Descrição
Principais bactérias de importância clínica e métodos de diagnóstico laboratorial para infecções bacterianas do trato respiratório e trato urinário.
PROPÓSITO
Conhecer as espécies bacterianas que são importantes causadoras de infecções em humanos e os métodos usados para seu diagnóstico a fim de que o profissional tenha domínio de suas atividades exercidas no laboratório clínico, sendo capaz de realizá-la com segurança e qualidade.
OBJETIVOS
Módulo 1
Reconhecer as principais espécies de bactérias causadoras de infecções em humanos e suas características
Módulo 2
Descrever os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato respiratório
Módulo 3
Descrever os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato urinário
Introdução
As bactérias formam um grupo de microrganismos muito diverso. Dentro desse domínio, encontramos espécies que estão adaptadas a diferentes ambientes, desde geleiras da Antártida até o nosso próprio corpo. A grande maioria das bactérias que habitam o corpo humano estão em equilíbrio e, muitas vezes, trazem benéficios para nossa saúde, fazendo parte do que chamamos de microbiota normal. No entanto, existem também aquelas que podem causar doenças (bactérias patogênicas) e, por isso, a presença dessas espécies deve ser identificada.
Uma vez que a espécie responsável por uma doença é determinada, o tratamento pode ser realizado de forma direcionada, e as chances de cura aumentam muito! Por isso, vamos começar agora o nosso estudo sobre métodos laboratoriais de diagnóstico para bactérias de importância clínica. Esses métodos têm como objetivo principal determinar a espécie bacteriana encontrada em materiais obtidos de pacientes, como escarro, sangue e urina.
Agora falaremos um pouco sobre as características marcantes das espécies patogênicas aos seres humanos e entraremos em detalhes sobre os métodos de diagnóstico de infecções bacterianas do trato respiratório e urinário. Os métodos de diagnóstico laboratorial são baseados nas particularidades de cada espécie e, por isso, é tão importante relacionar esses temas.
MÓDULO 1
Reconhecer as principais espécies de bactérias causadoras de infecções em humanos e suas características
Principais bactérias de importância clínica
As espécies de bactérias possuem muitas diferenças entre si, mas destacaremos nesta introdução aquelas que dizem respeito ao formato da célula, a cor que apresentam após a coloração de Gram, a necessidade de oxigênio e o fato de formarem ou não esporos. Essas e outras informações são muito valiosas, pois são como uma peça no quebra-cabeças, que, ao final do processo, vão nos mostrar qual é a espécie responsável pela infecção.
As bactérias são seres unicelulares, e o formato de suas células é característico de cada espécie. As instruções para a forma da célula estão guardadas no cromossomo bacteriano, e assim bactérias “filhas” herdam essa informação da bactéria que lhe deu origem. Portanto, saber a forma da célula de uma bactéria é uma grande dica para descobrir com qual espécie estamos lidando. Existem alguns formatos possíveis, como cocos, bacilos e espirais.
A coloração de Gram nos permite definir uma cor e evidencia a forma para a maioria das espécies de bactéria. A técnica diferencia esses microrganismos de acordo com a porção mais externa da célula: uma camada espessa de peptideoglicano ou uma membrana de fosfolipídeos.
As que têm o peptiodeoglicano na parte externa se coram de roxo pelo corante cristal violeta, e mantém essa cor até o final do método. Por isso, são chamadas de Gram-positivas. Já as que possuem uma membrana externa de fosfolipídeos, perdem a cor roxa em uma etapa do método e depois são “recoradas” em vermelho, sendo chamadas Gram-negativas.
Além disso, quando as células são coradas, podemos identificar como elas se organizam, e, se coloração de Gram for feita diretamente no material clínico, é possível a identificação de leucócitos e outros tipos celulares úteis no diagnóstico.
Em relação à utilização do oxigênio, algumas espécies bacterianas usam essa molécula para produzir energia, outras podem ou não utilizar, e ainda existem aquelas que nunca usam o oxigênio. Baseado nisso, podemos chamar as bactérias de aeróbicas, facultativa ou anaeróbicas, respectivamente.
Para algumas bactérias anaeróbicas o oxigênio é tóxico e, por isso, elas se transformam em esporo quando entram em contato com ele. Também chamado de endósporo, essa estrutura é uma forma de vida que a célula bacteriana assume permitindo sua sobrevivência em condições inapropriadas para vida.
Depois de falar sobre as características bacterianas principais, precisamos pontuar o que é um meio de cultura. Ele é um ambiente que proporciona condições ideais para o crescimento de bactérias. Se o meio de cultura tiver consistência sólida, após um determinado período, nós conseguimos visualizar colônias.
O ágar adicionado em meios de cultura sólidos é aquele mesmo da gelatina, que pode ser comprado em lojas de alimentos. Cada colônia é um aglomerado visível de milhões de células bacterianas.
A temperatura para o crescimento em meio de cultura de bactérias que causam infeções em seres humanos é quase sempre próxima de 36°C, já que essa é a nossa temperatura média corporal. Por isso, quando queremos obter o crescimento de bactérias em laboratório, costumamos deixar o meio de cultura dentro de estufas com temperaturas entre 35 e 37°C.
As bactérias de interesse clínico diferem sobre outras condições de crescimento, como necessidade e utilização de nutrientes. Então, vamos falar de vários tipos de meio de cultura ao longo da nossa conversa e algumas variações na condição de cultivo desses microrganismos.
Pronto! Agora, podemos entrar no mundo das principais bactérias agentes de doenças em seres humanos.
Cocos gram-positivos e gram-negativos
Bactérias chamadas de cocos apresentam células redondas se observadas ao microscópio. Os cocos costumam se organizar em arranjos característicos, e isso pode ser usado para sua identificação laboratorial. Esses arranjos acontecem, pois, após a divisão, as células ainda continuam bem próximas.
Quando a bactéria em forma de coco se divide para formar novas bactérias (“filhas”), o formato redondo da célula possibilita que a divisão seja feita em diferentes direções, chamados de planos de divisão.
Quando a divisão acontece em apenas um plano, os cocos podem ser organizar em fileira ou em duplas e, quando ocorre em várias direções, a organização fica mais complexa, originando, por exemplo, cachos de células bacterianas. Dois gêneros muito conhecidos de cocos são os Staphylococcus e os Streptococcus, que possuem células organizadas em cachos e fileiras, respectivamente.
Staphylococcus é um gênero de bactérias gram-positivas. No laboratório, crescem bem em diferentes tipos de meios de cultura, com concentração normal a baixa de oxigênio. Eles são capazes de fermentar carboidratos e, consequentemente, liberar substâncias ácidas, o que pode mudar o pH do meio de cultura onde essa bactéria foi semeada. Uma característica importante das espécies desse gênero é que elas produzem a enzima catalase, que decompõe o peróxido de hidrogênio, liberando água e gás oxigênio.
Provavelmente, você já limpou algum ferimento com água oxigenada e viu o surgimento de bolhas, essa é uma reação típica produzida pela catalase.
A espécie Staphylococcus aureus é um patógeno humano muito comum, causando desde pequenas infecções de pele até síndromes tóxicas mais perigosas. Observadas em cultura, suas colônias têm cor amarela característica, daí o nome da espécie “aureus”, que remete ao ouro. Elas podem crescer em ambientes com concentração de sal mais elevada e, por isso, se desenvolvem bem na nossa pele, mesmo o suor sendo “salgado”. S. aureus também produz o fator de agregação (chamado de fator clumping) e a enzima coagulase, que levam á coagulação sanguínea. O teste da coagulase é muito útil na identificação de S. aureus.
Você sabia
Essa espécie pode produz importantes toxinas como a leucocidina de Panton-Valentine, toxina esfoliativa e a toxina da síndrome do choque tóxico, que contribuem para os quadros mais graves de infecção.
As espécies de Staphylococcus coagulase negativas são comuns na nossa microbiota normal e, em algumas situações específicas, podem causar doenças, como infecções associadas a cateteres em pessoas com sistema imunológico enfraquecido. Esse grupo inclui diferentes espécies, mas é comum nos referimos a elas em conjunto, usando para isso a característica que as diferencia do S. aureus (não produzir a enzima coagulase).
Streptococcus é um outro gênero de cocos gram-positivos que utilizam o oxigênio de forma facultativa. São considerados fastidiosos, pois precisam de nutrientes adicionais no meio de cultura, como a adição de sangue. Ao contrário dos Staphylococcus, não produzem a enzima catalase. Muitas espécies desse grupo são capazes de produzir enzimas que destroem hemácias (hemolisinas). A atividade dessas enzimas varia entre destruição parcial e destruição completa das hemácias quando testadas em laboratório.
É comum separar os Streptococcus em grupos para facilitar o estudo desse gênero. Essa separação pode se basear, tanto no tipo de hemólise que é produzida, quanto pela presença de determinados açúcares na parede celular de espécies do gênero. A classificação dos Streptococcus usando como critério os açúcares da parede celular deu origem aos grupos de Lancefield (usamos letras para nomear cada grupo).
De particular importância por causar doenças em humanos, podemos citar as espécies Streptococcus pyogenes (associados a infecções invasivas como erisipela), Streptococcus agalactiae (importantes agentes de infecções em recém-nascidos) e Streptococcus pneumoniae (agentes de pneumonia bacteriana). Para diferenciar essas espécies no laboratório, podemos usar meio de cultura suplementado com sangue.
O sangue torna o meio mais nutritivo e permite identificar quando a bactéria gera hemólise (lise/ruptura das hemácias). Sobre S. pneumoniae vale destacar que os pneumococos (como também são chamados) costumam se organizar em pares quando observados ao microscópio e que podem possuir cápsula. Essa cápsula pode ser formada por diferentes tipos de polissacarídeos, sendo essa constituição usada na classificação da espécie.
Diferenciação laboratorial de bactérias de importância médica do gênero Streptococcus
Bactérias do gênero Enterococcus também são gram-positivas e não produzem a enzima catalase, assim como os Streptococcus. Destacam-se por crescer em ampla variação de temperatura (10 a 45°C) e tolerar concentrações de sal um pouco elevadas. Enterococcus faecalis é o principal enterococo causador de infecções humanas, seguido de longe pela espécie Enterococcus faecium. Essas espécies são mais comuns como causa de infecções em pacientes internados em hospitais, causando o que chamamos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS).
Dentre as bactérias gram-negativas em forma de cocos que causam importantes infecções em humanos, devemos citar, principalmente, o gênero Neisseria. Esse gênero inclui as espécies Neisseria gonorrhoeae (responsável pela gonorreia) e Neisseria meningitidis (agente de meningite bacteriana). Usando o microscópio óptico, observamos que essas espécies, geralmente, se organizam aos pares, e é comum usarmos os nomes gonococo e meningococo para referimo-nos a elas.
No laboratório, N. gonorrhoeae e N. meningitidis exigem determinados tipos de nutrientes para crescer, por isso, as cultivamos em meios de cultura enriquecidos (“ricos”) desses fatores de crescimento. O tempo para visualizarmos as colônias é um pouco maior que o normal (48 horas) e, mesmo sendo aeróbicas, é necessário que o ambiente tenha 5% de CO2 (conseguimos isso colocando as placas de meio de culturas em garrafas apropriadas).
Bacilos gram-positivos e gram-negativos
Se observarmos ao microscópio uma lâmina contendo bactérias conhecidas como bacilos veremos células na forma de bastão, também chamados de bastonetes. Após a divisão da célula, que acontece apenas no plano vertical, elas se separam e, por isso, não é comum encontrar organizações celulares típicas como falamos para os cocos (cachos, fileiras ou pares). Os bacilos gram-negativos são mais comumente identificados em laboratório como agentes de infecções humanas quando comparados aos bacilos gram-positivos, portanto, vamos começar por eles.
Vamos separar os bacilos gram-negativos (BGN) patogênicos em grupos para facilitar a nossa compreensão da diversidade e importância clínica desses microrganismos.
Primeiro, vamos conhecer o grupo das enterobactérias e o dos BGN não fermentadores:
As enterobactérias vivem no nosso intestino, e algumas podem causar infecções. Costumamos diferenciar esse grupo dos BGN não fermentadores pelo fato de serem capazes de fermentar carboidratos. Isso é importante no laboratório, pois a fermentação produz ácido, esse ácido modifica o pH do meio de cultura, e podemos detectar essa mudança usando meios com corantes indicadores de pH.
Na imagem, esse meio possui o açúcar lactose na sua composição, e permite diferenciar entre espécies que fermentam esse açúcar (a cor do meio fica rosa), e aquelas que não fermentam a lactose (a cor do meio fica amarelada ou bege).
De modo geral, os BGNs não exigem nutrientes específicos para seu crescimento, por isso, podem ser cultivadas em diferentes meios de cultura.
Os BGN não fermentadores só crescem em ambiente com oxigênio, pois realizam apenas a respiração aeróbica. Ao contrário das enterobactérias, não são comuns na nossa microbiota normal, mas são amplamente distribuídas no ambiente. Os principais patógenos humanos desse grupo são as espécies Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii, causando infecções em pacientes hospitalares. Uma característica marcante e bastante conhecida de P. aeruginosa é que suas colônias costumam ter uma cor esverdeada devido a produção de pigmentos próprios. Já os A. baumannii destacam-se pela aparência de cocobacilos, ou seja, quando olhamos suas células no microscópio, observamos bacilos bem curtos, “achatados”.
No grupo dos BGNs que não são enterobactérias, mas causam infecções gastrointestinais, devemos lembrar do Vibrio cholerae. Sua célula possui formato de vírgula e, por esse motivo, também é conhecida como vibrião colérico.
Essa bactéria é gram-negativa, e o lipopolissacarídeo “O” da sua membrana externa possui muitas variações, sendo usado para nomear grupos específicos dentro dessa espécie. Apenas alguns desses grupos são capazes de provocar a cólera.
Isso acontece por conta da produção de uma toxina, que provoca diarreia profusa, com grande perda de água durante a evacuação. V. cholerae suporta concentrações elevadas de sal no ambiente, e costuma crescer rapidamente em meios de cultura ricos em nutrientes.
Ainda dentro desse grupo, é importante citar a espécie Campylobacter jejuni, que também possui célula curva ou em forma de vírgula. Essa bactéria é comum na microbiota do intestino de animais, e causa infecções intestinais em seres humanos após ingestão de alimentos mal cozidos e água contaminada. Para diagnosticar a presença dessa bactéria no nosso intestino, basta cultivar fezes em meio de cultura apropriado, em um ambiente com 5 a 10% de oxigênio e, portanto, são considerados microaerófilos.
Por último, vamos falar de BGN com células bem pequenas. Dentre eles, a espécie Bordetella pertussis é importante como agente da coqueluche, uma infecção respiratória conhecida também como tosse comprida. O diagnóstico dessa doença é feito, principalmente, com base nos sinais clínicos do paciente. O crescimento da B. pertussis é lento, então, a placa de meio de cultura deve ser mantida por até sete dias. Em caso de resultados positivos, podemos coletar uma parte da colônia e visualizar ao microscópio pequenos bastonetes gram-negativos.
Uma espécie bem parecida com a B. pertussis é o Haemophilus influenzae. Também se trata de um pequeno bastonete gram-negativo que exige nutrientes específicos para o seu crescimento, mas as colônias são vistas depois de um tempo padrão de 24 horas. Essa bactéria faz parte da nossa microbiota normal do trato respiratório superior, mas pode causar infecções respiratórias, como faringite e pneumonias e, nos piores casos, meningites. A presença de uma cápsula de polissacarídeos (açúcares) envolvendo a célula dessa espécie é usada para definir os “tipos” de H. influenzae, por exemplo, o H. influenzae tipo b, para qual já existe vacina disponível.
Bacilos gram-positivos que causam doenças em humanos podem ser separados entre os que formam e o os que não formam esporos. Dentre os formadores de esporos, destacam-se as espécies do gênero Clostridium, como Clostridium botulinum (agente do botulismo), Clostridium tetani (responsável pelo tétano) e Clostridium perfringens (causa infecções invasivas como a gangrena gasosa).
Essas espécies são caracterizadas por produzir toxinas potentes que causam sintomas sérios, como a toxina botulínica que leva a incapacidade de contração da musculatura do pulmão. Essa toxina é produzida pela espécie C. botulinum, que pode se desenvolver em alimentos bem vedados, como as conservas vegetais artesanais.
Bactérias do gênero Clostridium são desenvolvidas em ambientes vedados, pois não usam oxigênio na produção de energia, sendo chamadas de anaeróbicas. Para cultivar essas bactérias, você precisa garantir que o meio de cultura seja mantido em recipientes que impeçam a entrada de oxigênio. A cultura não costuma ser necessária para o diagnóstico das doenças causadas por esses microrganismos, pois ele costuma se basear no quadro clínico e no histórico do paciente (botulismo e tétano), ou ainda no exame direto da amostra ao microscópio (C. perfringens).
Um importante patógeno humano deve ser citado entre os bacilos gram-positivos não formadores de esporos: Corynebacterium diphtheriae. Essa bactéria é o agente da difteria, grave doença respiratória provocada pela toxina produzida por esse microrganismo. O formato celular dessa espécie chama atenção: depois de corada, observamos um inchaço em uma das extremidades da célula, além de grânulos escuros que se distribuem ao longo do bacilo. Esse inchaço pode estar presente nas duas extremidades e, às vezes, não ser visível, por isso, C. diphtheriae é uma das poucas espécies bacterianas pleomórficas, com formato celular variável.
Atenção
O diagnóstico da difteria é feito baseado nos sinais clínicos característicos do paciente para que logo se inicie o tratamento. Porém, cultivamos a amostra clínica em meio de cultura seletivo e testamos se a bactéria produz toxina para que fique registrado e confirmado ocorrência dessa doença. Esse registro é importante, pois já existe vacina contra a difteria, e não é comum sua ocorrência.
Espiroquetídeos
O próximo grupo de bactérias que vamos discutir apresenta uma aparência “diferenciada”. Espiroquetas são bactérias com a célula longa e fina em formato espiral. Elas apresentam estrutura celular incomum, que está super relacionada a sua intensa movimentação em ambientes aquosos.
Na parte externa, existe uma bainha de glicosaminoglicana, seguida logo abaixo por camadas de membranas semelhante ao que vemos em bactérias gram-negativas. Saindo das extremidades da célula e fazendo um espiral em torno dela encontramos feixes de fibrila, que recebem o nome de endoflagelos, estruturas que garantem a movimentação típica em torno do próprio eixo, que lembra um saca-rolhas.
As principais espécies desse grupo que são agentes de doenças em humanos são Treponema pallidum (responsável pela sífilis) e Leptospira interrogans (agente da leptospirose).
A célula do Treponema pallidum se assemelha a uma mola. O agente da sífilis, uma doença sexualmente transmissível, é uma bactéria que não pode ser cultivada em meios de cultura. Sendo assim, as técnicas de diagnóstico envolvem examinar diretamente o material clínico usando um microscópio. A coloração usada é própria, que deixa os finos espirais mais espessos ou marcados com fluorescência, para facilitar a observação.
Atenção
A sífilis é uma doença com vários estágios, e os testes microscópicos são usados principalmente na fase primária da doença. Depois dessa fase, o diagnóstico é feito através da utilização de anticorpos fabricados em laboratório para detectar alvos específicos da bactéria no sangue da pessoa doente.
Além da sífilis, outra patologia causada por bactérias do grupo das espiroquetas é a leptospirose. Essa doença é considerada uma zoonose, ou seja, animais contaminados por bactérias dessa espécie, como a Leptospira interrogans, podem transmiti-la para seres humanos. A L. interrogans possui uma célula fina e “ondulada”, com as extremidades formando uma espécie de gancho, lembrando um símbolo de interrogação (por isso interrogans).
O crescimento da bactéria pode ser verificado em meio de cultura com a consistência semissólida em presença de oxigênio, mas pode demorar até oito semanas. O método mais usado para diagnóstico é identificar a infecção através da detecção de anticorpos específicos contra L. interrogans no soro da pessoa doente. Diferentes anticorpos podem ser observados, dependendo do tipo de lipopolissacarídeo (LPS) que a leptospira possui na sua bainha externa.
Outras bactérias
As bactérias que apresentam características distintas das espécies que já falamos até aqui merecem um tópico a parte. Uma delas são bactérias com parede celular atípica e não podem ser diferenciadas por Gram e, por isso, não se enquadram como gram-positivos ou gram-negativos. Esse é o caso das micobactérias, conhecidas como agente etiológico de doenças importantes, como a espécie Mycobacterium tuberculosis que é responsável pela tuberculose.
Na parte externa de bactérias do gênero Mycobacterium, encontramos uma extensa camada de ácido micólico, um tipo de lipídeo com pouquíssima afinidade pela água (hidrofóbico).
Recomendação
Essa propriedade dificulta a penetração de muitos corantes aquosos na célula, incluindo aqueles usados na coloração de Gram. Com isso, temos que usar um corante com adição de fenol e ainda é necessário aquecer a lâmina para aumentar a sua penetração. Uma vez dentro da célula, o corante não consegue ser retirado nem mesmo se a célula for exposta a uma solução álcool-ácida.
Essa estratégia de coloração é chamada de técnica de Ziehl-Neelsen. Levando em conta as características de coloração e o formato de bacilo, é comum nos referirmos às micobactérias, como bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR).
O principal agente da tuberculose é a espécie Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como Bacilo de Koch (BK). Um grupo de diferentes espécies de bactéria forma o complexo Mycobacterium tuberculosis. Além da M. tuberculosis, esse grupo inclui M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. Essas outras espécies devem ser consideradas, principalmente, se estamos lidando com pacientes imunodeficientes.
A tuberculose é um importante problema de saúde pública no Brasil, e as técnicas de diagnóstico vem evoluindo para contribuir com a melhora desse cenário, pela detecção de indivíduos que são fontes de infecção e do tratamento adequado.
Outro grupo atípico inclui bactérias que são parasitas intracelulares obrigatórias, ou seja, só sobrevivem dentro da célula do seu hospedeiro. A espécie Chlamydia trachomatis é uma delas, responsável por causar doenças como tracoma, uretrite, cervicite e pneumonia infantil. Dentro das células humanas infectadas, essa bactéria produz inclusões citoplasmáticas compactas, que, após coloração de Giemsa, são observadas como bolinhas bem coradas no citoplasma da célula.
Para o diagnóstico, podemos verificar essas inclusões pela análise do material clínico ao microscópio, ou ainda, a detecção de anticorpos específicos contra a C. trachomatis, que são desenvolvidos pelo sistema imune do doente.
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MÓDULO 2
Descrever os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato respiratório
Introdução
O nosso trato respiratório está em constante contato com o meio externo e, por isso, é alvo de infecções por diferentes microrganismos, principalmente, vírus e bactérias. A frequência dessas infecções é reduzida por conta das nossas defesas naturais, como cílios, muco, sistema imunológico e bactérias da microbiota normal. O muco retém partículas de poeira e microrganismos, que depois são “empurrados” pelos cílios em direção à boca. O nosso sistema imune nos defende pela ação de macrófagos teciduais e anticorpos de mucosa, entre outras estratégias. Já a microbiota tem o papel principal de competir por espaço e alimento com microrganismos que podem causar doenças, impedindo que os “vilões” se sobressaiam.
Os microrganismos da microbiota são comumente encontrados no nosso trato respiratório superior, mas pouco frequentes na porção inferior desse sistema. O trato respiratório superior é composto por nariz, faringe e estruturas associadas, como orelha média e tubas auditivas. A parte inferior conta com a traqueia e o pulmão, esse último formado por brônquios, alvéolos e tecido pulmonar envolvidos pela membrana pleural.
Você sabia
As infecções do trato respiratório superior costumam ser mais brandas, mas as que acometem o trato inferior são mais perigosas, pois afetam diretamente a função do sistema respiratório.
Trato respiratório superior: faringite, tonsilite, otite e sinusite
A faringite é uma inflamação das membranas mucosas da garganta. Dentre as bactérias, a principal espécie responsável pela faringite é o Streptococcus pyogenes, um Streptococcus do grupo A de Lancefield. Nesse caso, a faringite recebe o nome de faringite estreptocócica. Uma consequência comum da faringite é o desenvolvimento de tonsilite, inflamação das tonsilas. Em casos raros, quando o S. pyogenes adquiriu a capacidade de produzir a toxina eritogênica, a infecção evolui para febre escarlate, provocando erupções cutâneas de coloração avermelhada, febre alta e alterações na língua.
Outra possível complicação é a glomerulonefrite, que pode se desenvolver entre uma até quatro semanas após a faringite estreptocócica. Na glomerulonefrite, os anticorpos produzidos pelo sistema imune do paciente se combinam com antígenos produzidos pela bactéria e depois depositam na membrana dos glomérulos renais, levando a um processo inflamatório nesse local.
Também por conta das complicações características da faringite provocada pelo S. pyogenes, é importante identificar a bactéria a partir de um swab da garganta do paciente.
A forma mais rápida de liberar esse laudo é usando kits de testes rápidos para detecção de antígenos específicos da bactéria. Esse antígeno é o açúcar da parede celular exclusivo do grupo A de Lancefild. O antígeno é extraído do swab pela ação de uma enzima ou substância química, e depois alguma técnica imunológica, como ensaio imunoenzimático ou aglutinação, permite identificar o antígeno exclusivo de S. pyogenes.
Caso não seja possível a utilização dos kits ou, se o resultado desse teste for negativo, mas a suspeita ainda persistir, podemos semear o swab em meio de cultura do tipo Ágar Sangue, considerado o método diagnóstico de referência. A hemolisina produzida pelo S. pyogenes destrói completamente as hemácias do sangue de carneiro presente nesse meio de cultura. Onde ocorre o crescimento de colônias, a cor do Ágar Sangue passa de vermelha para transparente, o que caracteriza β-hemólise, ou hemólise total.
Na imagem, podemos notar que ao redor da colônia existe um halo translúcido (indicando que o sangue do meio foi hemolisado), o que caracteriza a β-hemólise.
Depois de obter colônias, podemos fazer a coloração de Gram e confirmar que se trata de um coco gram-positivo. Dois testes importantes caracterizam o S. pyogenes.
Teste do PYR (pyrrolidonil arilamidase)
Determina a atividade da enzima PYR, produzida por essa espécie bacteriana, que pode ser detectada usando um reagente comercialmente disponível.
Sensibilidade à bacitracina
É a sensibilidade ao antibiótico bacitracina, que inibe o crescimento dessa espécie.
Atenção
A confirmação de faringite bacteriana é muito importante, pois, muitas vezes, os sinais clínicos são parecidos com a faringite viral. Se o agente for uma bactéria, é necessário tratamento com antimicrobianos.
A otite média é a infecção da orelha média, ou mais conhecida por dor de ouvido. Já a sinusite é a infecção da membrana que recobre seios nasais, cavidades que se localizam ao redor do nariz, maçãs do rosto e olhos. As principais bactérias capazes de causar essas duas infecções são Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae.
Tanto para otite média quanto para sinusite, é difícil obter amostras clínicas válidas do paciente. Nas sinusites e na otite média, o método de referência implica em um procedimento invasivo, e muitas vezes nenhuma bactéria é detectada. Em ambos os casos, os sinais clínicos e os sintomas do paciente são a base para o diagnóstico, e para sinusite os exames de imagem são muito úteis.
Trato respiratório inferior: infecções agudas (coqueluche, bronquite, bronquiolite e pneumonia) e crônicas (tuberculose)
A coqueluche é uma doença infecciosa, causada pela espécie Bordetella pertussis, que pode chegar a ser fatal. Normalmente, essa doença atinge crianças que não tomam as três doses de vacina DTP, ou adultos nos quais a vacina perdeu o efeito ao longo dos anos. Os sintomas da coqueluche apresentam-se em diferentes fases. A primeira delas é fase catarral, assemelha-se muito com um resfriado, por isso, a suspeita de coqueluche é bem rara nessa fase. Com o tempo, a bactéria adere e destrói os cílios da traqueia, o que leva ao acúmulo do muco. Nessa fase, conhecida como fase paroxística, começam as tosses secas e fortes, na tentativa de eliminar o muco e permitir que o ar chegue até os pulmões. A tosse vai progredindo, podendo comprometer a respiração.
O esforço para a entrada do ar produz um som uivante na tosse, daí o nome popular “tosse comprida” dessa doença. Ainda que os casos sejam pouco frequentes, saber o diagnóstico da coqueluche é muito importante devido à gravidade que a infecção pode assumir.
Caso você se depare com uma suspeita de coqueluche no laboratório, o diagnóstico bacteriológico deve feito pela cultura do swab colhido da nasofaringe do doente. A semeadura da amostra precisa ser feita em meio de cultura suplementado com nutrientes especiais e antibiótico, já que é uma bactéria com exigências nutricionais e precisamos impedir o crescimento da microbiota nasal. Podemos usar meios como Ágar Regan-Lowe ou Ágar Bordet & Gengou.
O crescimento da B. pertussis é lento , por isso, a incubação precisa ser feita por até sete dias, em ambiente aeróbico e úmido. A célula bacteriana se cora fracamente pelo Gram, e, por isso, é recomendado deixar o último corante por dois minutos. Depois da coloração, visualizamos, usando um microscópio, pequenos bacilos gram-negativos corados em vermelho.
Por conta de demora para cultivar B. pertussis em laboratório, é recomendando aplicar técnicas que acelerem o diagnóstico. Dentre elas, estão o teste sorológico e o diagnóstico molecular pela PCR (Reação em Cadeia da Polimerase).
O teste sorológico detecta anticorpos no sangue do paciente que foram produzidos contra a bactéria, mas eles demoram algumas semanas para aparecer desde o início da infecção.
O teste molecular identifica o DNA da bactéria, e é considerado o método mais eficiente de diagnóstico para coqueluche. A escolha do método dependerá das condições oferecidas pelo laboratório clínico e o quadro do paciente.
Recomendação
Bronquite e bronquiolite são infecções limitadas a traqueia e aos brônquios. As formas agudas, de início rápido, quase sempre são causadas por vírus. O diagnóstico microbiológico, com cultivo de bactérias por exemplo, não é indicado para essas infecções.
O tratamento é voltado para reverter os sintomas, como o uso de broncodiladores. Pelo menos nesses casos, você não precisa se preocupar em desvendar dentro do laboratório clínico o agente etológico!
A pneumonia é a infecção aguda de todo o pulmão, que pode ser causada por diferentes espécies de bactérias, além de outros microrganismos. O agente bacteriano mais frequente é a espécie Streptococcus pneumoniae e, nesse caso, a doença recebe o nome de pneumonia pneumocócica.
Considerada a pneumonia clássica, os sintomas como febre alta, dificuldade de respirar e dor lombar surgem logo. A ocorrência desse tipo de pneumonia pode diminuir ao longo dos próximos anos pelo acesso a vacinas disponíveis contra alguns sorotipos de pneumococos, que têm como alvo o açúcar da cápsula bacteriana.
As pneumonias adquiridas após um período maior ou igual a 48 horas de admissão no hospital costumam ser causadas por Staphylococcus auereus ou bacilos gram-negativos, como as espécies Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa, essa última muito associada a situações em que o paciente está sob ventilação mecânica.
Pneumonias bacterianas atípicas são aquelas causadas por espécies como Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e Legionella pneumophila. O diagnóstico laboratorial que define o agente da pneumonia é muito importante, porque é a base para a escolha do tratamento adequado, diminuindo do risco de óbito.
O material usado para o diagnóstico de pneumonias pode ser escarro, aspirado traqueal, lavado broncoalveolar, material de biópsia e sangue. Swab das vias aéreas superiores geralmente não são úteis pois acabam refletindo a microbiota normal. Em relação ao escarro, deve ser coletado logo pela manhã e encaminhado diretamente ao laboratório. O aspirado está sujeito a contaminações por microrganismos que colonizam pacientes entubados ou com ventilação mecânica. Já o lavado broncoalveolar é mais seguro nesse aspecto.
Recomendação
As biópsias são mais indicadas para imunocomprometidos e crianças que não reagem bem ao tratamento. A cultura de sangue é usada quando existe suspeita de que a bactéria tenha atingido no sangue do paciente. Todas as amostras respiratórias podem ser armazenadas por até 2 horas em temperatura ambiente, e até 24 horas em geladeira.
Como deve ser feita uma coleta e tratamento de amostra de escarro para diagnósticos de infecções respiratórias do trato inferior?
Se a pneumonia não é de origem hospitalar, primeiramente, devemos investigar a possibilidade de pneumonia pneumocócica, por ser a mais prevalente. O material clínico deve ser semeado em Ágar Sangue e incubado na presença de 5% de CO2. A hemólise parcial aponta para o Streptococcus pneumoniae, já que essa espécie é α-hemolítica. A partir desse crescimento, a coloração de Gram pode ser realizada, com a intenção de confirmar a presença de cocos gram-positivos.
Outros dois testes confirmatórios são a solubilidade em bile e a sensibilidade a optoquina. A célula do S. pneumoniae sofre lise pela ação dos sais biliares e é sensível ao antimicrobiano optoquina, o que não acontece com outros cocos gram-positivos α-hemolíticos.
Na imagem, podemos observar a hemólise parcial onde a bactéria cresce, pois a cor do meio fica esverdeada. Além disso, vemos um disco impregnado com optoquina (OP) que foi colocado logo após a semeadura e, com isso, inibiu o crescimento bacteriano no seu entorno, o que indica sensibilidade.
Recomendação
O teste mais atual para detecção de pneumococos é identificar um antígeno específico dessa bactéria na urina do paciente, de forma muito rápida e prática. No entanto, o resultado negativo precisa ser confirmado por cultura do material, como já foi mencionado anteriormente.
Se a causa da pneumonia não for a espécie S. pneumoniae, a próxima suspeita deve ser a bactéria Haemophilus influenzae. A coloração de Gram direto do escarro é capaz de diferenciar H. influenzae de S. pneumoniae, pois o primeiro é um cocobacilo gram-negativo, enquanto o segundo é um coco gram-positivo. Para cultura e observação das colônias, usamos o meio de cultura Ágar Chocolate, que tem na sua composição hemácias lisadas, uma rica fonte de nutrientes para bactérias exigentes. Outro teste importante é verificar a necessidade da bactéria pelo fator X (hemina ou hematina) e pelo fator V (NAD ou coenzima I). Se a espécie isolada do material for realmente H. influenzae, ela irá crescer na presença desses fatores, porque precisa deles.
Na imagem, a bactéria foi semeada em meio de cultura simples, mas foram colocados discos impregnados com os fatores X e/ou V. Perceba que o Haemophilus influenzae só cresce quando o disco possui os dois fatores ao mesmo tempo.
Você sabia
As pneumonias causadas por H. influenzae de S. pneumoniae são geralmente adquiridas na comunidade, durante o dia a dia, logo, são chamadas de pneumonias comunitárias.
Para diagnóstico de pneumonias hospitalares, são encaminhados para cultura diferentes tipos do amostras, que já foram citadas aqui. O escarro pode ser corado pela coloração de Gram e visto ao microscópio, um recurso simples e que pode direcionar as próximas ações. Se forem amostras de aspirado traqueal e lavado broncoalveolar, semeamos em meios de cultura como Ágar MacConkey e Ágar Sangue para checar o aparecimento de colônias. Se o agente for o S. aureus, vamos observar hemólise total em Ágar Sangue, e nenhum crescimento em Ágar MacConkey. Em casos de bacilos gram-negativos, teremos crescimento nos dois meios, e o Ágar MacConkey ainda vai nos dar dicas sobre a fermentação.
Quando confirmada a presença de bastonetes gram-negativos, podemos suspeitar de espécies como Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii. Vários testes sobre as características bioquímicas dessas espécies são necessários para chegar ao verdadeiro agente etiológico.
Atenção
Fique atento e sempre verifique a sensibilidade dessas bactérias aos antimicrobianos disponíveis para o tratamento, pois existe uma grande chance de elas serem resistentes a ação da maioria deles! Além disso, tanto para casos de pneumonias comunitárias como hospitalares, precisamos estar certos de que a bactéria cultivada a partir de amostras do sistema respiratório seja realmente agente de infecção, e não só colonizadora desses órgãos.
Na colonização, o microrganismo não causa doença, enquanto nos casos de infecção, a bactéria altera o estado de saúde do paciente, provocando sinais e sintomas. Se o material clínico for escarro, é importante checar sua qualidade por microscopia. Quando se trata de infecção, observaremos um número elevado de leucócitos, baixa contagem de células epiteliais (provenientes da saliva) e um único tipo morfotintorial se destacará após coloração de Gram (coco gram-positivo OU bacilos gram-negativos, por exemplo).
Para materiais que foram coletados de forma invasiva e estéril, como lavado broncoalveolar e aspirado traqueal, devemos contar o número de colônias que apareceram no meio de cultura. Para que a infecção seja confirmada, esse número deve ser superior ao limite mínimo estipulado pelas normas da ANVISA. Chamamos essa técnica de cultura quantitativa, e será abordada com mais detalhes no tópico Urinocultura.
Bactérias que causam pneumonias atípicas não podem ser detectadas por métodos de diagnóstico microbiológicos convencionais, como a cultura. Dentre as limitações, podemos citar o fato de não se corarem pelo método de Gram ou o difícil cultivo em meios de cultura tradicionalmente usados no laboratório.
Em casos suspeitos, a confirmação pode ser feita através de técnicas imunológicas, que detectam o anticorpo produzido pelo sistema imune do doente contra a bactéria ou algum antígeno específico do microrganismo. Podemos contar também com o diagnóstico molecular, como a PCR, que identifica o material genético da bactéria.
A tuberculose é uma infecção crônica do trato respiratório inferior, diferente das outras infecções discutidas até aqui. A doença se inicia quando a bactéria começa a invadir e se multiplicar dentro dos macrófagos presentes nos alvéolos pulmonares. A doença avança lentamente, à medida que mais macrófagos são destruídos, o que gera inflamação e lesão do tecido pulmonar.
O papel do sistema imune é essencial e determina se a doença seguirá para fases mais graves. A tuberculose passou a se tornar um problema ainda maior com a epidemia de HIV. Por conta da baixa imunidade desses pacientes, a tuberculose pode evoluir de forma mais rápida e perigosa. Nesses pacientes, existe mais chance da ocorrência de tuberculose extrapulmonar, quando outros órgãos além do pulmão são atingidos, através da disseminação da bactéria pelo sistema linfático e sanguíneo.
Diferentes materiais clínicos podem ser enviados ao laboratório para o diagnóstico de tuberculose. Para tuberculose pulmonar, o principal é o escarro, mas também podem ser enviados líquido pleural, biópsia, entre outros. Esteja atento aos cuidados com a manipulação desse material. As medidas de proteção aumentam de acordo com o tipo de análise que será realizada. As mais básicas envolvem o exame direto do material ao microscópio, quando é necessário, por exemplo, tratar a amostra com hipoclorito de sódio a 5% antes de preparar a lâmina, para inativar a bactéria. Além disso, existem outros detalhes que envolvem cultivo da bactéria e a avaliação da sensibilidade aos antimicrobianos, que exigem um ambiente laboratorial adaptado.
A inviabilização com hipoclorito de sódio 5% é uma opção quando o laboratório não tem cabine de segurança biológica.
Para tuberculose pulmonar, a primeira análise a ser feita é o exame microscópio do escarro após coloração, conhecido como baciloscopia. O escarro pode ser distendido diretamente na lâmina ou anteriormente podem sem usados agentes mucolíticos que o tornam mais fluido, como NaOH. O método de coloração mais usado é Ziehl-Neelsen, onde os bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR), como as micobactérias, adquirem coloração rosa forte, e outras células ficam coradas em azul, quando vistos ao microscópio óptico.
Também é possível usar a coloração com auramina como triagem, onde os BAAR coram em amarelo alaranjado e o restante da lâmina fica escura, mas, nesse caso, é necessário um microscópio de fluorescência. O resultado da microscopia pode mostrar ausência de BAAR ou presença. A presença é registrada de acordo com a quantidade de dessas células por campo de visão, variado de raros (+) até numerosos (++++). A microscopia é simples, rápida e de baixo custo, mas alguns casos podem não ser detectados por esse método. Por isso, a confirmação de resultados negativos para casos suspeitos vem através da cultura do microrganismo, considerado o padrão-ouro para tuberculose pulmonar. Também usamos a cultura para o diagnóstico de tuberculose extrapulmonar.
A cultura de Mycobacterium é trabalhosa, porque essa bactéria possui um crescimento lento e exige condições específicas. Além disso, algumas amostras, como escarro e lavado broncoalveolar, precisam ser tratadas antes de serem semeadas no meio de cultura, para eliminar microrganismos contaminantes.
Entre os meios de cultura usados, podemos destacar o Lowenstein-Jensen e Middlebrook. Os meios devem ser incubados em estufa com 5 a 10% de CO2 por até 8 semanas, e precisamos verificar se ocorreu o crescimento de colônias duas vezes nas duas primeiras semanas, e depois, uma vez por semana. Se forem observadas colônias, seguimos com a identificação da espécie de Mycobacterium. Essa discriminação baseia-se no tempo necessário para o crescimento visível, na aparência das colônias, na produção de pigmento quando as colônias são expostas à luz e na realização de certas análises bioquímicas.
Uma outra opção de diagnóstico são os testes automatizados e métodos moleculares, que são mais rápidos, porém mais caros. O BACTEC é um exemplo de teste automatizado que identifica a espécie M. tuberculoses através da sua inibição pelo composto NAP (ρ-nitro-α- acetylamino-β-hydroxypropiophenone), liberando o resultado em aproximadamente cinco dias.
Os testes moleculares incluem a utilização de sondas que se ligam ao RNAr da espécie alvo, ou ainda a amplificação de determinadas regiões do DNA da bactéria pela técnica de PCR. Tudo depende dos recursos disponíveis, mas devemos estar preparados e conhecer todas as possibilidades.
Se o objetivo for rastrear possíveis doentes em uma população de risco para tuberculose, podemos aplicar o teste imunológico da prova tuberculínica. Chamado de PPD (Purified Protein Derivative), esse exame verifica se casos suspeitos apresentam reação imunológica contra uma proteína purificada da M. tuberculosis, que é injetada nas camadas superficiais da pele do indivíduo.
Se ocorrer reação positiva, a área em torno da injeção ficará endurecida e vermelha após aproximadamente 72 horas. Esse teste não significa que a doença está ativa, e sim um contato anterior com a bactéria. Por isso, pessoas que já se vacinaram com a vacina BCG apresentam PPD positivo. O PPD como indicativo de casos ativo de tuberculose é mais usado para pacientes positivos para o vírus HIV e crianças bem novas, com imunidade baixa.
Testar a suscetibilidade de M. tuberculosis aos antimicrobianos usados para o tratamento é de particular importância clínica. A tuberculose é uma infecção adquirida fora do ambiente hospitalar, mas que, mesmo assim, apresenta altas taxas de falhas terapêuticas devido à resistência bacteriana ao tratamento. O teste é feito para os antimicrobianos que são as primeiras opções terapêuticas, como isoniazida e rifampicina. Esse teste pode ser feito através de forma tradicional, verificando o crescimento bacteriano no meio de cultura Lowenstein-Jensen com antimicrobiano, ou ainda utilizando métodos comerciais e técnicas moleculares. Em todos os casos, o resultado indicará se a bactéria isolada do doente é resistente ou sensível à ação de determinada droga. Se o resultado for resistente, a indicação de tratamento passa a ser antimicrobianos de segunda linha, como aminoglicosídeos e etionamida.
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MÓDULO 3
Descrever os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato urinário
Patogênese das infecções do trato urinário
Estudar a patogênese de uma doença é entender como ela agride o nosso corpo e como ele reage a essa agressão. Aqui, iremos nos concentrar na patogênese das infecções bacterianas no sistema urinário. Para isso, vamos falar sobre como as bactérias têm acesso a esses órgãos, de que forma cada espécie pode alterar seu funcionamento, e as consequências das ações desses pequenos seres vivos.
A função do sistema urinário é formar a urina, armazená-la e, posteriormente, eliminá-la. Tudo começa nos rins, onde o sangue é filtrado, através de aglomerados de pequenos vasos sanguíneos, para formar a urina. Os ureteres levam a urina formada para a bexiga, onde ela fica armazenada até o momento de sua eliminação. A liberação da urina ocorre pela uretra.
Na imagem, de cima para baixo, vemos dois rins, por onde chegam os vasos sanguíneos, depois, os rins se conectam com a bexiga pelos ureteres e esses desembocam na bexiga. A bexiga se comunica com o meio externo através da uretra.
Esse funcionamento é muito importante pois elimina substâncias tóxicas ao nosso organismo e mantém uma quantidade de água suficiente para o nosso corpo. As patologias que afetam esses órgãos podem, por exemplo, provocar o acúmulo de substâncias indesejáveis ou a eliminação inadequada de componentes importantes, além de alterações da pressão sanguínea. Dentre essas patologias, estão as infecções do trato urinário (ITU).
As ITUs são definidas como a presença e multiplicação de microrganismos nos órgãos desse sistema. Devido a sua organização, o sistema urinário está em constante contato com o meio externo, facilitando a entrada dos agentes infecciosos. Provavelmente, você conhece alguém que já passou por uma infecção urinária baixa, que acomete a uretra e bexiga, muito comuns, especialmente, em mulheres, durante a vida sexual ativa.
Algumas características do trato urinário dificultam o desenvolvimento de microrganismos causadores de doença. A força com que eliminamos a urina é uma barreira mecânica, que “empurra” para fora a bactéria patogênica. Os lactobacilos, bactérias da microbiota genital de mulheres, produzem ácido lático através do seu metabolismo e mudam o pH da região. O pH ácido, tanto da região genitália, quanto da urina, é impróprio para a reprodução de muitos microrganismos, dificultado sua sobrevivência. Qualquer condição que altere as proteções naturais do nosso organismo pode facilitar o desenvolvimento de infecção. Você já deve ter ouvido falar que não é recomendado realizar higiene íntima muitas vezes ao dia ou com sabonetes básicos. Essas ações podem alterar o pH ou eliminar os lactobacilos da microbiota. O uso prolongado, desnecessário ou errado de antimicrobianos também altera a microbiota genital.
A maioria das infecções do sistema urinário é causada por bactérias. No entanto, outros microrganismos podem se desenvolver, como, por exemplo, fungos e protozoários. Um exemplo importante é o fungo da espécie Candida albicans. Esse microrganismo faz parte da microbiota normal de algumas mulheres, mas pode crescer de forma descontrolada, causando a candidíase. Quando não tratada, essa infecção da genitália externa tem chances de evoluir para uma infecção urinária.
As bactérias podem provocar infecções nos diferentes órgãos do sistema urinário, dependendo da sua porta de entrada. Elas podem acessar os rins pelo sangue, por exemplo, a partir de uma infecção que se originou em outra parte do corpo e se espalhou, chamada de infecção sistêmica. Um exemplo é a leptospirose, causada pela bactéria Leptospira interrogans.
Essa bactéria pode ser liberada pela urina de animais e contaminar a água, penetrando no nosso organismo através de pequenas lesões ou por membranas mucosas, como a cavidade oral em caso de ingestão. Portanto, sempre lave bem produtos que serão colocados diretamente na boca, como latas de bebidas.
Uma vez dentro do nosso organismo, a L. interrogans penetra dentro das nossas células. Ali elas encontram “abrigo” para fugir do nosso sistema imune, além de conseguirem acessar diferentes órgãos. Com isso, a bactéria ganha tempo para se multiplicar e, em algumas raras vezes, os rins podem ser atingidos gravemente. Essa forma mais grave é conhecida como Doença de Weil, que pode atingir também o fígado da pessoa doente.
Você sabia
A maior causa de mortes por leptospirose é a insuficiência renal aguda, quando os rins perdem a sua função.
Além do acesso pelo sangue, é importante falarmos da maneira mais comum pela qual bactérias atingem o sistema urinário: uma fonte externa que entra pelo uretra, chamada de via ascendente. Devido à proximidade entre o ânus e o início do uretra, bactérias da microbiota intestinal são famosas agentes de uretrites. Se o tratamento não for feito de forma correta, é possível que a bactéria tenha acesso a partes mais altas do sistema urinário, podendo chegar até aos rins. Isso justifica a recomendação de usar o papel higiênico no sentindo da vulva (popular vagina) para o ânus, diminuindo a chance de contaminação.
O sufixo “ite” é usado para nomear os diferentes tipos de infecções do sistema urinário. Portanto, usamos uretrite, cistite, ureterite e pielonefrite para nos referirmos a infeções na uretra, bexiga, ureteres e rins, respectivamente. Em mulheres, a cistite é mais comum, pois o comprimento da uretra é curto, além de se localizar muito próxima ao ânus, facilitando o acesso das bactérias a esse órgão. Tanto em homens quanto em mulheres, a espécie mais comum nesse tipo de infecção é a Escherichia coli, um microrganismo da microbiota intestinal.
Um tipo especial de E. coli, chamada de uropatogênica, está muito relacionada às ITU por possuir fatores que facilitam sua aderência à mucosa urinária. Com menos frequência ocorrem casos de infecção por Staphylococcus coagulase negativo, como S. saprophyticus, que são integrantes da microbiota da pele. Existem ainda outras espécies possíveis, como bactérias envolvidas com infecções genitais e o gênero Proteus, uma enterobactéria assim como a E. coli.
Os casos mais graves de ITU são aqueles em que a bactéria atinge os rins. Uma vez nesse órgão, o acesso desse microrganismo à corrente sanguínea é facilitado, o que pode provocar bacteremia, ou, infecção da corrente sanguínea. Quando existe chance de bacteremia, é preciso fazer a cultura do sangue do paciente para verificar a existência de qualquer crescimento bacteriano. Pielonefrites crônicas são um risco para o funcionamento renal, pois provoca pequenas lesões nos rins. Se você, ou alguma pessoa conhecida, desconfiar de infecção urinária, procure atendimento médico para evitar a evolução da doença e os riscos associados.
Coleta, transporte e armazenamento de urina
Agora que você já sabe como funciona o sistema urinário e como as bactérias podem atingi-lo, vamos começar a discutir de que forma detectamos alterações das funções renais e a presença de bactérias nesses órgãos. Além da avaliação dos sintomas e dos sinais clínicos do paciente, a composição da urina pode ajudar muito na hora do diagnóstico. Já que o nosso foco é a questão laboratorial, chegou a hora de avaliar o material clínico mais usado para trazer informação sobre o sistema urinário: a urina!
Antes do exame propriamente dito (etapa analítica), precisamos nos atentar para condições anteriores, que fazem parte da etapa pré-analítica. Se a primeira fase é realizada de forma incorreta, todas as demais serão afetadas. No exame de urina, precisamos nos importar com a forma correta de coletar, transportar e armazenar esse material clínico, pois ele é muito instável e pode sofrer transformações de seus elementos a todo tempo.
A coleta ideal depende do tipo de exame que será realizado e das características do paciente. Para suspeitas de ITU pode ser necessário apenas a verificação de componentes da urina através de testes rápidos, mas a melhor forma de confirmar o diagnóstico é identificando o crescimento bacteriano a partir da urina. Em relação ao paciente, condições associadas à idade e ao estado de saúde podem impedir que um determinado tipo de coleta seja feito. Cada uma dessas situações tem suas particularidades, e devemos estar atentos para recomendar a forma mais adequada, para que isso não afete o resultado que será liberado. Os métodos de coleta podem variar entre as seguintes opções:
Amostra de jato médio de urina colhida em frascos coletores. |
Uso de bolsa coletora em pacientes que não controlam o momento de eliminar a urinar, como crianças. |
Cateteres vesicais, que são procedimentos feitos usando cateteres inseridos através da uretra até a bexiga. São usados quando o paciente não consegue urinar espontaneamente ou outras situações que dificultem a coleta tradicional usando frascos. |
Punção suprapúbica, feita pela introdução de uma agulha no interior da bexiga pela parede do abdômen. |
De todas essas formas, provavelmente, você já realizou pelo menos uma vez na vida a coleta de jato médio por frascos coletores, já que esse tipo de coleta faz parte de um check-up médico de rotina. A primeira urina da manhã coletada em frascos é usada, por exemplo, para checar “Elementos Anormais e Sedimentos”, exame conhecido como EAS. O EAS permite analisar imediatamente vários componentes desse material clínico, como hemácias, leucócitos e proteínas.
O exame de escolha para confirmação da ITU deve ser a urinocultura, ou cultura de urina. Queremos com esse exame verificar o crescimento em meio de cultura da bactéria responsável pela infecção, usando para isso a amostra de urina.
Atenção
É muito importante que material clínico não seja contaminado com microrganismos externos ao sistema urinário durante a coleta, porque isso irá confundir a interpretação do exame. Se bactérias da microbiota da pele ou da região genitália crescem no meio de cultura, elas se confundem com a verdadeira espécie responsável pela infecção.
Quando o objetivo é realizar uma urinocultura, a urina pode ser coletada por jato médio, pela utilização de bolsas coletoras, através de cateter urinário ou punção suprapúbica. Em todos os casos, deve-se diminuir ao máximo as chances de contaminação. A punção suprapúbica, apesar de invasiva, é o método padrão-ouro para garantir maior esterilidade da amostra. Dentre as opções não invasivas, a coleta de jato urinário médio usando frasco estéril é o método mais usado.
É importante recomendarmos ao paciente ou profissionais responsáveis pela coleta os seguintes cuidados específicos para cada método:
- Realizar limpeza com água e sabão neutro da região genitália, tanto feminina, quanto masculina.
- Para homens, retrair o prepúcio e fazer higiene da glande.
- Para mulheres, afastar os lábios vulvares durante a coleta.
- Usar um frasco coletor estéril fornecido pelo laboratório ou adquirido em farmácia.
- Descartar o primeiro jato de urina.
- Colher preferencialmente a primeira urina da manhã e, se não for possível, coletar a urina após 2 horas da última micção.
- Se possível, coletar a urina quando já estiver no laboratório.
- Realizar a limpeza de toda região que terá contato com o saco coletor usando água e sabão, e após secar adequadamente.
- Trocar o saco com intervalos regulares (o tempo recomendado pode variar).
- Se o resultado for positivo, deve-se fazer punção suprapúbica em crianças.
- Higienizar a entrada da vagina.
- Desprezar o primeiro jato de urina cateterizada.
- Higienizar a pele com substâncias antissépticas antes da coleta.
- A bexiga deve estar cheia.
Para realizar a maioria dos exames de urina, é preciso que ela seja encaminhada rapidamente ao laboratório quando a coleta for feita em casa. Nesses casos, é importante proteger a amostra da luz solar direta, e evitar que durante o transporte ela seja exposta a temperaturas maiores que 25°C. O primeiro motivo é que esse material é rico em nutrientes que possibilitam o rápido crescimento bacteriano após a coleta. Além disso, os componentes da urina podem sofrer alterações, como se precipitarem ou mudarem sua composição química. Por isso, a urina deve ser preferencialmente coletada quando o paciente já estiver no laboratório.
Recomendação
O profissional responsável pelas análises no laboratório deve processar a amostra em até 2 horas após a coleta. Se não for possível, a urina deve ser armazenada em geladeira, entre 2 e 8°C. Mas atenção, NUNCA congele a urina, pois isso destrói elementos urinários, como células. Na impossibilidade de usar refrigerador, são utilizados conservantes químicos, que permitem que a urina fique em temperatura ambiente.
Existem diferentes tipos de conservantes, mas todos têm seus pontos fracos, portanto, devem ser a última opção. Um exemplo é o ácido bórico, que pode matar algumas espécies de microrganismos patogênicos, impossibilitando que eles sejam detectados pela cultura. O tempo que a urina pode permanecer em geladeira ou sob a ação de conservantes pode variar entre o tipo de exame que será realizado ou de acordo com a norma padronizada para cada laboratório, mas, em geral, esse período não pode ser superior a 24 horas.
Testes rápidos
O EAS ou urina do tipo I são sinônimos para um método indireto de diagnóstico ITU. Isso quer dizer que alguns componentes avaliados indicam a presença de bactérias ou de uma resposta inflamatória, mas não é possível confirmar a infecção bacteriana só com essa etapa.
Trata-se de um exame muito solicitado pelos médicos, porque permite a liberação rápida do resultado, considerado que o método de coleta e os testes feitos são simples de serem executados.
Dentre as características da urina que podem ser rapidamente avaliadas, estão as propriedades físicas, presença de substâncias químicas e a visualização de componentes da urina. Vamos falar um pouco de cada uma dessas análises voltadas para o diagnóstico de ITU, mas é importante ter em mente que elas também auxiliam na confirmação de outras doenças, como cálculos renais e diabetes.
As propriedades físicas da urina incluem sua cor, cheiro e aparência. Em relação a cor, nos indivíduos sadios ela varia entre diferentes tons de amarelo dependendo da quantidade de água ingerida. Não existe uma cor característica de ITU, mas em alguns casos pode estar vermelha devido a presença de hemácias. O cheiro da urina de um paciente com ITU pode ter aromas característicos, mas a origem do odor não é clara. Considerando a aparência, uma pessoa saudável deve ter urina com aspecto transparente, porém, em casos de ITU ela pode ser tornar turva por conta do excesso de alguns elementos.
Os componentes químicos mais sugestivos de ITU são esterase leucocitária e nitritos.
Enzimas do grupo das esterases são comuns no interior de leucócitos, que são as células de defesa do nosso corpo. Detectar uma grande quantidade dessas enzimas aponta para uma intensa atividade dos leucócitos, que é característica de um estado de infecção.
O nitrito é um composto produzido por algumas espécies de bactérias, como a E.coli e, por isso, detectar a sua presença nos leva a acreditar que existem bactérias em intensa atividade naquele sistema urinário.
Atenção
Nem toda espécie de bactéria que pode causar ITU produz nitrito, como aquelas causadas por cocos gram-positivos, portanto, o resultado negativo não descarta esse diagnóstico. Os testes para a presença de esterase e nitrito são feitos usando fitas com marcadores que reagem à presença desses componentes através da mudança de cor.
As fitas usadas nos testes de componentes químicos da urina são chamadas de fitas reagentes. É importante armazenar esse material da forma sugerida pelo fabricante, por isso, sempre leia antes os rótulos e instruções técnicas. Essas condições incluem temperatura, luz e exposição ao ar. Nesses rótulos, você também encontra informações sobre quanto tempo a fita deve ficar em contato com a urina, o que é determinante para muitos testes. Além disso, para relacionar a alteração de cor com um determinado resultado, usamos uma espécie de escala comparativa que vem na embalagem das fitas reagentes.
Na imagem, cada quadradinho de papel filtro que está preso à fita possui um reagente químico diferente, que irá alterar de cor de acordo com a concentração de uma determinada substância na urina. Um desses quadradinhos detecta nitrito, e outro esterase leucocitária.
Outra característica importante que pode ser facilmente analisada é a composição da urina. Para ITU, focamos na identificação de leucócitos e bactérias, que serão vistos usando um microscópio óptico e, nesses casos, não centrifugamos a urina. Lembrando que, normalmente, a sedimentoscopia é feita após centrifugação, mas, para ITU, essa não é uma técnica indicada. Durante a pesquisa por leucócitos, podemos colocar uma pequena quantidade de urina sobre uma lâmina de vidro e por cima uma lamínula. Usando a lente objetiva de 40x, se forem vistos mais de cinco leucócitos por campo de visão, informamos a presença de leucocitúria ou piúria. Para a identificação de bactérias, usamos 10 µl de urina medida por uma alça bacteriológica calibrada.
Essa pequena quantidade será colorida através do método de Gram. Depois disso, a presença de uma ou mais células de bactérias por campo usando a objetiva de 100x, será relatado bacteriúria.
A leucocitúria e a bacteriúria não são 100% confiáveis para o diagnóstico de ITU. A leucocitúria positiva acontece na grande maioria nos casos de ITU, mas também pode estar presente em casos de cálculos renais, lúpus eritematoso sistêmico, tumor de bexiga, dentre outras patologias. Exercício físico exaustivo ou contaminação da urina com fluidos vaginais também podem gerar leucocitúria.
Por outro lado, a bacteriúria é bastante específica para ITU, ainda que bactérias da microbiota possam causar confusão em alguns casos. Um outro ponto negativo é a difícil observação da bactéria e, por isso, casos confirmados de ITU podem ter bacteriúria negativa no exame microscópico.
Urinocultura
Por conta das limitações dos testes rápidos, a urinocultura é o exame de referência para confirmar infecções do trato urinário (ITU). Diferentes meios de cultura podem ser usados para urinocultura, mas todos com consistência sólida, porque só assim é possível visualizar colônias.
Os três principais meio de cultura são Ágar Sangue de Carneiro, Ágar MacConkey (ou Ágar Eosina Azul de Metileno -EMB-, que tem as mesmas propriedades) e Ágar Cistina Lactose Eletrólito Deficiente (CLED). Podemos destacar algumas diferenças importantes entre esses meios de cultura:
O Ágar Sangue tem como qualidade marcante a presença de hemácias inteiras, que são fontes ricas em nutrientes e podem ser usados para o cultivo de diferentes espécies bacterianas. Outra vantagem é a visualização de hemólise por ação de certas espécies de bactérias, como alguns Streptococcus e o Staphylococcus aureus.
Sobre o Ágar MacConkey, é importante saber que se trata de um meio seletivo para bactérias gram-negativas, portanto, gram-positivos não crescem nesse ambiente. Além disso, o Ágar MacConkey possui corantes na sua composição que diferenciam, através da cor, bactérias que realizam ou não a fermentação do açúcar lactose.
Apesar de mais caros, não podemos esquecer dos meios cromogênicos, que permitem a identificação presuntiva de alguns agentes de ITU pela sua coloração característica após crescimento, graças à ação de certos substratos do meio.
Uma abordagem possível é semear a amostra de urina em dois tipos de meio, um seletivo e outro não seletivo, porque direciona a identificação da espécie bacteriana responsável pela infecção. Por exemplo, se houver crescimento em MacConkey já sabemos que é um gram-negativo e elimina a necessidade do Gram. Por outro lado, se não ocorre crescimento de colônias no Ágar MacConkey mas elas aparecem em CLED ou Ágar Sangue, provavelmente, a espécie bacteriana é um gram-positivo. Se o responsável pela ITU for um Staphylococcus coagulase negativo, não veremos colônias no Ágar MacConkey, mas sim em Ágar Sangue e em Ágar CLED. Se a bactéria isolada for uma Escherichia coli, veremos colônias em qualquer um desses meios, além do que as colônias terão uma coloração rosa pink em MacConkey, devido à fermentação da lactose.
No entanto, o gasto com meios de cultura aumenta muito, e usar o meio seletivo associados ao resultado da coloração de Gram é a opção mais comum e de menor custo.
Depois de conhecer os meios de cultura, precisamos falar das principais técnicas de cultivo de bactérias usando amostras de urina: contagem de colônias por técnica de semeadura superficial, contagem de colônias por técnica de semeadura em profundidade e o lamino-cultivo.
As técnicas de contagem de colônia oferecem resultados quantitativos, definindo um número de bactérias por mL de urina. Esse resultado é importante para o diagnóstico de ITU e para o acompanhamento do sucesso da terapia antimicrobiana. Já o lamino-cultivo é útil para definir a presença ou ausência de microrganismos, mas por não ser exato em relação ao número de bactéria é considerado semiquantitativo.
Para contagem de colônias por técnica de semeadura superficial, utilizamos uma alça calibrada, que já foi citada na parte de microscopia da urina.
Essa alça serve para pegarmos uma quantidade definida de urina, e assim, padronizamos o nosso teste. O material da alça deve ser platina ou plástico descartável para evitar interferentes. No caso de utilizar alça de platina, ela deve ser exclusiva para esse procedimento, além de ter a calibração checada com frequência. A alça deve ser inserida no frasco contendo urina homogeneizada, na posição vertical. Com a alça carregada de urina, fazemos uma linha reta no centro da placa, e depois, devemos estriar o material de modo que as estrias formem um ângulo de 90°C com a linha central.
Recomendação
O meio de cultura com o material semeado deve ser incubado em estufa de 35-37°C durante 24 horas. Esse tempo pode ser maior em situações específicas. Após o crescimento bacteriano, passamos para a etapa de contagem que colônias.
O resultado do método é dado pelo número de colônias bacterianas que se desenvolveram no meio cultura. Para alças calibradas com 1 µL, uma única colônia que cresceu no meio de cultura representa 1.000 colônias por 1 mL de urina. Cada colônia contada é chamada de UFC (Unidade Formadora de Colônia), pois assumimos que ela se originou a partir de apenas uma célula bacteriana que se multiplicou a ponto de enxergamos seu crescimento. Para confirmar um quadro de ITU, a contagem precisa corresponder a mais de 100.000 (105) UFC por mililitro de urina. No caso da alça calibrada com 1 µL, precisamos contar mais de 100 colônias. Devemos ter atenção com esse limite mínimo para o diagnóstico, porque existem situações onde contagem menores indicam ITU, por exemplo, se a amostra for coletada por punção suprapúbica. Para amostras com baixa chance de contaminação, costumamos diminuir o limite mínimo para considerar uma infecção. Isso também acontece para pneumonias quando a amostra é um lavado broncoalveolar.
A técnica de semeadura em profundidade baseia-se em diferentes diluições da amostra de urina que depois são incorporadas ao meio de cultura. As diluições da urina são feitas em solução salina de forma seriada, ou seja, as concentrações de urina nas diluições são progressivamente menores. Essa mistura é depositada na placa de Petri com meio de cultura ainda líquido (42°C), e depois a mistura se solidifica. A incubação é realizada a 35-37°C durante 24 horas. O crescimento de colônias acontece em profundidade, não só na superfície do meio de cultura. O resultado é dado pelo número de colônias que se desenvolveram, multiplicado por quantas vezes a amostra de urina foi diluída. Por exemplo, se observamos 1.000 colônias para a urina diluída 100 vezes, o resultado será 105 UFC/mL. Percebe-se que essa técnica é muito trabalhosa e, por isso, ela é pouco usada, apesar de ser confiável para um resultado quantitativo.
Devemos nos atentar para a possível diversidade na aparência das colônias, porque isso pode indicar contaminação. O crescimento de colônias com aspectos distintos significa que diferentes microrganismos se desenvolveram a partir da amostra de urina. Para contagens entre 104 e 105 UFC/mL, se dois ou mais tipos de colônias se sobressaem, é provável que tenha ocorrido contaminação no momento da coleta. Para contagens superiores a 105 UFC/mL, se existem até duas colônias predominantes, seguimos com os próximos testes. Mas se três ou mais colônias se destacam na contagem de 105 UFC/ml, assumimos que houve contaminação grosseira da amostra. Em casos de contaminação, é preciso solicitar uma nova amostra e refazer a urinocultura. Então, lembre-se de instruir muito bem o paciente ou profissional que irá fazer a coleta, para evitar essa trabalheira toda!
O lamino-cultivo é uma técnica mais simples que a contagem de colônias em placa de Petri, usado no diagnóstico de ITU. Para realizá-la, a urina deve ser coletada usando um frasco cuja tampa está ligada a um suporte plástico em formato de lâmina. O suporte plástico possui duas faces com meios de cultura diferentes, como Ágar MacConkey e Ágar CLED. Ao tampar o frasco após a coleta, a lâmina entra em contato com a urina e depois é incubada na estufa de 35-37°C durante 24 horas.
Essa técnica facilita o transporte e a semeadura da amostra. No entanto, a superfície para contagem de colônias é pequena e, muitas vezes, não observamos colônias definidas. Por isso, o lamino-cultivo não substitui a contagem de colônia como método quantitativo. A melhor aplicação dessa técnica consiste em detectar o crescimento bacteriano e identificar os principais gêneros responsáveis por ITU, como a E. coli.
Como é feita a diluição e contagem de colônias de uma amostra de urina?
Após confirmar a ITU, os próximos passos incluem identificação bioquímica e sorológica do microrganismo e o teste de suscetibilidade aos antimicrobianos. A identificação bioquímica e sorológica definirá a espécie de bactéria responsável pela infecção. Se o número de colônias contadas for pequeno, é indicado que forneçamos apenas a morfologia mínima da bactéria encontrada, como, por exemplo, bacilos gram-negativos ou cocos gram-positivos.
O teste de suscetibilidade aos antimicrobianos (TSA), também chamado de antibiograma, apontará os medicamentos com maior chance de sucesso no tratamento de uma infecção bacteriana. O método mais usado para os patógenos que costumam causar ITU é o método de disco difusão. Nesse teste, discos impregnados com antimicrobianos são depositados sob o meio de cultura, onde previamente já foi semeada a bactéria. Basicamente, verificaremos após 18 a 24 horas, se a bactéria consegue ou não crescer perto dos discos.
Para realizar esse exame, é importante seguir toda a padronização recomendada pelos órgãos oficiais, incluindo a utilização do meio de cultura apropriado, Ágar Mueller-Hinton. O resultado desse teste nos mostrará se a bactéria resiste ou não a ação dos antimicrobianos testados, e isso guiará a melhor terapia para o paciente, evitando os casos em que o antimicrobiano é ineficiente e a infecção pode avançar para partes superiores do sistema urinário.
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Conclusão
Considerações Finais
Acabamos de ter uma visão ampla da importância das bactérias como agentes de infecções em humanos e mergulhamos no diagnóstico das infecções respiratórias e urinárias. Percebemos que existem muitas variações entre as abordagens diagnósticas, principalmente, porque as bactérias têm características particulares e diversas. Além disso, a ciência não para, e a todo tempo novas opções estão aparecendo.
Agora, você está preparado para avançar ainda mais dentro da microbiologia, com a certeza de que o conhecimento adquirido aqui é muito aplicável e útil na rotina de trabalho.
Podcast
CONQUISTAS
Você atingiu os seguintes objetivos:
Reconheceu as principais espécies de bactérias causadoras de infecções em humanos e suas características.
Descreveu os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato respiratório.
Descreveu os métodos de diagnóstico laboratorial usados para infecções bacterianas do trato urinário.