referencial à expansão territorial, conquista de terras e domínio de seus recursos físicos sobretudo.

Na versão pesada da modernidade, o progresso significava tamanho crescente e expansão espacial. (BAUMAN, 2001, p.133)

A domesticação e a colonização do espaço exigiam um tempo rígido, uniforme e inflexível. Durante este processo, o tempo era rotinizado e, acima de tudo, deveria encolher. O tempo medido pelo modelo do espaço podia ser fatiado em medidas semelhantes e arranjado em sequências monótonas e inalteráveis.

A modernidade pesada teve como modelo a fábrica fordista, que promoveu o encontro do capital com o trabalho. As fábricas ilustravam aquela realidade com as suas maquinarias pesadas atadas ao solo e o tempo congelado da rotina, com suas irrupções de greves e confrontos.

Você sabia

O fordismo foi o sistema de produção criado por Henry Ford para gerenciar a montagem dos automóveis de sua fábrica. Uma de suas características mais marcantes é a linha de produção, em que um operário realiza exaustivamente uma única tarefa – movimento brilhantemente captado em seu mecanismo e suas consequências por Charles Chaplin em seu filme Tempos Modernos.

Para exemplificar o que mudou na passagem da modernidade hardware para a software, vejamos a frase do economista da Sorbonne Daniel Cohen: 

Quem começa uma carreira na Microsoft não tem a mínima ideia de onde ela terminará. Quem começava na Ford ou na Renault podia estar quase certo de terminar no mesmo lugar.

(Cohen apud BAUMAN, 2001, p.135).

No universo software o espaço pode ser atravessado em tempo nenhum, pois cancela-se a diferença entre longe e aqui. O espaço não impõe mais limites à ação e o seu efeito estratégico quase não conta, já que o tempo não confere valor ao espaço. O tempo sem substância do mundo software é a consequência lógica da irrelevância do espaço. A modernidade leve (soft) pretende atingir a leveza e a infinita volatilidade e flexibilidade da capacidade humana.

Já na era hardware da modernidade, era da racionalidade instrumental, o tempo precisava ser administrado prudentemente para que o uso do espaço pudesse ser maximizado.

O trabalho hardware necessitava ser supervisionado e administrado no seu processo (por isso o empenho dos empregadores em vigiar o processo de trabalho para controlar os trabalhadores).

A era do software não mais amarra o capital. Ela descorporifica o trabalho anunciando a ausência de peso do capital, rompendo a dependência mútua trabalhador-capital.

O capital hoje pode viajar rápido e leve; e os capitalistas tendem a se livrar da onerosa tarefa de administração e supervisão de uma equipe grande.

O capitalismo software vai unir as estratégias de redução às de fusão. Ambas somadas vão oferecer poder financeiro e espaço para mover-se rapidamente.

Se a ciência da administração do capitalismo pesado se centrava em conservar a mão de obra e forçá-la ou suborná-la a permanecer de prontidão e trabalhar segundo os prazos, a arte da administração na era do capitalismo leve consiste em manter afastada a mão de obra humana. (BAUMAN, 2001, p. 141)

As características vão além do mundo do trabalho. A instantaneidade da modernidade leve e líquida reside na anulação da resistência do espaço e na liquefação da materialidade dos objetos.

O mundo do hardware é o do longo prazo e dos objetos duráveis.

O mundo do software é o do curto prazo e dos objetos perecíveis, transitórios.

A modernidade líquida também é marcada pela obsolescência programada, em que a infinidade de possibilidades esvaziou a infinitude de tempo.

Você sabia

A obsolescência programada é uma forma de manter o consumo ininterrupto. Atribui-se sua ideia à presidência da General Motors (GM) ainda no início do século XX. Ela consiste em fazer com que o produto seja constantemente considerado ultrapassado, de modo que o consumidor sempre buscará acessórios ou substituições melhores. Outra faceta da obsolescência programada é a deliberação quanto à diminuição da vida útil dos produtos, de forma que, de tempos em tempos, eles deixem de funcionar e tenham de ser comprados novamente.

A nova instantaneidade do tempo muda radicalmente as modalidades do convívio humano. Trata-se de uma cultura indiferente à eternidade e que evita a durabilidade. Os homens e as mulheres de hoje se distinguem de seus pais, vivem num presente que quer esquecer o passado e não parecem acreditar no futuro.

Da fábrica fordista à racionalidade nômade

Neste vídeo, iremos ver como ocorreu essa mudança em relação ao trabalho

Como vimos no vídeo, a ideia de progresso sofreu rachaduras na modernidade líquida, mas não desapareceu, só se tornou menos familiar. O progresso segue hoje outros parâmetros, foi individualizado, desregulado e privatizado: a questão do aperfeiçoamento não é mais ideal coletivo, mas individual.

São os homens e mulheres individuais que a suas próprias custas deverão usar, individualmente, seu próprio juízo, recursos e indústria para elevar-se a uma condição mais satisfatória.

(BAUMAN, 2001, p.155)

Na modernidade líquida, para a maioria das pessoas, o presente é, na melhor das hipóteses, instável. Aprendemos à nossa própria custa, que os planos, mesmo os mais cuidadosamente elaborados, têm a desagradável tendência de produzirem resultados distantes do esperado. No campo da ciência, saímos da crença determinística de que Deus não joga dados e mergulhamos na ciência atual que pretende pensar uma ordem a partir do acaso, do caos.

Na modernidade sólida, uma das virtudes que fizeram do trabalho um valor foi a sua capacidade de dar forma ao informe. O trabalho era atividade em que se supunha que a humanidade como um todo estava envolvida, um esforço coletivo de que cada membro da espécie humana tinha que participar. Junto a ele, surgiu a ambição de aparelhar e colonizar o futuro.

A modernidade líquida é a derrota da razão pura em nome de uma racionalidade nômade, labiríntica. Nesse mundo labiríntico, o trabalho se divide em episódios isolados como o resto da vida humana. Ele foi retirado do universo da construção da ordem e do controle do futuro e foi lançado na direção do reino do jogo.

O que conta agora são as estratégias, os efeitos imediatos de cada movimento. Cada obstáculo deve ser negociado quando chegar a sua vez. Os caminhos da vida não são mais retas a serem trilhadas.

O trabalho, conforme Bauman (2001), perdeu a sua missão universalmente partilhada, não nos fornece mais um eixo seguro com identidades e projetos de vida. Tornou-se uma atividade estética, que visa a atender, não tanto à vocação ética do criador e produtor, mas as necessidades e desejos do consumidor.

A versão liquefeita do trabalho

Na modernidade leve, a do capitalismo flutuante, ocorre um enfraquecimento dos laços que uniam capital e trabalho. O capital rompeu sua dependência para com o trabalho. Fez-se extraterritorial, leve e desembaraçado de um modo sem precedentes.

Nos dias atuais, a política é um cabo de guerra numa batalha em que os governos e as instituições locais tendem a perder. O capital força o desmantelamento de leis e estatutos restritivos às empresas, força a baixa de impostos, impondo menos regras e acima de tudo um mercado de trabalho flexível.

Tendo se livrado do entulho do maquinário pesado e das enormes equipes de fábrica, o capital viaja leve, apenas com a bagagem de mão, pasta, computador portátil e telefone celular.

(BAUMAN, 2001, p. 173)

O capitalismo se tornou um mestre nas habilidades de fuga, nas estratégias de desvios e numa nova política de desengajamento e descomprometimento com o social. Além disso, como aponta o sociólogo polonês, as principais fontes de lucro, “dos grandes lucros em especial e, portanto, do capital de amanhã, tendem a ser, numa escala sempre em expansão, ideias e não objetos materiais” (BAUMAN, 2001, p. 173).

Os empresários, na modernidade líquida, consideraram a instabilidade como um imperativo, aceitam a desorientação, tomam as novidades como boas e o precário como um valor: o homem do capital quer viver fora do espaço e do tempo.

Há, na modernidade leve, algumas mudanças importantes:

Na administração das empresas, as pessoas passam a ser remotamente controladas.

O acesso à informação converteu-se num direito humano.

A liderança foi substituída pelo espetáculo.

Cultura do entretenimento

O bem-estar na população passou a ser medido pelo acesso às tecnologias da comunicação.

A vida útil das informações tornou-se muito reduzida.

O capitalismo sem o adiamento da satisfação

Bauman (2001) retorna a Max Weber para pensar um adiamento da satisfação. Essa procrastinação teve um papel importante na acumulação do capital e no enraizamento da ética do trabalho. De certo modo, o ainda não caracteriza a vida do homem moderno. É nítido como o autor relê essa questão do adiamento a partir da Psicanálise, em que libido  e Tânatos  competem entre si em cada ato de adiamento. Cada ato de adiamento é a vitória da libido sobre Tânatos.

Libido significa em latim vontade, desejo. É postulada por Freud como substrato da pulsão sexual quanto ao objeto, quanto ao alvo e quanto à fonte de excitações.

Tânatos é o termo grego que significa morte. Foi utilizado por Freud para designar as pulsões de morte, por simetria com Eros, pulsão de vida. Eros e Tânatos constituem um dos dualismos pulsionais na Psicanálise.

O desejo estimula o esforço pela esperança de satisfação, mas o estímulo retém sua força enquanto a satisfação desejada permanecer uma esperança. Todo o poder motivador do desejo é investido em sua realização. No fim, para permanecer vivo, o desejo tem que desejar apenas sua própria sobrevivência.

(BAUMAN, 2001, p.181)

A precariedade é marca da modernidade líquida. As palavras que mais nos definem no capitalismo atual são: falta de garantias, incerteza e insegurança.

O capitalismo leve é o mundo do desemprego estrutural, nele ninguém pode se sentir verdadeiramente seguro. Na falta total de segurança não há mais por que adiar a satisfação imediata, que passa a parecer uma estratégia razoável. O que quer que a vida ofereça é para aqui e agora. O adiamento da satisfação perdeu o seu fascínio.

No capitalismo leve, modas vão e vêm com velocidades cada vez maiores. O que hoje é chique amanhã pode ser ridículo. De certo modo, isso explica o cinismo que marca os homens e mulheres de nosso tempo. Os mecânicos atualmente não consertam, jogam peças fora. Segundo Bauman (2001), na mecânica ou na vida em geral, as peças se tornaram substituíveis. No capitalismo leve tudo pode ser jogado fora e substituído por outro acessório. Tal é a base do cinismo da vida software.

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Mundo líquido

Uma vez derretido o mundo sólido, veio à tona a impossibilidade de controlá-lo ou de restituí-lo ao seu estado anterior. Os fluidos mostraram sua natureza incontrolável, dando vez a um campo aberto imprevisível e permeado por incertezas. Velocidade, fuga e passividade configuram as técnicas que permitem a manutenção das relações de poder, pois a ausência de solidez não demonstra uma perda dessas relações, apenas significa uma reformulação em como se opera na sociedade.

As novas tecnologias de controle são cada vez mais móveis e transitórias. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas e fronteiras. A crescente flexibilização, liberalização e descontrole do mercado financeiro, imobiliário e de trabalho permite o desengajamento do sistema e das revoluções sistêmicas. O projeto revolucionário facilmente perde sua força como massa concisa devido a esse caráter desterritorializado. Bauman (2001, p. 154) cita a afirmação de Guy Debord de que o centro do controle tornou-se oculto e nunca mais será ocupado por um líder conhecido ou uma ideologia clara. Os mecanismos de poder, portanto, encontram-se em redes além do alcance.

Se o tempo das revoluções sistêmicas passou, é porque não há edifícios que alojem as mesas de controle do sistema, que poderiam ser atacados e capturados pelos revolucionários.

(BAUMAN, 2001, p. 12)

Liberdade: libertar-se x sentir-se livre

A desterritorialização é uma das principais características que permeia o século XXI. Para Zygmunt Bauman, a tomada do poder como extraterritorial tornou o tempo como a única dependência humana.

Perda da importância do território, da materialidade, da realidade física, corporal, em diversos níveis sociais: profissional, econômico, político, psíquico/individual etc. 

Hoje, as relações humanas são facilmente mediadas pelo uso de celulares, computadores e televisões. Fixar-se ao solo não é mais tão importante. Através da internet, por exemplo, infinitos mundos podem ser alcançados ─ e abandonados ─ imediatamente, mesmo que não presencialmente.

Nesse sentido, pode-se dizer que as reflexões acerca da liberdade também configuram um dos principais aspectos da obra de Bauman. O capítulo introdutório de Modernidade Líquida é intitulado Emancipação. Nele, o autor retorna à obra de Herbert Marcuse para analisar a compreensão de que a sociedade deveria emancipar-se, buscar uma libertação dos totalitarismos. Entretanto, à medida que a sociedade capitalista cumpre o que promete, mais as pessoas se acomodam e menos se dispõem a agir.

Há uma grande diferença, porém, entre:

Na perspectiva do autor, existe uma distinção entre o que seria a liberdade subjetiva e liberdade objetiva.

Bauman levanta a reflexão sobre o que os seres humanos sentem ser, de fato, uma liberdade genuína ou simplesmente uma liberdade cabível, dentro das possibilidades. Surge também o questionamento acerca dos benefícios e prejuízos da liberdade. A imprevisibilidade da vida traz riscos que podem tornar a ausência de normas, a anomia, como o pior que pode acontecer. “As normas capacitam tanto quanto incapacitam; a anomia anuncia a pura e simples incapacitação.” (BAUMAN, 2001, p. 28).

Que não possui norma; desprovido de lei(s); sem regra(s); anarquia ou desorganização. 

Fonte: Dicionário online de Português.

Consequentemente, se não há mais locais que alojam fisicamente os centros de poder, e esses passam a se constituírem por suas extensas redes imateriais, as amarras sociais, por sua vez, também se tornaram cada vez menos visíveis. Para o sociólogo polonês, a agenda de libertação encontra-se praticamente esgotada e a liberdade possível de se alcançar já foi atingida.

Na primeira metade do século XX, Sigmund Freud lançou sua obra O Mal-Estar na Civilização, que tinha como principal pressuposto discorrer acerca das angústias que permeavam o homem moderno e seu meio social, como as renúncias e sacrifícios pessoais que deveria fazer em nome do ordenamento social e da coletividade. Na civilização, as possibilidades de felicidade são trocadas pela segurança do indivíduo.

Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da psicanálise. Médico de formação, interessou-se pela pesquisa do inconsciente, estudado por vários caminhos: inicialmente, pela hipnose, mas depois com a interpretação dos sonhos, a investigação da histeria nervosa, os atos falhos e até mesmo as piadas (chistes).

O SER HUMANO, PORTANTO, TEM UMA TRAJETÓRIA MARCADA POR RENÚNCIAS FORÇADAS EM NOME DE UM BEM MAIOR, A VIDA EM SOCIEDADE.
E, quanto mais se abre mão de um bem maior, maior é a angústia do ser.

A mensagem freudiana, de acordo com Bauman (1998), é de que se ganha alguma coisa, mas habitualmente perde-se outra. Quanto mais ordem, portanto, maior é o mal-estar na modernidade sólida.

Atualmente, o cenário é o da desregulamentação. No final do século XX, para explicar as mudanças sociais decorridas entre as décadas que permearam o século, Bauman lançou a obra O Mal-Estar na Pós-Modernidade. Segundo o autor, se o mal-estar moderno provinha da rigidez, o mal-estar pós-moderno surge justamente na inconsistência.

Enganou-se quem imaginou que a remoção das celas seria o suficiente para eliminar os problemas. A liberdade também carrega o caos.

Sendo assim, para Bauman, os projetos de vida individuais não encontram terreno estável na contemporaneidade.

O mundo pós-moderno prepara a vida para uma condição de incerteza, homens e mulheres contemporâneos encontram-se em uma vivência permanente de um “problema de identidade não resolvido” (BAUMAN, 2001, p.38). Há uma crise que impossibilita a construção de uma identidade sólida que persista pela vida, o que ocasiona angústia e uma incerteza irredutível.

Ainda sobre a liberdade e a ilusão provocada por tal conceito no mundo contemporâneo, os padrões de comportamento não são mais dados e o indivíduo não é guiado apenas pela imaginação para construir sua identidade e estilo de vida a partir do zero. A construção individual seria subdeterminada, passando por certos grupos de referência. A angústia contemporânea, portanto, parte da ausência de perspectivas dadas e de não conseguir se estabelecer em uma sociedade de incertezas.

Você sabia

Bauman usa o termo cruzadas, remetendo a movimentos armados que buscavam levar a fé e a dominação territorial cristã para a Terra Santa. Apesar de não serem militares, essas novas cruzadas pensadas por Bauman trazem a ideia de movimento de expansão de apenas um tipo cultural.  

Consumo

O mundo líquido é um modo de vida compulsivo, obsessivo, contínuo, irrefreável e sempre insaciável. Ser moderno traz consigo a impossibilidade de parar ou ficar parado. Para Max Weber, a impossibilidade de satisfação é que move o homem, e o nosso horizonte de satisfação se moveria rápido demais.

Que não se consegue refrear ou reprimir.

Fonte: Dicionário online Português.

O consumo excessivo tem como um dos pressupostos fabricar uma sociedade eternamente desejante, que persegue sempre novos anseios.

O indivíduo, entretanto, é capturado por um engodo. Isso porque colapsa a antiga ilusão moderna de que haveria um fim, um destino alcançável no caminho que percorremos, como um estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo ano ou, conforme acreditava-se no século XX, no próximo milênio.

Além da desregulamentação, outra característica da modernidade líquida é a privatização das tarefas modernizantes. As atividades tornaram-se cada vez mais fragmentadas e administradas pelos próprios indivíduos. É nesse contexto também que ocorre a ênfase na autoafirmação do indivíduo, e não na sociedade como um todo.

Bauman estabelece como um dos principais aspectos de sua obra Vida para Consumo (2008) a diferença entre consumismo e consumo.

Consumo

É uma condição e um aspecto irremovível, presente em todos os momentos históricos do ser humano e que tem raízes antigas em diferentes formas de vida.

Consumismo

Caracteriza-se como um atributo da sociedade líquida e surge quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho.

Um dos principais estímulos ao consumo incessante é sair da invisibilidade e destacar-se da massa, produzindo uma espécie de autenticidade e de destaque.

Um dos pressupostos da sociedade de consumo é que o ser humano passa a vender a si mesmo como um produto a ser consumido.

As pessoas são os próprios produtos que devem ser colocados no mercado e, consequentemente, promovidos. A preocupação estética na sociedade líquida surge como resultado dessa demanda e preocupação existencial: por medo de tornarem-se obsoletos, os indivíduos sacrificam-se em rituais de beleza para permanecerem no mercado, sempre prontos para serem consumidos.

Ao longo de sua obra, Zygmunt Bauman faz o uso do termo cunhado por Norbert Elias Sociedade de indivíduos para descrever a essência do arranjo social no qual a individualidade demonstra-se um imperativo universal e a única estratégia de vida. Segundo o autor, a marca registrada da formação contemporânea do ser é a demanda da individualidade como autenticidade e da obtenção de destaque. Entretanto, tal perspectiva está intrinsecamente ligada aos ideais de consumo, influenciado pelas propagandas e por uma espécie de compra de identidade.

Sendo esse o caso, a individualidade é e deverá continuar sendo por muito tempo um privilégio. Um privilégio dentro de cada uma das sociedades, quase autônomas, em que o jogo da autoafirmação é levado à frente por meio da separação entre os consumidores emancipados, plenamente desenvolvidos — lutando para compor e recompor suas individualidades singulares a partir das edições limitadas dos últimos modelos da alta-costura —, e a massa sem rosto dos que estão presos e fixos a uma identidade sem escolha, atribuída ou imposta, sem perguntas, mas em todo caso superdeterminada. (BAUMAN, 2007, p.39)

Em relação à venda de si mesmo como produto, Bauman (2008) cita Eugène Enriquez, e o esfacelamento dos limites entre o público e o privado, sobretudo em uma sociedade mediada pela informação a todo o momento na internet. Números de likes, de views, de compartilhamentos, amigos, fãs viram uma nova métrica e um novo valor nesse consumo de indivíduos por indivíduos.

Quanto maior a exposição, melhor para o destaque do indivíduo e sua venda como mercadoria a ser consumida nas redes.

Conforme Enriquez (2004 apud BAUMAN, 2008), aqueles que zelam por sua invisibilidade tendem a ser rejeitados, colocados de lado ou considerados suspeitos de um crime. A nudez física, social e psíquica está na ordem do dia.

Amor líquido

Todas essas questões fazem parte de como grande parte das relações são encaradas na época da modernidade líquida que Bauman chama de amor líquido. Vamos conhecer um pouco mais sobre esse termo.

Para o sociólogo, na simbologia contemporânea, as pessoas não se relacionam mais: elas se conectam.

Surgem cada vez mais o que ele chama de relacionamentos de bolso, nos quais o indivíduo pode dispor do outro sempre que necessário e depois tornar a guardá-lo em sua lista de contatos. Os relacionamentos abertos são outro aspecto do amor líquido, também cada vez mais comuns. Casais de longo prazo permitem a quebra do contrato conjunto de fidelidade para a experimentação extraconjugal. O compromisso em longo prazo é considerado como um esforço e uma armadilha, pois ao se comprometer é necessário levar em conta que possibilidades românticas talvez mais satisfatórias e completas podem estar sendo desconsideradas.

Numa vida guiada pelo preceito de flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo.

(BAUMAN, 2001, p. 158)

As relações virtuais, portanto, rebatizadas de conexões, possuem a vantagem de serem facilmente deletadas. A definição romântica de até que a morte nos separe está fora de moda; e, ao invés de haver mais pessoas atingindo os elevados padrões do amor, esses padrões foram rebaixados. Se surgem problemas em um relacionamento, frequentemente acredita-se que o próximo relacionamento será uma experiência melhor que a anterior.

Há, também, a grande distinção entre o desejo e o amor, sobretudo em uma sociedade que estimula a todo custo o desejo.

Desejo

É a vontade de consumir o objeto

Amor

É a vontade de cuidar e preservar o objeto.

Na concepção de Bauman (2011), ambos se encontram em campos opostos, considerando-se o amor como algo projetado para a eternidade, enquanto o desejo acaba com sua satisfação.

Bauman utiliza como exemplo as conclusões do psicoterapeuta Phillip Hodson acerca da cultura da gratificação instantânea para definir os aspectos do desejo e satisfação. Segundo ele, na contemporaneidade, as pessoas podem eletronicamente se relacionar em uma só noite com mais gente do que seus pais teriam se relacionado por toda vida. Entretanto, a satisfação obtida diminui a cada nova dose da droga, pois ganha-se em quantidade e perde-se em qualidade. O sociólogo alemão Georg Simmel já teorizava que a medida de valor das coisas constitui-se a partir do sacrifício necessário para obtê-las.

Georg Simmel (1858-1918) foi um dos pais da Sociologia e precursor de muitos dos temas que seriam tratados por essa ciência mais tarde, tais como a relação indivíduo-sociedade, relações de trabalho e econômicas, conflitos e cooperação, subordinação, urbanidade e muitos outros.  

Um número maior de pessoas pode fazer sexo com maior frequência. Porém, paralelamente a isso, cresce o número dos que vivem sozinhos, se sentem solitários e sofrem de agudos sentimentos de abandono.

(BAUMAN, 2011).

Neste vídeo, iremos ver como os relacionamentos mudaram com a modernidade líquida.

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Bauman no Brasil

Ao pensar e analisar a Modernidade, Zygmunt Bauman tocou em vários temas que interessam a maior parte das sociedades ocidentais, como o trabalho, a desigualdade, o individualismo, as relações humanas de maneira geral, o consumismo, a ética, a urbanidade, a vigilância, o medo e a educação. Para falar a respeito desse último ponto, Bauman esteve no Brasil em 2015 em uma palestra.

Muitas de suas reflexões se fizeram importantes para pensar a sociedade brasileira. Com uma obra extensa, Bauman teve mais de 40 títulos publicados no país, desde 1970, alcançando centenas de milhares de leitores. Mas algumas de suas reflexões influenciaram particularmente a academia e os intelectuais brasileiros.

Em Joinville -SC, por exemplo, funciona o Núcleo de Estudos sobre Bauman (NESB-CNPq), coordenado pelo doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP João Nicodemos Martins Manfio, que se dedica a estudar a obra do autor polonês.

A Universidade Federal do Maranhão publica a revista multidisciplinar Cadernos Zygmunt Bauman, com estudos sobre o autor e artigos sobre as temáticas trabalhadas por ele.

Entre alguns dos tópicos mais recorrentes estudados no Brasil estão os novos arranjos sociais e familiares, os novos métodos de ensino e educação, estudos culturais e a ressignificação do papel do feminino no mundo líquido.

Rotinas milenares, sobretudo os ritos didáticos repetitivos e códigos disciplinares contribuíram, segundo Manfio (2017), para o envelhecimento da escola e a consequente perda de um sistema rígido. Bauman, em uma entrevista concedida em 2009 a Porcheddu, cita a privatização e a individualização dos processos de ensino e aprendizagem como uma das características que permeiam a liquidez no mundo educacional contemporâneo.

Além disso, ocorre, segundo ele, uma mudança na relação entre professor e aluno, que passa a ser encarada como fornecedor-cliente ou até mesmo centro comercial-comprador.

Em seu livro Sobre educação e juventude (2013), ele fala sobre inclusão escolar, criatividade, desemprego e ainda sobre a busca de uma verdadeira revolução cultural, além de atacar os meios de comunicação de massa afirmando que despejam sobre os jovens material de má qualidade. Esses também foram pontos da palestra proferida no Brasil e das entrevistas que concedeu quando estava no país. Uma das ideias que defendeu foi a de que a educação não servisse como meio de manutenção e reprodução de privilégios sociais.

Outra das principais transformações da sociedade contemporânea e que se encontra no cerne das discussões sobre ensino na contemporaneidade é a questão da Educação a Distância (EaD). Barônio (2015), em Educação a distância na modernidade líquida: uma análise descritiva, disserta a respeito dos novos aspectos educacionais, marcados pelo enxugamento de custos estatais, desconfinamento das populações, predominância do mercado educacional e liquefação dos vínculos afetivos e pessoais.

Comentário

No caso educacional, o desconfinamento significa que não é mais necessário, em alguns casos, sequer desejável, a presença e a centralização em unidades físicas educacionais. 

Tendo como pressuposto o neoliberalismo como um movimento político-econômico que preza o desaparelhamento do Estado  e o desmanche de instituições da chamada modernidade sólida, os aspectos educacionais não permaneceram imunes às estratégias contemporâneas de inovações tecnológicas para atingir o mercado.

Você sabia

Desaparelhamento do Estado é a diminuição do aparato estatal, sobretudo em número de funcionários públicos. A política neoliberal associa o aparelhamento ao uso de cargos públicos em benefício próprio ou a um peso na administração pública. Mas para prestar um serviço público de qualidade são necessários setores e pessoas trabalhando para isso. A discussão resgata a ideia de Estado mínimo X presença do Estado no cuidado da sociedade.

No panorama ainda mais atual, pandêmico ou pós-pandêmico, a partir de 2020, as práticas de EaD têm tomado um espaço cada vez maior na sociedade e as discussões acerca do assunto e da acentuação da desigualdade de oportunidade de acesso aos alunos a tal método de ensino é um dos compromissos que as políticas educacionais deveriam assumir.

Com a pandemia de coronavírus, jornalistas, pesquisadores e a esfera pública de maneira geral começaram a usar os termos pandêmico e pós-pandêmico para analisar as novas situações (sociais, econômicas, laborais, educacionais etc.) que daí emergiram. 

Sobre o feminino

Em uma publicação acerca da identidade feminina na modernidade líquida, Santaella (2008) disserta sobre a incorporação do feminino no mundo do comércio — sobretudo nos aspectos inerentes à imprensa — e o papel que a exposição das mulheres tem na construção de uma identidade feminina que preza pelo narcisismo, sensualidade e perfeição. Como visto, Bauman, em Vida para Consumo (2008), defende que para além do próprio consumo praticado pelo ser em si, as pessoas são os próprios produtos que devem ser colocados no mercado e, consequentemente, promovidos.

A preocupação estética na sociedade surge como resultado dessa demanda e preocupação existencial: por medo de tornar-se obsoleto, os indivíduos sacrificam-se aos rituais de beleza para permanecerem no mercado, sempre prontos para serem consumidos, pois, para a sociedade de consumidores, segundo Bauman (2008), ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria. Mercadoria essa, que seja vendável.

Santaella (2008) afirma que, no atual contexto, cada mulher fica responsável pela imagem interior e exterior que constrói de si mesma, uma afirmação que faz eco ao pensamento de Bauman de que a modernidade líquida coloca nas mãos dos indivíduos a solução para problemas sociais, o que só reforça o individualismo, ao mesmo tempo em que o problema é fomentado por ele. A situação se combina com outra característica da modernidade líquida, explorada por Souza, Baliscei e Teruya (2015), o discurso da publicidade.

Nele, a aparência ideal pode se concretizar através de mecanismos como cirurgias estéticas, dietas, treinos em academia, tratamentos artificiais, moda e cosméticos, aperfeiçoando-se conforme as demandas do mercado de consumo.

Sobre os arranjos sociais e familiares

A ênfase no individualismo, mesmo quando o assunto é família, é tema do estudo de Eduardo Bittar (2007). Ele indica como o indivíduo desponta em detrimento da unidade familiar, numa nova alteração das estruturas na modernidade líquida, nesse caso.

Os laços se afrouxaram e houve uma degradação interior na coesão familiar. A realização individual ganhou um papel de maior relevância do que os objetivos do coletivo.

A perda da comunidade, citada por Bauman em sua obra Modernidade Líquida (2001), pode ser refletida na esfera micro, afinal, também o núcleo do lar passou por um processo de liquefação.

Bittar (2007) defende que o capitalismo contemporâneo não tem mais como pressuposto voltar para casa, mas, sim, partir para o mundo. Tal característica pode ser concebida como um dos reflexos da desterritorialização. A estética do lar não condiz mais com o aspecto globalizado do mundo líquido, inserido em uma lógica emancipada de espaços. Assim como os relacionamentos de bolso, descritos por Bauman, há uma tendência para a transformação da família em uma instituição informal.

O autor relata algumas mudanças na perspectiva familiar acerca do casamento. Para ele, há uma cronologia esquematizada por:

Citando Antoine Prost, o teórico afirma que a família deixou de ser uma instituição para “se tornar um simples ponto de encontro das vidas privadas” (BITTAR, 2007, p.599). O lar perdeu seu significado de aconchego e tornou-se uma rota de passagem.

A emancipação das mulheres do lar, o questionamento das relações de gênero e a perda da autonomia da figura paterna são alguns dos aspectos preponderantes para o esfacelamento das relações familiares em sua forma clássica da modernidade sólida.

Entretanto, o desejo de construir uma família ainda é almejado socialmente como status ou até mesmo sinônimo de sucesso de vida, como se designasse algum suposto bem-estar moral ou social.

Tal fator pode ser exemplificado pelo conceito de Bauman (inicialmente utilizado por Ulrich Beck) de instituições zumbi, como uma categoria cujos efeitos ainda reverberam socialmente, mesmo que tenha perdido a vitalidade e força de outrora.

A liquefação da unidade familiar acaba também por provocar um fenômeno de terceirização de responsabilidades no que diz respeito à criação dos indivíduos. Conforme descrito por Bittar (2007), o casal acredita que a babá está criando, a babá acredita que a escola está criando, e a escola acredita que a família está criando. A consequência é o jogo de empurra-empurra que, se relacionado às práticas educacionais cada vez mais individualizadoras, acarreta uma crise de referências palpáveis do indivíduo, que se volta para a cultura do entretenimento de massa para encontrar os ideais aos quais seguir e levar como modelo de conduta.  

Veja a análise de dois aspectos da liquidez na sociedade brasileira contemporânea.

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Considerações finais

Conhecemos alguns dos principais mecanismos de funcionamento da chamada modernidade líquida, um conceito capaz de abarcar com propriedade uma imensa gama de assuntos: relações humanas, relações de trabalho, relações político-econômicas, relações espaço-temporais, modelos políticos, escolhas (pessoais e comunitárias), liberdade, identidade, vigilância, segurança, consumo, educação, cidadania etc. Grande parte da realidade contemporânea pode ser pensada a partir desse conceito e das reflexões associadas e que se desdobram dele.

De inspiração marxista, Zygmunt Bauman parte de um olhar sobre a realidade do trabalho no mundo sólido e no mundo líquido, para investigar diversos aspectos da chamada pós-modernidade que, para o autor, não teria nada de pós, por não romper, apenas alterar os caminhos dos modelos anteriores. Para Bauman, o funcionamento do mundo capitalista passa por um refinamento, mas as estruturas de poder se mantêm. Nessa passagem, o indivíduo precisa de uma nova consciência para não se descobrir numa situação angustiante e insatisfatória.

Podcast

CONQUISTAS

Compreendeu os conceitos da modernidade líquida e da modernidade sólida.

Reconheceu os mecanismos do processo de individualização.

Identificou influências de Zygmunt Bauman em autores brasileiros.