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Descrição

A corporeidade e seus conceitos fundamentais e a sua relação com a motricidade humana e a Educação Física.

PROPÓSITO

Compreender o conceito de corporeidade, sua relação com a motricidade segundo as teorias e fenomenologia de Merleau Ponty. Discutir o olhar da motricidade humana e sua influência para a Educação Física sob a perspectiva de Manoel Sérgio.

Preparação

Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão um dicionário etimológico para entender termos específicos da área. Sugerimos o dicionário online gratuito Priberam.

OBJETIVOS

Módulo 1

Descrever conceitos gerais de corporeidade e suas características

Módulo 2

Identificar as diferenças entre a corporeidade e a motricidade humana a partir dos conceitos de cada uma

Módulo 3

Relacionar aspectos da corporeidade e da motricidade humana que contribuem para a formação e intervenção do profissional de Educação Física

Introdução

Neste tema, vamos conhecer os conceitos que definem o termo corporeidade e identificar as semelhanças e diferenças do que chamamos motricidade. A Educação Física sempre entendeu como a corporeidade poderia contribuir para a formação e atuação do profissional da área? Falaremos sobre isso e veremos as contribuições importantes para os nossos estudos, entendendo como os aspectos socioculturais e suas interações interferem no contexto em que atua o profissional de Educação Física.

Sabemos que as práticas motoras e corporais, os jogos e as brincadeiras, além das atividades físicas, fazem parte da vida de milhares de pessoas e devemos prestar atenção ao diálogo que o corpo tem com o mundo. Isso mesmo! Nosso corpo se expressa e nos mostra emoção e sensação, mesmo quando não dizemos nada.

Esse olhar mais amplo, considerando movimento e emoção, é o resultado de muita história e estudos. Aprenderemos como os estudos sobre a motricidade humana avançaram e contribuíram para a aplicabilidade de vários conceitos nesse campo de trabalho.

Não podemos esquecer, porém, que visões diferentes contribuem para uma perspectiva melhor, mais ajustada e mais humana. Por isso, também veremos diversas perspectivas acerca da corporeidade e da motricidade humana, que, certamente, contribuirão para que possamos ampliar as nossas. Vamos lá!

MÓDULO 1


Descrever conceitos gerais de corporeidade e suas características

Corporeidade e suas características

Antes de iniciarmos os nossos estudos sobre a corporeidade, vamos refletir um pouco sobre como esse conceito pode ser definido e interpretado. Para algumas pessoas, a corporeidade está relacionada apenas a questões biológicas do ser humano, mas, na realidade, está muito além dessa dimensão.

Corporeidade é a maneira pela qual o homem se expressa no mundo, ou seja, como interage com as coisas e com as pessoas. A corporeidade tem como foco principal o ser humano, estando relacionada, portanto, com a cultura, as ideologias, a religião, a política, enfim, com características, individuais ou coletivas, do sujeito. Assim como observamos as semelhanças e as diferenças entre os povos e as civilizações.

A corporeidade naturalmente faz parte do homem, não sendo apenas um aspecto biológico, mas também de caráter social que se expressa por meio de códigos e valores de cada ser humano. Assim, valorizar esse conceito como uma linguagem e a sua expressão e interpretação é importante para o processo pedagógico em qualquer área da educação, o que agrega valor e qualidade às aprendizagens unindo a esse processo as vivências corporais. Essas vivências estão presentes e fazem parte da expressão individual de cada pessoa. É de extrema relevância o conhecimento desses conceitos para a Educação Física, tendo em vista que, por meio de brincadeiras, danças e jogos, movimentos e relações interpessoais, exercitamos a troca de conhecimento e ampliamos nossas experiências.

A Educação Física e a corporeidade estão em sintonia à medida que consideramos as particularidades e a corporeidade dentro do sujeito, caminhando lado a lado com uma educação corporal, que favorece o processo de autonomia por meio de aprendizagem que tenha relação com a realidade. Cada indivíduo expressa, por meio de seu corpo, a história de sua vida, acumulada dentro de um contexto social e marcada por valores, normas, ideias e sensações.

Podemos nos remeter ao que dizia Foucault (1987, p. 124) em seu estudo Vigiar e Punir, que, nos espaços de trabalho dos operários das fábricas, havia o “quadriculamento”, ou seja, espaços delimitados e corredores onde era possível que fossem vigiados em tempo integral e individualmente. Foucault demonstra o poder sobre o corpo visto como subsidiário à mente, à inteligência e que influencia toda uma sociedade até os dias de hoje.

Essa reflexão nos lembra de que, durante muitos séculos, punições e torturas fizeram parte do contexto do corpo. No entanto, as punições para o corpo não se resumem a castigos, mesmo sendo um corpo físico, e sim a toda e qualquer forma de controle e de detenção. Existe um poder contra o corpo que está inserido na sociedade, mesmo que de várias formas este “poder” seja mascarado ou oculto. A corporeidade irá, de maneira antropológica, exprimir o comportamento que se busca e que se tenta de forma ideal promover em uma conduta, modelando o indivíduo para que seja “passivo e conformado”.

Observamos isso nas reproduções ideológicas que temos hoje na maioria das escolas, onde seus alunos passam por horas “acorrentados” às suas carteiras, sendo privados da interação com colegas. Há uma privação de vivências e experiências com o espaço, com a natureza, fazendo de conta que existe uma igualdade entre as pessoas. Mantém-se, assim, a “docilidade” entre esses corpos e uma separação “coerente” apenas de acordo com a faixa etária. Enquanto o aluno permanece sentado, ele não pode fazer quase nada. Manter o seu corpo controlado dá a impressão de que todos são iguais e essa igualdade, de certo modo, reforça a relação de poder de um corpo sobre o outro.

Esse controle também é refletido nos cuidados da estética. A cultura corporal pede isso. É uma inversão do processo anterior, pois agora há uma necessidade ser visto pelo próprio corpo. A fim de se enquadrar na cultura corporal, as pessoas se submetem a tratamentos estéticos, dietas e academias, por exemplo.

Esse comportamento de se fazer visto pelo corpo pode ser observado também em atos que buscam transgredir essa igualdade “imposta” aos homens, ressaltando no cotidiano as diferenças que, durante anos, eram rejeitadas. Contudo, nem todas as diferenças são aceitas pela sociedade, algumas características ainda permanecem imutáveis. Ainda assim, os sujeitos passaram a manifestar seus desejos, e algumas instituições começam a perceber uma necessidade de mudança. O “diferente” começa a ser respeitado.

A corporeidade, portanto, interliga emoções e pensamentos que passam na mente de um indivíduo ao seu diálogo corporal com o mundo. Implica uma inserção em um mundo significativo a partir de uma relação dialética do corpo com ele mesmo, com o corpo do outro e com os objetos ao seu redor. Assim, nossas marcas sociais e históricas estão inseridas e podem ser lidas em nosso corpo, porque isso faz parte das questões culturais, sociais e de gênero de cada um.

Resumindo

A corporeidade, então, é a maneira como o indivíduo interage e se comunica consigo mesmo, com os outros e com o mundo por meio dos movimentos e das experiências motoras que permitem sua expressão de forma intencional, mas sendo necessariamente um diálogo constante com o mundo exterior. A corporeidade é então uma forma de estar no mundo, de existir e não simplesmente passar por ele.

Corporeidade e percepção

A Educação Física tem o corpo como objeto de estudo. Para que possamos avançar nos estudos da corporeidade, da motricidade e da relação entre esses conceitos, é necessário que observemos o corpo com a construção e os olhares de outras áreas do conhecimento. O corpo como objeto de estudo ultrapassa áreas da Fisiologia, Antropologia, Psicologia; por isso, não podemos considerá-lo apenas em uma perspectiva orgânica. Para dar embasamento teórico às nossas construções feitas neste tema, iremos nos pautar nos fundamentos da Fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), tendo em vista que seu entendimento do corpo tem uma perspectiva muito importante para o desenvolvimento da Educação Física.

Merleau Ponty foi um filósofo francês que olhava o ser humano de uma forma subjetiva e contextualizada com a realidade de cada um. Para ele (1994), quando um organismo era incitado por um determinado grupo de estímulos e experimentava variadas sensações, era necessário olhar para este corpo e considerá-lo como um todo. Isso significa dizer que, quando algo se apresentava diante de uma pessoa, também era apresentado à sua “consciência”. Esse algo é observado e percebido de acordo com sua forma, sua totalidade e, a partir daí, segue em direção à consciência perceptiva.

Após a percepção, esse algo observado já estará na consciência e isso passa a ser um fenômeno. Para ele, o homem está presente no mundo do corpo e do espírito, e será o centro da discussão sobre o conhecimento do ser humano. Esse foco no ser humano nos levará à busca da compreensão do que é essencial. Chamamos de Fenomenologia o estudo que define a essência da consciência, da percepção, dos problemas. Ela dá sentido à existência. Segundo Merleau-Ponty (1994), o corpo e o mundo formam um sistema, tornando a compreensão do homem e do mundo a partir de sua facticidade.

Facticidade é a qualidade do que é “factual”, ou seja, dos fatos, daquilo a que estamos submetidos no nosso dia a dia, em nossa vida, nas nossas dificuldades e facilidades do cotidiano, nas relações com os outros. É tudo aquilo que somos obrigados a passar, superar, que compõe nossa vida e nossas circunstâncias.

A consciência não é transparente a si mesma, mas influenciada e marcada por experiências e fatos vividos no mundo. Essas vivências são possíveis apenas a partir do corpo e da sua relação com o outro. A capacidade humana de se colocar no lugar do outro, os hábitos corporais, o espaço que esse corpo ocupa no mundo, ao qual o esquema corporal vai além do organismo para se impregnar na motricidade, na linguagem e na historicidade, marca o que chamamos de atitude fenomenológica.

Para Merleau-Ponty (1994), não estamos diante do nosso próprio corpo, mas estamos em nosso corpo ou, antes, cada um é “o seu próprio corpo”, ou seja, rompe-se com a ideia de “objeto de estudo” e passamos a compreender o corpo na esfera da existência em nossa condição humana de sermos corpos vivos. Vamos evidenciar os conceitos de corpo e motricidade de acordo com as perspectivas de Merleau-Ponty. Isso é importante a fim de observar quais as implicações dessas percepções para a Educação Física.

Fenomenologia

Vejamos o que é a Fenomenologia, a sua origem enquanto movimento filosófico e seu conceito essencial para a compreensão do próprio corpo e da motricidade. De acordo com Dartigues (2008, p. 9), a “Fenomenologia é o estudo ou a ciência do fenômeno.” A consciência humana pode transcender como existência, como essa consciência irá conduzir e reconduzir o fenômeno psíquico, compreendendo, assim, que o “corpo” não é um objeto, e sim uma forma de existência, de compreensão e de escolhas, para que cada um em sua essência e individualidade compreenda o mundo ao redor.

Mas, afinal, o que é Fenomenologia?

Segundo Merleau-Ponty (2011), é uma filosofia que repõe tudo o que é essencial à nossa existência, ou seja, a Fenomenologia permite que o homem se compreenda e compreenda o mundo a partir dos fatos, de seus problemas. Isso só será possível por meio da percepção.

A percepção é uma interpretação daquilo que sentimos, ou seja, a partir das nossas sensações, captadas através dos nossos sentidos, nossa mente e nossa consciência geram uma interpretação, chamada de percepção. Nessa percepção, teremos a essência da consciência, por exemplo. Assim, a Fenomenologia é uma filosofia que transcende a compreensão e as afirmações daquilo que, naturalmente, poderíamos chamar de atitude natural. É uma filosofia para qual o mundo já está sempre ali, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço consiste em reencontrar esse contato ingênuo com o mundo para dar-lhe, enfim, um estatuto filosófico (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 1).

Entenderemos a Fenomenologia de Merleau-Ponty como uma possibilidade de perceber o corpo como a manifestação de sua existência, de estar vivo. Por meio do corpo, o ser humano se relaciona diretamente com os outros e com o mundo. Assim, o movimento será compreendido como uma linguagem sensível, que por si só é intencional. Logo, o indivíduo se movimenta quando deseja.

Os “fenômenos” são simplesmente fatos, acontecimentos que podemos observar. Sendo assim, além dos fenômenos, as situações e as relações terão um sentido para cada pessoa de acordo com o modo que se sentirão afetadas e trarão um sentido afetivo. Não haverá então uma sensação física isolada, mas, sim, uma interpretação ligada à emoção.


A emoção existe a partir de uma situação que vivemos. Quando consideramos seus aspectos fisiológicos, abrimos espaço para o sentir e a compreensão dos afetos e das emoções, que justamente fazem com que nós possamos existir com as nossas características, nosso temperamento e nossas emoções.

Merleau-Ponty ampliará a compreensão de corpo a partir de fatos fisiológicos, psíquicos e existenciais, apresentando a noção do esquema corporal e a relação com a noção de espaço e movimento. Para ele, as relações ordinárias do espaço não podem transpor o contorno que o próprio corpo faz, ou seja, as atitudes que tomamos, a nossa postura e o nosso tônus serão a expressão daquilo que estamos vivendo corporalmente. A partir daí, seremos capazes de dar um significado à proprioceptividade e interoceptividade por meio dos conteúdos cinestésicos e articulares. Ou seja, com o olhar da Educação Física, entendemos a disponibilidade corporal do outro a partir de sua postura, seu movimento e sua receptividade, portanto de suas emoções expressas por meio do movimento.

Proprioceptividade

Palavra derivada de propriocepção que é a capacidade que o próprio corpo tem de avaliar em que posição se encontra a fim de manter o perfeito equilíbrio parado, em movimento ou ao realizar esforços.

Interoceptividade

A interocepção corresponde aos próprios processos neuropsíquicos, como desejos, sentimentos, emoções e sensações. Não se pode descartar que a interocepção tenha uma dimensão consciente e/ou inconsciente.

Relação entre a percepção e as ações

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MÓDULO 2


Identificar as diferenças entre a corporeidade e a motricidade humana a partir dos conceitos de cada uma

Corporeidade e motricidade

Neste módulo, estudaremos os conceitos de movimento humano e motricidade humana e sua relação com a Educação Física. Essa abordagem é necessária para que possamos evitar alguns equívocos que ocorrem nesta área de construção científica: a dificuldade para se diferenciar consciência, vontade e intenção, como também a condição de sujeito e objeto no movimento humano.

O movimento humano refere-se ao deslocamento do corpo em um determinado espaço, e não à intencionalidade operante que é invisível. Quando um indivíduo se movimenta sem saber a intenção ou qual o objetivo desse deslocamento, significa que está agindo de maneira mecânica. O desenvolvimento da consciência permite que o sujeito tenha a vontade que será responsável pela intencionalidade operante da sua realidade e da sua dimensão invisível e causal.

Conceitos

A Idade Contemporânea, no início do século XVIII, foi marcada pela Revolução Industrial e todas as modificações importantes decorrentes dessa época. As relações sociais se modificaram na mesma proporção em que a produção industrial ocupou seu lugar com a mecanização dos meios de produção, provocando êxodo rural e modificando de forma brusca o tempo, o trabalho e, principalmente, o ritmo e as relações com o corpo. A cultura, a economia, a produção e o acúmulo de bens estimulam ainda mais o trabalho em longas jornadas e as atividades diárias pouco a pouco impõem a esse corpo uma nova forma de existência.

Tempos depois, essa transformação social atinge seu ponto máximo com o desenvolvimento do individualismo, modificando as relações e as trocando por quantificação, em que a percepção do tempo para o homem passa a ser completamente alterada, interferindo no respeito ao corpo e aos seus limites, aumentando a carga de trabalho e a fadiga.

Compreendemos o conceito de motricidade primordialmente como uma expressão orgânica e psíquica que antecipa o movimento. O ato motor é então o gesto de forma complexa que representa cinestésica e articularmente a tradução do que foi visto. De modo permanente, a motricidade humana revela o ser humano a partir de sua experiência traduzida em movimento. O homem, a partir do seu movimento, desenvolve sua própria compreensão.

A Educação Física tem como objeto de estudo o movimento humano, entendendo que a cultura de movimento, o espaço de intervenção social, é sempre refletida no corpo.

A motricidade, portanto, é o aspecto fundamental da vida humana, integrando a sensibilidade e a intenção motora naquele corpo, formando uma integração plena e sólida, mas, ao mesmo tempo, complexa. Podemos observar a motricidade em diversas esferas da vida cotidiana ou específica de um atividade laboral: nos momentos de lazer, voltada para a saúde, a motricidade que se expressa através da dança, do folclore, das atividades circenses, a motricidade do alto rendimento, a motricidade terapêutica, funcional e de reabilitação e ainda a motricidade da formação humana, que representa a educação.

Todas essas possibilidades são importantes e constroem quem somos. São fundamentais para a construção do corpo e a evolução em sua construção, principalmente, para a Educação Física, tendo em vista que a construção do corpo e da motricidade é fundamental para a nossa profissão.

A motricidade humana em Manoel Sérgio

Manuel Sérgio (1995) era um filósofo português preocupado com os problemas ontológicos, epistemológicos e políticos, deixados pela tradicional Educação Física. Ele propôs outro olhar para a Educação Física, pensando sobre a forma como os profissionais da área do conhecimento humano poderiam atuar e se desenvolver, além de considerar a perspectiva de visão do corpo e do homem, integrando o esporte, as lutas, a ginástica, os jogos e a dança.

Na ciência da motricidade humana (CMH), temos a motricidade como o movimento com a intencionalidade (vindo de Merleau Ponty) que transcende, pois o movimento é intencional. Os primeiros estudos e relatos da Educação Física têm suas origens nas ciências naturais e passaram a representar a defesa e o discurso do racionalismo. À medida que o estudo evoluiu e se consolidou, houve a separação das duas realidades que se servem, ou seja, ontológicas: “ser humano como sendo uma conexão indissolúvel das ontologias res cogitans (alma) e res extensa (o corpo), ou seja, uma complexidade” (PEREIRA, 2006, p. 140) e não apenas um físico tão-só.

Diante de tudo isso, foi necessário um momento em que se descontinuasse tudo o que já havia sido pensado para dar início a uma mudança, uma inovação, sendo uma forma de acompanhar as evoluções no âmbito das ciências e fazer com que a área denominada Educação Física pudesse avançar do ponto de vista qualitativo, sendo assim um campo do saber. Diante disso, foi feito um corte epistemológico, com o intuito de se definir novos olhares e horizontes que até então não haviam sido estudados ou abordados na Educação Física tradicional. Isso foi necessário devido a uma falha, uma lacuna no âmbito da cientificidade, uma carência de conhecimento dos profissionais que já atuavam na área da Educação Física.

Ontológicas

Ontologia (do grego ontos, que significa "ente", e logoi, que significa "ciência do ser") é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres objeto de seu estudo.

A motricidade humana é, então, uma ciência do homem, que compreende tudo o que acontece socialmente, ou seja, seus fenômenos sociais. As transformações consagram o sentido da vida e suas potencialidades, que são observadas em uma linguagem nova e com um olhar de uma prática mais autêntica.

A CMH terá então a ação motora como sendo seu objeto de estudo, o corpo em movimento. Esse movimento está relacionado ao ser humano que tem suas carências e é finito, que não é especializado e faz parte de um todo buscando a sua transcendência. Sendo um estado contínuo, a motricidade humana busca métodos de diferentes ramos do saber científico, avaliando sua trajetória de vida e sua validade cognitiva, entendendo a relação da sociedade com a história baseada em teorias científicas. Isso significa que o ser humano tem uma natureza em que o corpo não é físico, e sim multidimensional, e cria seus significados a partir do que é pré-reflexivo e o que é reflexivo. Lembramos que o corpo faz parte de um sistema de interrelações, e justamente essa crise entre estar apoderado porque não é empoderado se discute dentro da perspectiva do existir, do saber absoluto e da atitude inusitada do ser humano.

Definindo melhor a ciência da motricidade humana, vamos entender que seus estudos são centrados na ação e na conduta motora, tanto em suas buscas e modificações internas como externas, a partir de sua intenção e da superação de sua própria condução. Ou seja, a educação motora poderá ser desenvolvida e ensinada à criança desde a primeira infância até que se torne um idoso. Por meio da motricidade, o indivíduo pode desenvolver e melhorar as habilidades e as capacidades motoras.

A motricidade humana, então, é a ciência que explica e compreende as condutas motoras. O ser humano vive em constante movimento, é capaz de ultrapassar seus limites e essa característica pode ser estudada a partir de uma ciência a fim de alcançar um objetivo.

A Educação Física se apropria e se beneficia do conhecimento de outras ciências de forma interdisciplinar e transdisciplinar. Considerando as diversas possibilidades da conduta motora, o ser do homem implica um olhar para a sua corporeidade e a sua motricidade em uma perspectiva ontológica, êntica, ôntica e antropologicamente concebida, a partir daquilo que o homem tem como suas carências físicas, emocionais, biológicas, psicológicas, sociais além de outras inerentes ao ser humano. A CMH terá seus estudos e pressupostos pautados em três pilares: o homem, a sociedade e o corpo.

Vemos o homem como um ser único e singular que trará consigo seus medos, suas angústias e seus sonhos, mas, principalmente, seus valores. Dessa maneira, podemos dizer que o ser humano transcende a sua realidade. Isso significa que nascemos incompletos e biológicos e será a necessidade de conviver em uma sociedade que dará ao homem a condição de ser um ser social, sem deixar de ser biológico. Destacamos aqui que a cultura modifica a sua biologia através de medicamentos, movimento, gasto energético e outras coisas.

Êntica

Na ontologia, estudamos a existência do homem ao qual chamaremos de "Ser". Este homem (Ser) em uma constituição particular será "ente" que nessa perspectiva ontológica reflete o "Ser do Homem". Assim, observamos a motricidade humana singular em cada indivíduo.

Ôntico

Ôntico (do grego ὄν, flexão ὄντος: "do que é") é a existência física, real e factual. Refere-se à dimensão concreta, específica e local do ente. Trata-se de uma ontologia “regional” ou limitada que se ocupa exclusivamente do campo dos entes, excluindo a questão do ser, que é o campo da ontologia.

A ciência da motricidade humana, então, estuda o movimento que transcende por ser um movimento intencional. Assim como aprendemos com Merleau-Ponty, essa ciência se constitui a partir da percepção e da tomada de consciência do indivíduo, ou seja, isso possibilita uma superação e se preocupa com a complexidade e a integralidade do indivíduo, tendo em vista que representa sua corporeidade. Entendemos, assim, que a CMH favorece a educação humana, dando-lhe um significado e um sentido, preocupando-se com o indivíduo em sua totalidade, possibilitando sua superação e representando a sua corporeidade.

Tanto a corporeidade vista em Merleau-Ponty como a CMH vista sob a perspectiva de Manoel Sérgio (2000) são olhares importantes para o crescimento e o desenvolvimento da Educação Física. Em ambas as perspectivas, nossos estudos e desenvolvimentos enquanto profissionais são direcionados para uma melhor compreensão desse “corpo” que pertence a uma “consciência” e se expressa a partir de suas emoções e pode ser estudado, desenvolvido e aprimorado a partir da ciência. Esse estudo considera também as características físicas e biológicas, além de aspectos sociais, seus valores e suas necessidades, ou seja, suas carências.

A relação da Educação Física com a saúde e a qualidade de vida das pessoas

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MÓDULO 3


Relacionar aspectos da corporeidade e da motricidade humana que contribuem para a formação e intervenção do profissional de Educação Física

Motricidade humana e Educação Física

No módulo anterior, vimos que a ciência da motricidade humana é independente e estuda a transcendência do movimento intencional no ser humano. Foi a partir dela que se propôs uma reconstrução epistemológica para a Educação Física, de forma que uma nova ciência do homem fosse consolidada e um novo objeto de estudo para essa área do conhecimento fosse instituído: a própria motricidade humana.

A ciência da motricidade humana favoreceu a educação humana, dando-lhe sentido e significado e possibilitando a superação, preocupando-se em compreender o indivíduo em sua complexidade, representando a sua corporeidade. Reconhece a Educação Física como sua pré-ciência e apresenta a educação motora como seu ramo pedagógico. Desse modo, a motricidade humana contribui com a educação e com a formação do ser humano crítico e autônomo. Vejamos agora como a corporeidade e a motricidade humana contribuem para formação e intervenção do profissional de Educação Física.

Conceitos

A Educação Física encanta por estudar o movimento executado em um jogo recreativo, em uma dança ou em um esporte de alto rendimento. Analisar o movimento de maneira segregada, considerando apenas aspectos fisiológicos, como o consumo de calorias, ou simplesmente os aspectos psicológicos, como o nível de estresse ou ansiedade, não é suficiente para expressar o que, de fato, acontece em um corpo em movimento. Esta visão é bem reducionista e exclui a complexidade do ser humano enquanto indivíduo físico, psicológico, social e cultural, ou seja, toda sua interação complexa e interdependente.

O movimento se relaciona com a compreensão e o entendimento de que o mundo interage com o corpo e com o sujeito. Manoel Sérgio pontua que a motricidade nasce com um sinal da corporeidade, a disponibilidade do homem a outros sujeitos e ao mundo o liberta, em certa medida, da solidão. “Não estou diante do meu corpo, estou no meu corpo, sou o meu corpo”, essa afirmação de Manuel Sérgio (1989) nos dá uma ideia da complexidade de tudo o que compõem o indivíduo, como suas experiências e a interrelação dessas vivências com o seu sistema nervoso. A motricidade humana envolve aspectos diferentes de áreas diversas que tratam do ser humano. Isso é refletido, por exemplo, na vontade que observamos em atletas, que não apenas reproduzem movimentos, mas se movimentam com o objetivo sempre de se superar. Isso revela o que chamamos de intencionalidade operante.

No âmbito da Educação Física, não se pode observar o corpo somente como uma estrutura de músculos, ossos e articulações. O movimento produzido pelo sujeito, que deseja e age, reflete sua intenção e manifesta por meio do próprio corpo o entendimento daquilo que percebeu e extraiu do mundo.

Destacamos aqui que a motricidade humana é um acontecimento complexo e não nasce pronta. Essa é uma importante condição a ser observada no desenvolvimento e na atuação pelo profissional de Educação Física. Não existe uma ordem cronológica exata e nem um estágio em que cada movimento será construído, tendo em vista que isso é influenciado e depende de uma interação com o meio social. Note que não nos referimos às fases de desenvolvimento motor humano, nem mesmo aos tipos de movimentos (reflexos, rudimentares, fundamental), pois estes têm um tempo cronológico estimado para que ocorram mudanças. Nós nos referimos aos movimentos intencionais produzidos pelo sujeito que deseja e age. O homem apresenta múltiplas dimensões que influenciam a sua motricidade, e a construção desse corpo pode ser feita em infinitas possibilidades.

A motricidade é a corporeidade representada pela intenção de um movimento. Vamos então direcionar nosso olhar para o foco de estudo da Educação Física, o que ele compreende e o que intervém. Já sabemos que o corpo humano é o objeto de nosso estudo. Durante muito tempo, o corpo foi analisado de maneira segregada e dividida em áreas distintas de atuação, como Anatomia, Biologia, Psicologia, Fisiologia humana, entre outras. Havia uma visão dualista do homem na Educação Física, principalmente, quando nos remetemos à visão dicotômica do filósofo francês René Descartes (1596-1650) que traz a ideia de corpo máquina ou corpo objeto, onde o corpo se movimentaria sem nenhum tipo intencionalidade.

Descartes relacionava o movimento corporal a um trabalho mecânico e sem reflexão. Neste caso, quando o corpo apresentasse algum “defeito”, poderia ser simplesmente “consertado” ou ter suas peças substituídas. Essa não é a visão que o profissional de Educação Física deve ter acerca de seu objeto de estudo. Ao mesmo tempo que os saberes das diversas áreas são importantes de maneira separada, entendendo que o aprofundamento específico é muito rico e válido, não podemos perder de vista a totalidade do ser humano. Nesse sentido, a Educação Física deve cuidar do corpo e considerar que a sua intencionalidade caracteriza a sua corporeidade.

É preciso uma reflexão profunda nesse sentido. A visão de corpo objeto ainda pode ser encontrada em conceitos estéticos das sociedades modernas, tendo em vista padrões corporais pré-estabelecidos que estimulam pessoas a seguirem este modelo. Não é à toa que o número de cirurgias plásticas aumenta a cada ano. Há uma busca pela manipulação desse corpo objeto a fim de se alcançar uma beleza padronizada.

O corpo objeto faz parte de um sistema social que tem interesses em troca. A divisão desse corpo em “partes”, como se fosse uma mercadoria, naturalmente, obedece a uma lógica desse sistema e instiga o consumo de bens, tendo a ideia e a meta de um “corpo ideal” que, na maioria das vezes, é inatingível.

Essa meta não alcançada gera uma enorme angústia e sensação de fracasso, além de interferir em reflexões da corporeidade. A frustração é uma sensação experimentada quando um corpo não alcança a meta almejada, vive-se uma corporeidade alterada.

A Educação Física deverá, portanto, a partir de uma abordagem mais biológica, priorizar a manutenção da saúde corporal, a melhora do condicionamento físico e o desenvolvimento das capacidades físicas e habilidades motoras. Contudo, de maneira alguma, deve esquecer a corporeidade, observando o ser humano e seus movimentos. A Educação Física não deve perpetuar a ideia de um corpo que pode ser uma máquina perfeita, e sim que o ser humano tem uma corporeidade viva, existencial e sensível.

Assim, o profissional da área deve considerar o sujeito como um indivíduo biológico, que faz parte de um contexto social, com o qual se relaciona e, muitas vezes, pode não compreender os valores de onde está inserido.

Cabe à Educação Física compreender esse homem em sua totalidade, a fim de direcionar sua intervenção na busca de um corpo “possível” em uma prática sistematizada e adequada à saúde de seus alunos. O profissional deixa de lado o modismo ou os estereótipos criados pela mídia, procurando contribuir para superação e melhora de cada sujeito dentro de suas carências e suas possibilidades.

A motricidade humana tem como objeto de estudo o movimento humano intencional, que permite a transcendência e possibilita a superação do indivíduo em sua totalidade, de forma consciente e complexa. A corporeidade se insere na Educação Física, superando o dualismo cartesiano e apresentando a educação motora com um novo olhar. As contribuições da motricidade humana terão relação com a preocupação em contribuir para a formação de um ser humano capaz de modificar a si mesmo e ao mundo, sendo um verdadeiro cidadão.

A relação da Educação Física com a motricidade e a construção de estereótipos

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Conclusão

Considerações Finais

Conforme aprendemos, a forma como percebemos o mundo tem sempre a relação com o outro, o mundo humano e o mundo da cultura. O sujeito é constituído a partir de sua relação com o presente e com sua história, incluindo a familiar. À medida que entendemos o processo do homem na história, compreendemos a conotação do corpo e a importância da saúde, nos aspectos estéticos, laborais e de performance. A identificação desse corpo depende de várias vertentes, porém, o âmbito da saúde será o foco da Educação Física, sendo importante para todo e qualquer corpo.

O sentido da vida permite focar no fenômeno da motricidade no cotidiano, na motricidade do treino de alto rendimento do esporte, na motricidade especializada do trabalho, na motricidade do lazer, na motricidade da saúde, na motricidade expressiva da arte (capoeira, folclore, dança e atividades circenses), na motricidade funcional terapêutica e de reabilitação e na motricidade da educação e da formação humana. Isso torna necessário um olhar que considera a subjetividade e a corporeidade do sujeito, sem esquecer que a ciência é o respaldo que precisamos para a manutenção e obtenção da saúde na totalidade de seu significado, seja no psicológico, corporal, espiritual, político e social.

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