Descrição

Estudo do efeito do exercício na via de transferência de energia aeróbia do corpo humano.

PROPÓSITO

Compreender como a via de produção aeróbia de energia permite que exercícios aeróbios sejam executados adequadamente, e quais adaptações a prática regular de exercício físico induz na via de produção do metabolismo aeróbio é fundamental para a atuação dos profissionais de saúde que trabalham com exercícios físicos.

OBJETIVOS

Módulo 1

Reconhecer a via glicolítica em todas as suas etapas e a produção de ATP a partir do metabolismo anaeróbio e aeróbio da glicose

Módulo 2

Identificar o armazenamento dos lipídios e a mobilização pelo tecido adiposo

Módulo 3

Descrever a utilização dos aminoácidos e sua produção pelos músculos na exportação da amônia e na produção de energia

Módulo 4

Identificar o tipo de exercício do estado estável e as fases rápida e lenta do EPOC

Introdução

Neste tema, vamos estudar as vias de transferência de energia no corpo humano que são responsáveis por aumentar o metabolismo e permitir a execução do exercício, seja ele de baixa, moderada ou alta intensidade e duração.

Vamos também conhecer a via glicolítica na produção de ATP a partir do metabolismo da glicose e como essa via se relaciona com os exercícios de alta intensidade, como a musculação ou o treinamento funcional.

Posteriormente, trataremos de outras moléculas: os lipídios e as proteínas. Você verá como ocorre a mobilização dos lipídios a partir dos adipócitos e como as proteínas participam do metabolismo energético no exercício.

Por fim, apresentaremos conceitos importantes da fisiologia do exercício e suas relações com a prescrição de exercícios e o excesso de consumo de oxigênio após sua prática, também conhecido pela sigla EPOC.

MÓDULO 1

Reconhecer a via glicolítica em todas as suas etapas e a produção de ATP a partir do metabolismo anaeróbio e aeróbio da glicose

Via de transferência aeróbia de energia

A via de transferência aeróbia de energia faz parte das adaptações morfológicas, estruturais e funcionais que os seres humanos desenvolveram ao longo do processo evolutivo, talvez desde 3,5 milhões de anos em nossos antepassados mais distantes como o Australopitecos.

Segundo estudiosos, a capacidade de retirar a energia química dos macronutrientes (carboidratos, lipídios e proteínas), por meio de reações bioquímicas dependentes da presença de oxigênio, teria permitido aos seres humanos se deslocarem por longas distâncias de forma ininterrupta.

Alimentos fontes das três classes de macronutrientes: carboidratos, proteínas e lipídios.

Lembre-se que, há milhares de anos, o processamento e o armazenamento dos alimentos inexistiam. Provavelmente, os primeiros humanos tinham de percorrer dezenas de quilômetros por semana em busca de alimentos. Embora não exercitemos essa capacidade de caça como antes, no esporte, o desenvolvimento da adaptação evolutiva aeróbia explica o sucesso dos atletas em provas de longa duração.

Você sabia

Veja que interessante: evidências indicam que a raça humana surgiu no continente africano, ou seja, as corridas semanais de muitos quilômetros teriam sido praticadas pelos nossos antepassados desse continente. Curiosamente, tem-se observado que variações no DNA mitocondrial estão associadas ao sucesso de atletas quenianos em provas de longa distância. Como se verá nesse tema, a mitocôndria é a principal organela do metabolismo aeróbio.

Diversos estudos científicos indicam que a redução da prática de atividades físicas e exercícios nas sociedades industrializadas parece contribuir substancialmente para o aumento de doenças crônico-degenerativas. Aqui, são necessários alguns esclarecimentos.

A atividade física é definida como:

“qualquer movimento produzido pelos músculos esqueléticos que resulte em gasto de energia”

(CARPENSEN, 1985).

Nesse sentido, o exercício físico é um subcomponente da atividade física cuja definição é:

“a atividade física que é planejada, estruturada, repetitiva e proposital no sentido que melhora ou mantém um ou mais componentes da aptidão física”

(CARPENSEN, 1985).

Aptidão física, por sua vez, é um atributo que as pessoas possuem ou conquistam, de modo que estar fisicamente apto é:

“ter a capacidade de realizar as atividades da vida diária com vigor e prontidão, sem sentir fadiga demasiada e com ampla energia para desfrutar das atividades de lazer ou atender as situações inesperadas”

(CARPENSEN, 1985).

Em concordância com o que foi dito acima, a via de produção de energia é essencial para a sobrevivência da espécie humana e não a “utilizar adequadamente” implica em potencial perda da capacidade de sobreviver. De fato, as doenças hipocinéticas, relacionadas à capacidade funcional reduzida, são a principal causa da perda de milhões de vidas todos os anos. Considere, por exemplo, somente as mortes por doenças cardiovasculares e os diversos tipos de câncer!

A partir da década de 1950, começaram a surgir evidências de que, quando essa adaptação evolutiva não é usada, surgem as doenças.

Um dos primeiros estudos sobre a relação entre atividade física e doenças cardiovasculares demonstrou que cobradores dos ônibus londrinos (aqueles de dois andares) apresentavam metade da taxa de mortalidade de seus parceiros motoristas. Note que os cobradores subiam cerca de 500 a 750 degraus por dia enquanto os motoristas, evidentemente, só permaneciam sentados (MORRIS et al. 1954).

Outro estudo avaliou a mesma questão em profissionais de acordo com o tipo de trabalho: “leve”, “moderado”, “pesado”. Em dois anos de acompanhamento, faleceram 2.500 trabalhadores por doença cardiovascular e a quantidade de óbitos entre sujeitos do grupo “trabalho leve” foi cerca de 2,5 vezes maior que a do grupo “trabalho pesado.” (MORRIS et al. 1953)

O sedentarismo pode ser entendido como a não utilização da via aeróbia de produção de energia e tem graves consequências na saúde humana.

Como vimos, a capacidade aeróbia é essencial à sobrevivência. Existe uma infinidade de estudos sobre a influência do consumo máximo de oxigênio (VO2máx) como medida da aptidão aeróbia e taxa de mortalidade.

Dito de outra forma, a compreensão dos fatores limitantes, das formas de diagnóstico e da prescrição de treinamento físico relacionados à aptidão aeróbia pode ser considerada importante, tanto para a maximização do desempenho esportivo, como para a manutenção da saúde.

Já deve estar claro que os seres humanos dependem sobretudo do metabolismo aeróbio (a chamada via aeróbia de produção de energia no corpo) para realizar atividades e/ou exercícios de média e longa duração, como por exemplo corrida, natação ou andar de bicicleta. Quando se trata de metabolismo aeróbio, a forma mais eficiente de avaliar a capacidade da via aeróbia de produção de energia sustentar o exercício aeróbico é a medida direta do consumo de oxigênio (VO2máx).

O VO2máx reflete a capacidade aeróbia do organismo e pode, portanto, ser considerado como o somatório da capacidade de produção da via aeróbia de energia de todas as células. Em função disso, é preciso entender como essa via energética funciona em cada uma das nossas células para então compreender esse importante tópico da fisiologia do exercício, que é o metabolismo aeróbio e o exercício.

Carboidratos e exercício

Dos três principais macronutrientes —carboidratos, ácidos graxos (lipídios) e proteínas (aminoácidos) —, apenas os carboidratos podem ser degradados sem a presença do oxigênio, isto é, de modo anaeróbio. Para que esse metabolismo seja entendido, recorde que o produto da ingestão de açúcares ou de fontes de amido da dieta é a glicose.

Assim, com a ajuda da insulina, tanto a musculatura esquelética quanto o fígado armazenam glicose na forma de glicogênio.

A insulina modula a captação de glicose (via transportador GLUT4) e a formação de glicogênio no tecido muscular.

O fígado, por sua vez, capta glicose sem a necessidade de que transportadores de glicose sejam estimulados por esse hormônio, mas a insulina é importante para a formação do glicogênio hepático.

O glicogênio do tecido muscular é utilizado para a realização da contração muscular.

O glicogênio hepático é utilizado para a manutenção de glicose no sangue (glicemia).

Chegado o momento da utilização de glicose (no caso do músculo esquelético pode ser o exercício, por exemplo), o glicogênio, por meio de um processo denominado glicogenólise, é degradado para ser separado nas moléculas de glicose que o constituem.

Quanto à metabolização da glicose em si, o primeiro estágio de degradação de carboidratos recebe o nome de glicólise (literalmente significa “quebra de glicose”). Este é o “momento” no qual os carboidratos podem ser metabolizados sem a presença de oxigênio. Tal fato ocorre na glicólise que é, portanto, uma via anaeróbia, na qual uma molécula de glicose com 6 carbonos é degradada em duas moléculas de 3 carbonos cada (de piruvato ou lactato).

Saiba mais

Embora a maioria dos tecidos utilize a glicose completamente no metabolismo aeróbio (situação na qual a glicólise será a primeira etapa anaeróbia e o restante do processo será aeróbio), as hemácias utilizam exclusivamente a glicólise (ou via glicolítica) como fonte de energia.

Agora um alerta importante: Foi dito que a glicólise é uma via metabólica do catabolismo da glicose na qual essa molécula é processada sem a necessidade de oxigênio. Inicialmente, a partir da década de 1920 e, durante muitas décadas, acreditava-se que a glicólise (que leva à produção de lactato) ocorria nas fibras musculares e em outros tecidos pela falta (insuficiência) de oxigênio na fibra muscular ou outros tipos celulares. Contudo, hoje se sabe que o lactato é produzido e removido continuamente. De fato, em repouso, há dez vezes mais lactato que piruvato. Então, embora a via glicolítica não necessite de oxigênio, isso não significa que ela ocorre porque não há oxigênio.

Piruvato

Forma da glicose que é direcionada para o metabolismo mitocondrial – depois de ser convertido a Acetil-CoA.

Diz-se que a via glicolítica (glicólise) é uma via metabólica, porque ela ocorre numa sequência específica que envolve de 10 a 11 reações, cada uma das quais catalisada e regulada por uma enzima diferente. Conforme se viu, ela é chamada de anaeróbia, porque o oxigênio não está envolvido diretamente no processo.

A via glicolítica é muito ativa na musculatura esquelética, particularmente, nas chamadas fibras glicolíticas (também conhecidas por brancas ou tipo IIx), pois essas contêm elevadas concentrações de enzimas glicolíticas. Note que isso significa que essas fibras têm na via glicolítica sua principal forma de obtenção de energia durante o exercício. Apesar disso, fibras vermelhas (tipo I) e cardíacas (altamente oxidativas) também podem utilizar essa via.

Alguns autores dividem o metabolismo completo da glicose — que inclui o metabolismo anaeróbio (que não precisa de O2) e o aeróbio da molécula — em quatro diferentes estágios. Nesse contexto, a via glicolítica estaria compreendida no estágio I. Muito da importância da via glicolítica consiste basicamente em preparar a glicose a “entrar” no próximo estágio de seu metabolismo ao converter glicose em piruvato. Além disso, a importância desse primeiro estágio da glicose é permitir a produção anaeróbia de energia (ATP) que, como foi dito, só pode ser feita a partir de carboidratos.

Atenção

A glicólise começa com a glicose ou com o glicogênio (no caso da glicose armazenada) e termina com a produção de piruvato (no caso da metabolização completa da glicose na mitocôndria) ou de lactato (no caso de a metabolização da glicose ser parcial e a energia ser oriunda predominantemente desse processo anaeróbio).

Cada passo da glicólise é catalisado por uma enzima específica. Note, entretanto, que em uma via apenas algumas enzimas são especialmente importantes, já que elas exercem papéis regulatórios ou passos limitantes. Imagine que essas enzimas reguladoras da taxa de produção de energia em uma via funcionam como semáforos que regulam o fluxo, não de carros, mas de energia.

A glicólise ocorre no citoplasma da célula por meio das enzimas que ficam flutuando nesse local. Assim, conforme os substratos sofrem a ação de determinada enzima, uma outra passa a atuar logo em seguida.

Um resumo da via glicolítica

Em uma descrição mais detalhada que a figura anterior, temos a via glicolítica em 11 passos.

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Passo 1

Ocorre a colocação de um fosfato na molécula de glicose que vem da corrente sanguínea. Note que há o gasto de um ATP nessa ação de fosforilação (colocar fosfato). Na figura anterior, há um estágio de investimento. Pois bem, parte do “investimento” é esse ATP. Por fim, repare que, se a glicose for oriunda do glicogênio, ela já estará fosforilada e não haverá o gasto inicial de ATP.

Passo 2

Os átomos da glicose 6-fosfato são rearranjados em suas posições, de modo a formar frutose 6-fosfato.

Passo 3

Há um novo passo no estágio de investimento, uma vez que um novo ATP é hidrolisado, um fosfato é adicionado ao primeiro carbono da frutose 6-fosfato, resultando na produção de frutose 1,6 bifosfato (os prefixos di ou bis significam “dois”). Ou seja, agora dois fosfatos fazem parte da molécula. Note que esse passo é catalisado pela enzima fosfofrutoquinase (PFK, na sigla em inglês), que é a enzima regulatória mais importante da via glicolítica.

Passo 4

A molécula que até aqui tinha 6 carbonos, é quebrada em 2 moléculas (açúcares) com 3 carbonos com dois nomes diferentes (dihidroxiacetona fosfato e gliceraldeído 3-fosfato) devido ao fato de os átomos estarem arranjados em posições diferentes.

Passo 5

Os átomos da molécula de dihidroxiacetona fosfato são rearranjados para formar gliceraldeído 3-fosfato (um já havia sido formado no passo anterior).

Passo 6

Este passo consiste em duas reações associadas (acopladas). Na primeira, um par de átomos de hidrogênio é transferido da gliceraldeído 3-fosfato para o carreador NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo), convertendo-o à sua forma reduzida, NADH + H+. Nessa primeira reação, há uma liberação de energia suficiente para realizar uma outra que consiste em adicionar um fosfato inorgânico (Pi) presente no citoplasma à molécula sob reação resultando em 1,3-difosfoglicerato.

Passo 7

Duas moléculas de ATP são produzidas quando o fosfato é transferido para o ADP. Note que esse é o primeiro estágio da fase de obtenção de energia, indicado na figura anterior.

Passo 8

Consiste em um rearranjo de fosfato de um carbono para outro (do 3 para o 2).

Passo 9

Ocorre a remoção de uma molécula de água para enfraquecer a ligação entre o último fosfato da molécula e seus demais átomos.

Passo 10

Com o enfraquecimento, o fosfato é removido do fosfoenolpiruvato para o ADP, resultando em ATP (mais dois, já que desde o passo 4 se formaram duas moléculas de 3 carbonos. Então será 1 ATP para cada uma dessas moléculas de 3 carbonos) e piruvato.

Passo 11

Caso os hidrogênios carreados como NADH + H+ não puderem entrar na cadeia de transporte de elétrons, esse hidrogênio participará de uma reação na qual será formado lactato. Isso “renova” (oxida) o NADH, de modo que ele volte a NAD participando de reações como as do passo 6. Observe que, se o NADH não for oxidado, a via não pode continuar por falta dessa coenzima.

Antes de passar adiante, repare que, nessa descrição da via glicolítica, foram produzidos 4 ATP (na via). Contudo, na fase inicial, 2 ATP foram usados, assim, o resultado líquido da quebra anaeróbia dos carboidratos equivale a 2 ATP (diferença, portanto, da fase de investimento e da fase de obtenção de energia).

Função do oxigênio no organismo

O processo por meio do qual a energia é transferida das ligações químicas dos alimentos para o organismo é chamado de respiração celular. Esse nome decorre do fato de o organismo ser altamente dependente do oxigênio fornecido pelo sistema respiratório, a fim de que a energia seja produzida. Adicionalmente, como produto desse processo de produção de energia, o dióxido de carbono é exalado pelo sistema respiratório.

A via de produção aeróbia de energia significa que o oxigênio é o aceitador final de elétrons na cadeia de transporte de elétrons.

Na respiração celular, tanto carboidratos quanto lipídios (gorduras) e proteínas podem ser utilizados para a produção de energia. Mais especificamente, as formas imediatas nas quais os substratos são utilizados são:

Glicose (carboidratos)

Ácidos graxos livres
(AGL – lipídios)

Aminoácidos (constituintes das proteínas)

Atenção

Acetil-coenzima A (Acetil-CoA) é a substância central comum a todos os substratos (na qual todos serão convertidos, por isso, é chamada de intermediário comum ou universal do metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. Isso significa que carboidratos, lipídios e proteínas devem ser “preparados” para serem convertidos a Acetil-CoA.

A preparação dos carboidratos foi mencionada: a via glicolítica, embora resulte na produção líquida de 2 ATP, é a preparação para que piruvato seja convertido a Acetil-CoA (o passo 11 do resumo da via glicolítica não ocorreria de forma majoritária) entrando no ciclo de Krebs ou ciclo do ácido cítrico. Já a preparação dos lipídios e das proteínas ocorre, respectivamente, na β-oxidação e desaminação oxidativa ou transaminação, que são simplesmente passos de preparação para conversão de Acetil-CoA. Note ainda que, enquanto a via glicolítica ocorre no citoplasma da célula, as vias de preparação de lipídios e proteínas são mitocondriais.

Assim, como mitocondrial é o metabolismo oxidativo que consiste nas vias do ciclo de Krebs (onde “entra” o Acetil-CoA), a cadeia de transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa também o são.

Fosforilação oxidativa

Não é uma via, mas o processo no qual a ressíntese de ATP ocorre pela energia gerada na cadeia de transporte de elétrons.

Adenosina trifosfato: a moeda de energia da célula

A partir de agora, veremos que os macronutrientes não são a fonte direta de energia para que a actina e a miosina dos músculos realizem contração muscular. A fonte direta de energia para os músculos é a adenosina trifosfato (ATP). As vias metabólicas são necessárias para que moléculas de ATP sejam constantemente ressintetizadas para utilização e, para que este processo funcione, há necessidade da presença de oxigênio.

Dado que todas as células necessitam de energia, não é surpresa que possuam vias metabólicas capazes de converter nutrientes alimentares (gorduras, carboidratos e proteínas) em uma forma de energia biologicamente utilizável. Como dito, isso é possível graças a uma série de reações bioquímicas que dependem da presença de oxigênio. Mas não seria “perda de tempo” armazenar energia de uma forma diferente daquela que já foi armazenada? Isto é, por que armazenar glicogênio, triaglicerol (e ter a possibilidade de usar proteínas), se no final isso não vai ser utilizado diretamente? Na verdade, existem duas razões para isso:

1

Pode-se transferir gradativamente a energia dos macronutrientes para a molécula de ATP (evitando o desperdício).

2

Pode-se evitar a liberação excessiva de energia capaz de oxidar os tecidos orgânicos.

Mas o que é essa molécula chamada de ATP?

Resposta

Brevemente, é uma molécula formada por uma adenosina e três fosfatos — as duas últimas ligações fosfato são de alta energia, ou seja, uma vez quebradas por hidrólise, liberam energia que é utilizada pela fibra muscular.

Tendo sido justificada a necessidade de existir um intermediário que faz a ponte entre os nutrientes e o trabalho biológico, poderíamos pensar o seguinte: se utilizar a energia por meio do ATP é melhor, por que não simplesmente converter toda reserva de carboidratos e lipídios do corpo em ATP?

De fato, é exatamente o oposto disso que se observa, pois a quantidade de ATP presente na musculatura esquelética (fibras rápidas, em especial) sustentaria apenas 1 (um) segundo de contração muscular.

Acontece que a molécula de ATP é muito “pesada” (existindo cerca de 80-120 g no organismo) e apresenta pouca mobilidade (não é trocada entres os tecidos de modo significante). Além disso, no músculo esquelético, apenas uma pequena quantidade está disponível num dado momento (sendo suficiente, como já mencionado, para poucas contrações).

A solução encontrada pela natureza para lidar com esse problema é disponibilizar continuamente para a fibra muscular uma molécula que se encontra em pequena quantidade na própria fibra e “ressintetizar” a molécula de ATP. Então, assim que ela forneça a energia da última ligação fosfato de alta energia, a molécula é “refeita”.

Para se ter uma noção da magnitude desse processo de ressíntese, basta dizer que, durante uma maratona, a quantidade de ATP ressintetizada corresponde a cerca de 75 kg (lembre-se que o peso corporal de uma maratonista de elite costuma ser menor que isso!). Não fosse pela ressíntese, veríamos um sujeito com 60 kg esperando o aviso de iniciar uma maratona com um saco de 75 Kg sobre as costas!

Agora que entendemos que:

1

Substratos armazenados no organismo não fornecem sua energia diretamente para o trabalho biológico.

2

A energia dos substratos é transferida para um intermediário (ATP) que possui ligações fosfato altamente energéticas.

3

O ATP não se encontra em quantidades significativas nos tecidos corporais e precisa ser continuamente “refeito”.

Podemos passar ao estudo das vias aeróbias por meio das quais a energia é produzida no corpo.

Ciclo de Krebs ou ciclo do ácido cítrico

Considerando que é necessário um ajuste no consumo de O2 do repouso para o exercício e que isso acontece na mitocôndria, pode-se, a partir desse ponto, apresentar as vias mitocondriais nas quais o O2 é usado para extrair a energia necessária à ressíntese de ATP.

O piruvato produzido no citoplasma da fibra muscular (via glicolítica) entra na mitocôndria (matriz) e, a partir daí, esse metabólito da glicose é catalisado pela enzima piruvato desidrogenase — transfere hidrogênios do piruvato para a nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD) e remove um carbono do piruvato — e convertido a Acetil-CoA (acetil coenzima A).

O Acetil-CoA, por sua vez, está pronto para participar da primeira reação do chamado ciclo de Krebs (em homenagem ao laureado prêmio Nobel de 1953, Sir Hans Krebs, que contribuiu muito para estabelecer como essa via mitocondrial funciona). Então, por meio da ação da enzima citrato sintase, o Acetil-CoA é complexado com uma substância denominada oxaloacetato produzindo citrato.

Atenção

De todas essas informações, é importante que se entenda que a piruvato desidrogenase é uma enzima passo limitante, ou seja, ela determina as taxas da glicólise, da produção de lactato e do suprimento de carboidratos para oxidação na mitocôndria.

Ainda no que se refere ao ciclo de Krebs, é preciso saber que o Acetil-CoA não é formado apenas a partir do piruvato. Ácidos graxos e aminoácidos também podem ser precursores, indicando assim que essa via funciona como entrada do metabolismo aeróbio (oxidativo) para gorduras e proteínas. Além disso, o próprio ciclo tem uma enzima passo limitante que é a isocitrato desidrogenase (que converte isocitrato a a-cetoglutarato) estimulada por ADP.

A piruvato desidrogenase, a isocitrato desidrogenase e outras enzimas do ciclo de Krebs são sensíveis ao potencial redox (redução-oxidação), bem como ao cálcio. Sobre o tal potencial redox, entenda-o como sendo a taxa de NADH (reduzido) para NAD (oxidado), isto é, a taxa NADH/NAD. Neste contexto, imagine que a função do ciclo de Krebs é extrair hidrogênios das moléculas que participam dele, para que esses sejam enviados para a próxima via mitocondrial oxidativa (cadeia de transporte de elétrons – CTE). Se começa a haver muito NADH em relação ao NAD, o potencial redox aumenta (passa a existir mais NADH que NAD). Isto inibe as enzimas do ciclo de Krebs. Agora, imagine que a musculatura esquelética passe a ser contraída por causa do exercício. Em determinado ponto, os hidrogênios do NADH serão “despejados” na cadeia de transporte de elétrons, logo, passará a existir uma redução do potencial redox (menos NADH), o que estimula o ciclo de Krebs.

Resumindo

Na mitocôndria, acontecem as reações aeróbias (oxidativas). A primeira via aeróbia que é um ponto de convergência para a entrada de derivados de carboidratos, gorduras (ou lipídios) e aminoácidos é o ciclo de Krebs e tal entrada se dá na forma de Acetil-CoA.

Como se fosse uma engrenagem, o ciclo de Krebs está acoplado à cadeia de transporte de elétrons (CTE) e, ao mandar hidrogênio para ela, acaba estimulado em função da alteração do estado redox causada pela própria CTE. Veja na figura a seguir.

Com relação ao ciclo de Krebs, suas desidrogenases são ativadas através do cálcio liberado pelo retículo sarcoplasmático em decorrência do processo de contração muscular. Pode-se dizer com isso que o cálcio é outra forma de ligar o exercício ao metabolismo aeróbio.

Cadeia de transporte de elétrons (CTE)

A via que se segue ao ciclo de Krebs e que fica localizada na membrana interna da mitocôndria, recebe o nome de cadeia de transporte de elétrons (CTE). É nesta via que se dá o processo de fosforilação oxidativa — ou seja, ligação de Pi (fosfato inorgânico) com ADP (ressíntese de ATP) por meio do uso de oxigênio.

De modo muito simplificado, pode-se entender a CTE como uma via na qual os componentes estão dispostos de modo sequencial, onde o hidrogênio e um par de elétrons (oriundos do NADH ou FADH2) acessam o início da cadeia. Então, o hidrogênio (próton) e o elétron vão da área mais eletronegativa (NAD+) até a mais eletropositiva (o oxigênio atômico ao final da CTE).

Deste ponto em diante, o elétron e o hidrogênio (próton) são separados — o primeiro segue na CTE e o hidrogênio é bombeado para fora da mitocôndria. A saída do hidrogênio reduz o pH fora da mitocôndria, além de aumentar sua própria concentração, criando, portanto, um potencial químico e osmótico. Em última instância, é esse potencial químico (pH) e osmótico (prótons de hidrogênio) que fornece energia para a fosforilação oxidativa.

O ADP aumenta a funcionalidade das enzimas do ciclo de Krebs. Logo, podemos afirmar que a CTE é modulada por essa molécula. Por isso, Brooks e Haley (2011) afirmam que o controle do metabolismo celular é um processo simples: assim que iniciada a contração muscular pelo exercício, o ATP é clivado, levando a uma produção constante de moléculas de ADP. Assim, a atividade enzimática do ciclo de Krebs é mantida.

Essa mudança relativa nas concentrações de ATP/ADP (e AMP – adenosina monofosfato) põe a maquinaria da produção aeróbia de energia em movimento aumentado. Ao final do esforço, a maquinaria da respiração celular reajusta as concentrações de ATP, ADP e AMP, reduzindo a “velocidade” de produção de energia pela via aeróbia.

Disso decorre que o consumo corporal de O2 diminui rapidamente em direção aos valores de repouso após o exercício. Evidentemente, isso é uma simplificação. É aconselhável que, com o tempo, você se aprofunde no estudo do controle dos mecanismos bioquímicos e de como a respiração celular é controlada. Isso implica estudar como a enzima creatina quinase e a degradação de creatina fosfato tamponam o ATP (promovem a ressíntese), associando o que ocorre no citoplasma com aquilo que se passa na mitocôndria (ou seja, ajustando perfeitamente o gasto de energia à sua ressíntese). Assim, deve-se buscar, por exemplo, entender a chamada “lançadeira de creatina fosfato”.

Cálculo da produção de ATP

A produção de ATP a partir do metabolismo de carboidratos deve ser entendida como a energia oriunda na glicólise mais aquela produzida no metabolismo aeróbio. Como já mencionado, na glicólise, são produzidos um total de 4 ATP, mas devem ser descontados 2 ATP necessários à ativação da via. A essa produção de ATP se dá o nome de fosforilação ao nível do substrato.

Não se deve, contudo, perder de vista que os hidrogênios transferidos para NAD irão produzir energia na cadeia de transporte de elétrons (são produzidos 2 NADH + H+). Ou seja, diretamente, ao nível do substrato, o resultado são 2 ATP, mas há mais energia a ser obtida de modo “indireto” na mitocôndria e cujo processo começou no citoplasma.

A passagem dos hidrogênios do NADH + H+, entretanto, ocorre pela entrada de NAD, já que a membrana interna da mitocôndria é impermeável a esta coenzima. Na musculatura esquelética, os hidrogênios passam para a mitocôndria (por um sistema denominado lançadeira de glicerol fosfato) diretamente pela flavina adenina dinucleotídeo (FAD). Isso determinará quantos ATP serão produzidos na mitocôndria.

No metabolismo da via glicolítica, são produzidos quatro hidrogênios (extra mitocondriais). Com isso, são formados 2 NADH resultando em 5 ATP na fosforilação oxidativa (o hidrogênio citoplasmático é transferido para a mitocôndria). Quando o piruvato é degradado a Acetil-CoA para entrar no ciclo de Krebs, são liberados 4 hidrogênios (2 NADH) produzindo mais 5 ATP.

Dois ATP são produzidos diretamente no ciclo de Krebs (na verdade, são produzidos trifosfatos de guanosina e GTP, mas como são semelhantes pode-se contar 2 ATP). Ainda neste ciclo são liberados 16 hidrogênios resultando em 15 ATP na cadeia de transporte de elétrons (6 NADH vezes 2,5 ATP por NADH). O ciclo de Krebs resulta ainda em quatro hidrogênios que se unem ao FAD (resultando em dois FADH2), produzindo mais 3 ATP.

Atenção

Somados os 2 ATP da parte anaeróbia da via glicolítica, mais os 30 formados pelo NADH citoplasmático, mais os hidrogênios do ciclo de Krebs, resulta que uma molécula de glicose produz 32 ATP.

VIA GLICOLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

O especialista Reury Frank Pereira Bacurau fala sobre o funcionamento da via glicolítica e da via aeróbia de transferência de energia.

Verificando o aprendizado

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MÓDULO 2

Identificar o armazenamento dos lipídios e a mobilização pelo tecido adiposo

Principais ácidos graxos oxidados

Os principais lipídios podem ser classificados como neutros, compostos e derivados. Os lipídios neutros (triacilgliceróis) constituem 90% da dieta, além de serem a principal forma de armazenamento de lipídios no organismo. Especificamente, a composição de lipídios do tecido adiposo pode refletir o seu consumo a longo prazo — isso reflete bem o ditado:

“você é o que você come”

Estudos constatam que o tecido adiposo reflete o consumo de gordura em uma base anual enquanto os níveis sanguíneos são indicadores do consumo em um período de semanas a meses (AL-SART et al., 2020).

Para que se tenha ideia da dificuldade de determinar os tipos exatos de lipídios presentes no tecido adiposo, foi demonstrado que em uma amostra de 2 mg de tecido adiposo de distintas partes do corpo humano existem 186 lipídios diferentes que pertenciam a 13 classes também diferentes.

Mobilização de ácidos graxos livres

Ainda que os carboidratos possam ser considerados pelo organismo substratos preferenciais em função do menor custo de oxigênio, os lipídios constituem uma importante fonte de energia.

Os lipídios (gorduras em tecidos animais e óleos em tecidos vegetais) que estão presentes em vários alimentos e, no corpo humano, são a maior forma de armazenamento de energia — no tecido adiposo, os lipídios estão na forma de triacilglicerol, que é a molécula resultante da combinação de um glicerol (derivado da glicose) e três ácidos graxos (lipídios propriamente ditos).

Ainda no que se refere ao armazenamento de lipídios, a maior parte deles está depositada no tecido adiposo que se encontra em diversos locais do organismo. Uma curiosidade é que o método de mensuração da composição corporal por meio de dobras cutâneas tem por base o fato de quantidades significantes de lipídios estarem no tecido subcutâneo.

Glicerol e produção de corpos cetônicos

Nos tecidos, a quebra de triacilglicerol em glicerol e ácidos graxos é realizada (catalisada) pela enzima lipase hormônio sensível. A esse processo dá-se o nome de lipólise.

Atenção

O glicerol, sendo hidrossolúvel, pode ser transportado para diferentes locais, mas seu papel como combustível para a contração muscular é considerado “desprezível”. O glicerol pode ser utilizado na gliconeogênese hepática, que é o processo de produção de glicose no fígado.

Conforme veremos a seguir, os ácidos graxos devem ser processados em uma via denominada β-oxidação, antes de serem convertidos a Acetil-CoA, para que possam participar do ciclo de Krebs. Pois bem, para que esse Acetil-CoA vá ao ciclo de Krebs, é preciso que haja quantidade suficiente de oxaloacetato. Este último pode não estar presente em situações nas quais os estoques de carboidratos estejam diminuídos (por exemplo, no jejum em tempo suficiente para reduzir o glicogênio hepático, no exercício aeróbio prolongado e na diabetes mellitus).

Nessas situações, o Acetil-CoA oriundo dos lipídios é convertido pelo fígado em corpos cetônicos ou cetonas. Há três desses:

Acetoacetato

β-hidroxibutirato

Acetona

Os corpos cetônicos não são um substrato energético adequado para o exercício, mas podem constituir um problema denominado acetose ou cetoacidose.

Acetose ou cetoacidose

Os corpos cetônicos podem ser utilizados por tecidos como a musculatura esquelética (apesar do que foi dito anteriormente sobre a condição específica que é o exercício) ou o sistema nervoso central.

Se os corpos cetônicos se acumularem, o que pode acontecer na diabetes mellitus descompensada, por exemplo, é uma condição chamada cetoacidose que também pode ser chamada de cetose. Como os corpos cetônicos são ácidos, sua elevada concentração pode atrapalhar o funcionamento fisiológico normal, como por exemplo o equilíbrio acidobásico.

Papel da carnitina acetiltransferase

Quanto aos ácidos graxos, agora denominados ácidos graxos livres (AGL), eles devem ser transportados ligados à albumina até a musculatura esquelética por não serem hidrossolúveis (apolares). Uma vez na fibra muscular, os ácidos graxos devem entrar na mitocôndria, mais especificamente, devem atravessar a membrana interna da mitocôndria para chegar à matriz, onde ocorre sua oxidação.

Atenção

Observe que, no caso de ácidos graxos armazenados na fibra muscular (de fato há um estoque de triacilglicerol intramuscular), eles também precisarão alcançar a matriz mitocondrial. Para que essa passagem possa ocorrer, antes de tudo, os ácidos graxos precisam ser ligados (ativados) pela coenzima A (CoA) em um processo que gasta ATP. Tal ativação ocorre na membrana externa da mitocôndria em uma combinação de ácido graxo com a CoA, resultando em um derivado denominado Acil-CoA.

Note que essa passagem aqui descrita é válida para ácidos graxos de cadeia longa.

Acil-CoA precisará de um sistema de transporte para alcançar a matriz mitocondrial. Esse sistema de transporte envolve um carreador chamado carnitina e as enzimas acil-transferases.

Primeiro, a parte Acil (ou seja, o ácido graxo) da molécula de Acil-CoA se ligará com a carnitina, enquanto CoA retornará ao citoplasma.

O processo de aceitação do ácido graxo pela carnitina é catalisado por uma família de enzimas chamadas carnitina aciltransferase 1 (CAT1).

Para os ácidos graxos de cadeia longa, há uma CAT específica. É bastante conhecida a que faz o transporte de ácido palmítico ou palmitato (neste caso, a parte Acil da Acil-carnitina é formada pelo palmitato), a carnitina palmitoil transferase 1 (CPT1).

Imagine a membrana interna da mitocôndria como tendo uma camada mais externa, um espaço e uma membrana mais interna que dá para a matriz.

• A CPT1 faz o transporte na parte (face) mais externa da membrana interna da mitocôndria, enquanto, para atravessar a parte mais interna (face), há a carnitina palmitoil transferase 2 (CPT2).

• Neste ponto, reverte-se o primeiro passo antes da ação do complexo de transporte, ou seja, o Acil é separado da carnitina e recebe uma nova molécula de CoA na matriz mitocondrial ficando ali.

• Já a carnitina fica no espaço entre as membranas, podendo ser reutilizada para se ligar a um novo Acil que precisa ser transportado para a matriz.

Atenção

A L-carnitina tem sido usada por anos como “queimador de gordura” (fatty burner) — o suposto mecanismo de ação desse suplemento é a passagem de ácidos graxos para a mitocôndria. Ou seja, o suplemento é vendido como capaz de potencializar o processo natural que já ocorre e foi descrito aqui. Note que não há evidências científicas da eficácia desse suplemento esportivo.

Processo de β-oxidação de ácidos graxos

Beta-oxidação ou β-oxidação é uma série cíclica de passos que quebram sucessivamente pares de carbonos de ácidos graxos, que irão resultar em Acetil-CoA. Perceba que o número de “ciclos” que se refere ao número de ações enzimáticas dependerá do tamanho do ácido graxo, sendo que a maioria deles tem entre 14 e 24 átomos de carbono. Isso pode ser descrito pela fórmula n/2-1. Isso significa, por exemplo, que um ácido graxo de 14 carbonos será submetido a 6 ciclos (lembre-se que no último ciclo serão produzidos dois pares de carbonos, 2 Acetil-CoA).

O processo obrigatoriamente deve ocorrer na presença de oxigênio e se dá na matriz da mitocôndria. Além disso, para ser realizado, o ácido graxo em questão precisa ser ativado (unido com coenzima A num processo que hidrolisa ATP a AMP. Isso equivale a dizer que 2 ATP foram utilizados).

Ainda em termos energéticos, a β-oxidação não gera energia diretamente (ATP), mas produz 1 FADH2 mais 1 NADH + H+ para cada par de carbonos “separados” do ácido graxo original. Isso resulta em 5 ATP na cadeia de transporte de elétrons, dois oriundos do FADH2. Além desses intermediários formados pela separação de Acetil-CoA do ácido graxo original, cada Acetil-CoA resulta em 12 ATP no restante da via aeróbia.

Relembrando

Como já foi mencionado, existindo suprimento adequado de oxaloacetato, o Acetil-CoA irá entrar no ciclo de Krebs. Recorde ainda que Acetil-CoA é o intermediário comum ou universal por meio do qual carboidratos como a glicose, os lipídios na forma de ácidos graxos e as proteínas (aminoácidos) entram nesse ciclo.

Ácidos graxos e cálculo da produção de ATP

Um dos ácidos graxos mais comuns na alimentação humana é o palmitato (presente em carnes de boi, cordeiro, galinha, gema de ovo, gorduras lácteas, manteiga e queijo além de manteiga de cacau).

Uma forma de compararmos os carboidratos aos lipídios é apontando o rendimento energético desses últimos. Primeiramente, deve-se lembrar que, no tecido adiposo, os lipídios estão armazenados na forma de triacilglicerol e que uma dessas moléculas contém um glicerol e três ácidos graxos.

1 molécula de glicerol (que será metabolizada inicialmente na glicólise e, em seguida, no ciclo de Krebs) gera 19 ATP. Além disso, se consideramos um ácido graxo com 18 carbonos, cada um desses ácidos graxos irá fornecer 147 ATP. Lembre-se, contudo, que há três deles num triacilglicerol. Logo, 147 x 3 resulta em 441 ATP. Por fim, somando os 19 ATP do glicerol mais os 441 ATP dos ácidos graxos, conclui-se que um triacilglicerol com essas características (isto é, 1 glicerol e 3 ácidos graxos de 18 carbonos) irá resultar em 460 ATP por molécula de lipídio.

Intensidade do exercício e participação das gorduras

Existe uma interação do metabolismo de carboidratos e lipídios que foi originalmente descoberta na década de 1960 por Randle, Garland e Newsholme. Os pesquisadores dizem basicamente o seguinte: o aumento na disponibilidade de ácidos graxos altera a utilização preferencial de substratos em favor dos próprios ácidos graxos enquanto reduz a oxidação de carboidratos.

Tal constatação foi feita em músculos cardíacos incubados (em contração) de ratos e diafragma de ratos em repouso (também in vitro). O nome dado a essa interação foi ciclo glicose-ácido graxos. Posteriormente, essa interação foi demonstrada na musculatura esquelética, incluindo na de humanos, mas os mecanismos moleculares por meio dos quais ela ocorre, neste tecido, parecem ser diferentes daqueles originalmente propostos pelos autores.

Em termos de intensidade de um exercício aeróbico dinâmico (no anaeróbico, os carboidratos são prioritariamente utilizados e, portanto, a interação é bastante reduzida), há um aumento do uso de carboidratos à medida que a taxa de trabalho aumenta (de modo simplificado, conforme aumenta a intensidade).

O exame da taxa de troca respiratória, que é a relação entre o volume de CO2 produzido e o volume de O2 consumido durante o exercício, demonstra esse aumento do uso preferencial de carboidratos conforme aumenta a intensidade do esforço.

Por fim, outro ponto a ser analisado, independentemente da intensidade, é o aumento da disponibilidade de carboidratos ou de lipídios. De modo geral, se a disponibilidade de lipídios aumenta durante o exercício, há uma redução na quebra de glicogênio muscular (glicogenólise) para uma mesma intensidade de exercício. De modo semelhante, durante o exercício aeróbico dinâmico, o aumento da disponibilidade de carboidratos causa diminuição na oxidação de lipídios numa mesma intensidade de exercício.

VIA AERÓBIA DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

O especialista Reury Frank Pereira Bacurau fala sobre o funcionamento da via aeróbia de transferência de energia e destaca a relação da duração e intensidade com o substrato energético e a via metabólica.

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MÓDULO 3

Descrever a utilização dos aminoácidos e sua produção pelos músculos na exportação da amônia e na produção de energia

Metabolismo das proteínas

No que se refere a estoques de energia, não há estoque de proteínas no corpo. Por exemplo, em um homem adulto jovem de 70 kg, sua massa muscular representa de 28 kg a 35 kg e há cerca de 1 kg de proteínas em seu corpo. Desses 12 kg de proteínas, 7 kg estão na massa muscular e os demais estão nos outros tecidos (WAGENMARKERS, 2012).

A musculatura esquelética é o principal local que contém proteínas. Elas serão utilizadas em períodos de jejum muito prolongados (dias-semanas) ou em caso de doenças que se estendem por muito tempo. É importante destacar que não se trata de uma reserva de proteínas propriamente dita, porque, ao ser utilizada no metabolismo energético, tal tecido será catabolizado.

Entre os aminoácidos, aqueles que não podem ser sintetizados pelo corpo a partir de outros metabólitos, os chamados aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), são os aminoácidos mais relevantes utilizados durante o exercício. Muitos estudos investigam os efeitos do exercício sobre o metabolismo da leucina, isoleucina e valina, ou seja, dos três aminoácidos que compõem o grupo dos BCAA.

Curiosamente, os BCAA circulantes também podem ser utilizados como biomarcador de doenças cardiometabólicas. Neste contexto, foi sugerido que elevadas concentrações circulantes de BCAA promovem o armazenamento de gordura no fígado (resultando em esteatose hepática, a doença metabólica mais comum do mundo) e na musculatura esquelética promovendo resistência à insulina (IR) em ambos os tecidos.

Basicamente, isso significa que o hormônio insulina, fundamental para manter a homeostase de carboidratos, lipídios e proteínas, não atua de modo eficiente na musculatura esquelética.

Já foi reportado que as concentrações circulantes de BCAA (mais as de tirosina e fenilalanina) podem ser usadas como marcadores precoces do risco de diabetes.

Em contrapartida, a redução das concentrações circulantes de BCAA melhora a sensibilidade corporal total e a do tecido muscular à insulina (portanto, oposto ao risco de ter diabetes), além de reduzir o acúmulo de lipídios (gorduras no coração), logo, apresentando um impacto positivo na saúde cardiometabólica.

Investigações sobre os BCAA

Em primeiro lugar, deve ficar claro que os BCAA, ainda que sejam os mais relevantes para o exercício, não constituem uma fonte prioritária de energia para o exercício aeróbico prolongado de alta intensidade (isso em comparação ao papel dos carboidratos e lipídios). Em segundo lugar, essa condição descrita das altas concentrações circulantes de BCAA é consequência da interação da genética com maus hábitos de vida (alimentação e sedentarismo). Portanto, quando se recomenda reduzir as concentrações desses aminoácidos como algo benéfico, o ponto de partida é o fato de tais aminoácidos estarem anormalmente aumentados no sangue.

Quando se investigou qual intensidade pode ser útil para afetar as concentrações elevadas de BCAA, foi demonstrado que um esforço de intensidade leve para moderada (em bicicleta) realizado por homens adultos jovens não apresenta impacto nas concentrações circulantes de tais aminoácidos.

Entretanto, quando esses mesmos sujeitos realizaram exercício de alta intensidade (corresponde a mais de 70% de seu consumo máximo de oxigênio), observou-se uma significativa diminuição nas concentrações circulantes de BCAA.

Realizar uma única sessão aguda de exercício nesses homens tem o mesmo efeito sobre as concentrações de BCAA que os submeter a cinco semanas contínuas em treinamento de bicicleta.

Diante dessas informações, o fato que poderia parecer “decepcionante” (de os BCAA não apresentarem uma contribuição energética importante para esforços aeróbicos prolongados de alta intensidade) deu lugar a uma nova linha de investigação não relacionada ao desempenho do exercício, mas que procura saber quais intensidades/durações podem ajudar pessoas que apresentam riscos de doenças metabólicas a reduzir tais riscos tendo as concentrações de BCAA como parâmetro.

Atenção

Retornando ao metabolismo dos BCAA e mais especificamente a seu uso na musculatura esquelética, esses aminoácidos são desaminados (perdem o grupamento amina que contém nitrogênio) produzindo amônia e intermediários do ciclo de Krebs. Uma vez no ciclo de Krebs, os intermediários são utilizados para a produção de energia.

Exportação da amônia

Devido à sua toxicidade, a amônia não pode permanecer na musculatura esquelética e precisa ser exportada. Assim, amônia é incorporada em piruvato, forma alanina e alfa-cetoglutarato, resultando em outro aminoácido, o glutamato. Recebendo mais uma amônia, o glutamato resulta em glutamina.

Note que, por meio desses processos de “neutralização” da amônia, a musculatura esquelética produz e libera grandes quantidades de alanina e glutamina.

Como se verá, ambos os aminoácidos têm papel importante para o organismo e para a prática de exercícios. A glutamina é o aminoácido em estado livre mais abundante do corpo. Quer dizer, embora a maioria dos aminoácidos esteja incorporada em proteínas, uma parcela mínima deles (menos de 2%) está livre no organismo e, neste pequeno “reino”, a glutamina é soberana. Ela é o segundo componente mais abundante do organismo, só perdendo para a água.

É interessante notar que a glutamina é um aminoácido não essencial, ou seja, o corpo o produz (ainda que ele possa ser obtido pela dieta). O notável nesse aminoácido é que ele pode ser utilizado para a produção de várias substâncias no organismo, tais como nicotinamida (certamente você se recorda do NAD), nucleotídeos, purinas, pirimidinas, antioxidantes e outros componentes necessários à integridade e ao funcionamento das células do corpo.

De fato, para um determinado grupo de células, a importância da glutamina faz frente à glicose (o mais importante metabólito e combustível prioritário da maioria das células – mas não dessas que serão mencionadas).

As células do sistema imune (linfócitos, neutrófilos e macrófagos) realizam suas funções em ambientes que apresentam pouca disponibilidade de nutrientes e, por isso, utilizam taxas de glutamina iguais ou maiores que aquelas que apresentam para glicose. Esse consumo elevado de glicose ocorre quando as células imunes são ativadas, tal como ocorre após cirurgias, queimaduras, sepse, desnutrição e atividade física. A glutamina, liberada na corrente sanguínea, também será utilizada pelos rins além dos leucócitos.

A alanina, por sua vez, é convertida à glicose no fígado no processo de gliconeogênese. Essa conversão é bastante importante em períodos de jejum prolongado, pois auxilia na manutenção da glicemia sanguínea, que é importante para o funcionamento adequado do sistema nervoso central. A esse metabolismo da alanina entre músculo e fígado deu-se o nome de ciclo alanina-glicose.

Entenda que esse nome vem do fato de que a alanina é formada a partir do intermediário da glicose (o piruvato) e acaba voltando à glicose pela conversão no fígado.

Produção e repercussão do metabolismo proteico no exercício

Diante da contribuição de carboidratos e lipídios para o metabolismo energético durante o exercício aeróbio, pode-se dizer que as proteínas não são consideradas um substrato energético importante. Contudo, sob certas condições, a contribuição porcentual de proteínas no exercício pode se tornar significante.

Especialmente relevante é a condição na qual há depleção das reservas de carboidratos, em que as proteínas podem contribuir com até 15% do conteúdo calórico total na parte final do exercício aeróbio intenso e prolongado. Note que esse uso aumentado de aminoácidos no exercício se refere primordialmente aos de cadeia ramificada.

No caso dos exercícios de força ou potência, cuja contribuição prioritária de energia vem do metabolismo anaeróbio, o uso de proteínas não é observado da mesma maneira que no exercício aeróbio intenso e prolongado ou de endurance, como uma maratona. Dessa forma, a musculação ou o treinamento de força pode aumentar a necessidade de proteínas na dieta pelo estímulo para a hipertrofia muscular.

Saiba mais

Participação dos aminoácidos no ciclo de Krebs

Aminoácidos diferentes entram em diferentes pontos da via de oxidação. Por exemplo, 6 deles podem entrar ao nível do piruvato, 8 ao nível do Acetil-CoA, 4 como α-cetoglutarato, 4 como succinato, 2 como fumarato e 2 como oxaloacetato. À exceção do Acetil-CoA, todos esses intermediários são convertidos a piruvato antes que possam ser utilizados como fonte de energia. O Acetil-CoA é usado diretamente no ciclo de Krebs e na cadeia de transporte de energia.

PARTICIPAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS NO METABOLISMO ENERGÉTICO

O especialista Reury Frank Pereira Bacurau explica o papel dos aminoácidos no exercício.

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MÓDULO 4

Identificar o tipo de exercício do estado estável e as fases rápida e lenta do EPOC

Intensidade do exercício e o déficit de O2

Na chamada transição do repouso para o exercício, o uso de ATP aumenta em até 1.000 vezes, o que representa um estresse significativo para as vias de produção de energia dos músculos esqueléticos. Em termos de gasto energético (mais fácil de entender que a quantidade de ATP), o gasto do repouso para o exercício pode aumentar de 15 a 25 vezes (MEYER & WISEMAN, 2012).

Esse aumento de energia, em termos ideais, deve ser respondido com um aumento no consumo de O2. Note que o consumo de O2 pode ser utilizado como índice de produção aeróbia de ATP.

Relembrando o exemplo de 1 ATP para 1 O2 no repouso e a necessidade de aumentar isso para 5 O2 no exercício, pode-se dizer que, na transição do repouso para um exercício de intensidade leve a moderada, o consumo de oxigênio aumenta rapidamente até atingir um platô — condição chamada de estado estável — e que só ocorre em exercícios aeróbicos como caminhada e ciclismo em cerca de 4 minutos após o início da atividade. Isso não ocorre em exercícios anaeróbicos como musculação ou treinamento funcional.

Pois bem, uma vez que o consumo de oxigênio é “insuficiente” para atender 100% do custo energético do exercício em seu início, as fibras musculares precisam manter a demanda energética aumentada com suas reservas “endógenas” (internas) e sem o uso de oxigênio — logo:

Todo exercício durante a transição tem um início anaeróbio.

Mais especificamente, essas reservas são o próprio ATP, a creatina fosfato (CP) e a glicose oriunda do glicogênio, pois o músculo tem triacilgliceróis estocados que podem ser hidrolisados em ácidos graxos. Contudo, esses lipídios são oxidados no metabolismo aeróbio. Dessa forma, logo no início do exercício, há fontes que se sobrepõem para produzir ATP antes que a via de produção aeróbia de ATP se estabilize.

O termo déficit de oxigênio é dado a essa “demora” do consumo de oxigênio se ajustar no início do exercício. De modo formal, tal déficit pode ser definido como:

“a diferença entre o consumo de O2 nos primeiros minutos de exercício e um período estável ter sido obtido.”

(MEYER & WISEMAN, 2012)

Perceba que indivíduos treinados apresentam um tempo menor para atingir o estado estável, ou seja, eles apresentam menor déficit de O2 em comparação com indivíduos não treinados em termos de metabolismo aeróbio. Isso significa que, do estado sedentário para o treinado, um mesmo indivíduo passa a ativar mais precocemente sua produção aeróbia de ATP (MEYER & WISEMAN, 2012). A provável explicação para isso é que o treinamento aeróbico resulta em adaptação cardiovasculares e musculares esqueléticas (por exemplo, aumento de número de mitocôndrias; as casas de força da célula mencionadas anteriormente).

Ao longo da história, duas hipóteses foram formuladas para tentar explicar o atraso (o déficit) de o metabolismo aeróbio se ajustar à demanda imposta pelo esforço físico:

A primeira hipótese sustenta que há uma quantidade insuficiente de oxigênio para as mitocôndrias da musculatura no início do exercício (isto é, dentro de cada mitocôndria, a cadeia de transporte de elétrons não conseguiria obter todo oxigênio necessário para fornecer a energia aeróbia). A implicação disso é que haveria certa restrição no consumo total de oxigênio pelo organismo.

A segunda hipótese defende um atraso, pois os estímulos para ativar a mitocôndria — ou seja, ativar a fosforilação oxidativa, ressíntese de ATP acoplada à energia produzida na mitocôndria — precisam de tempo para atingir certa concentração em uma determinada intensidade de exercício. Por exemplo, o ADP e o Pi ativam a cadeia respiratória. É possível que logo que o exercício se inicia ainda haja pouco desses dois ativadores (afinal, não houve muita hidrólise de ATP e a concentração de ADP e Pi seria pouco maior do que as observadas durante o repouso). Neste contexto, pesquisas sugerem que, provavelmente, esta segunda hipótese seja a mais correta.

Conceito de EPOC e fases rápida e lenta do débito de O2

Se no início do exercício físico há déficit de oxigênio, não é de surpreender que, ao término da sessão de exercícios físicos, haja o chamado débito de oxigênio. Dessa forma, imediatamente após o término do exercício, o metabolismo continua elevado (ou seja, o consumo de oxigênio permanece elevado). Isso quer dizer que, ainda que o exercício tenha acabado, o metabolismo aeróbio e o consumo de oxigênio (que como já dito pode ser usado como seu marcador) permanecem mais altos do que deveriam estar no repouso, ou seja, mais altos do que estavam antes do exercício (MEYER & WISEMAN, 2012).

Você sabia

Em termos históricos, débito de oxigênio foi a expressão usada para indicar o consumo de oxigênio acima do repouso após o exercício. Foi o proeminente fisiologista ganhador do prêmio Nobel de Medicina (1922), Archibald Vivian Hill, o primeiro a dizer que o débito de oxigênio era uma compensação do déficit de oxigênio que acontecia no início do exercício.

Estudos do começo do século XX demonstraram que esse débito tem duas fases:

Uma fase rápida

Dura de 2 a 3 minutos após o exercício.

Uma fase lenta

Pode persistir por mais de 30 minutos.

Atenção

Mais recentemente, novos estudos revelaram que também há uma fase ultralenta que pode durar até 48 horas, dependendo do tipo, do volume e da intensidade do exercício.

É importante lembrar que, mesmo durante o exercício aeróbico, há um começo anaeróbio, ou seja, um começo no qual os fosfatos da alta energia (ATP e CP) e glicose são utilizados sem a necessidade de O2. Então, pela visão proposta por Archibald Vivian Hill, o débito de oxigênio seria o momento após o exercício em que estes fatores seriam repostos. Mais especificamente, Hill propôs que a fase rápida do débito de oxigênio teria por objetivo ressintetizar ATP e CP, enquanto a fase lenta reconverteria o lactato no metabolismo aeróbio — na verdade, continuar seu uso mitocondrial (BROOKS & HALEY, 2011). De fato, essa metabolização adicional significa que o lactato será reconvertido a piruvato (lembre-se que ele foi formado a partir deste último) e, daí, convertido à Acetil-CoA para ser metabolizado no ciclo de Krebs.

Nos últimos anos, pesquisas têm demonstrado que essa adequação da fase rápida e lenta a determinados substratos não está correta. Por exemplo, o lactato não precisa de todo o tempo da fase lenta para ser metabolizado no período pós-exercício. Da mesma forma, pesquisadores passaram a argumentar que o termo “débito de oxigênio” não era adequado, pois o oxigênio consumido em excesso após o exercício não se deve inteiramente a algum empréstimo feito durante o déficit (o início anaeróbio do exercício aeróbio).

Eis que surgiu a sigla em inglês EPOC para descrever o “excesso de consumo de oxigênio após o exercício”.

Se, por um lado, as fases rápida e lenta do chamado débito de O2 não correspondem exatamente em termos temporais ao que foi proposto, não significa que o metabolismo aumentado, registrado pelo maior consumo de O2, não regenere os fosfatos de alta energia (ATP e CP – processo completado de 2 a 3 minutos após o exercício) ou oxide o lactato.

O que explicaria o débito ou EPOC?

Resposta

Além do referido anteriormente, a resposta é: os hormônios secretados durante o exercício e cujo efeito permaneceria mesmo depois desses hormônios terem sido degradados. Por exemplo, adrenalina e noradrenalina (chamadas de catecolaminas e liberadas pelas glândulas suprarrenais na hora do exercício) aumentam o consumo de oxigênio. Além disso, a temperatura elevada em decorrência do esforço também estaria envolvida no aumento do consumo de oxigênio.

Observe que o EPOC é proporcional à intensidade do exercício. Ou seja, após o exercício intenso, esse fenômeno será de maior magnitude quando comparado ao exercício leve e moderado. Nesse contexto, se a temperatura ambiental e a umidade relativa do ar forem as mesmas, o exercício intenso aumentará mais a temperatura corporal, induzirá maior secreção de adrenalina/noradrenalina e maior depleção de fosfatos de alta energia, bem como produzirá mais lactato.

Além dessa relação com a intensidade do exercício, há também uma relação direta com o volume de exercício. Portanto, quanto maior o volume de exercício físico, por exemplo, a distância percorrida durante uma caminhada, maior será o consumo de oxigênio durante o exercício e o EPOC.

Formas de recuperação ativa e passiva

Como se sabe, o lactato, que, antigamente, era confundido com o ácido lático, não é o responsável por causar a fadiga muscular, mas é um indicador indireto de que íons hidrogênios estão sendo acumulados no exercício intenso e estes são os reais causadores da fadiga. Dessa forma, no pós-exercício, a remoção do lactato é utilizada como indicador de que está ocorrendo recuperação.

Atenção

Na recuperação do exercício intenso, de 55% a 70% do lactato é convertido a piruvato e oxidado em ATP, CO2 e H2O. Vinte por cento (20%) ou menos do lactato é convertido a glicogênio muscular e hepático (ciclo de Cori). A doação de carbonos para aminoácidos e outras proteínas equivale a 5%-10% da neutralização do lactato. Finalmente, 2% ou menos do lactato permanece na sua forma original (PLOWMAN & SMITH, 1997).

A recuperação do lactato após o exercício também pode ser analisada em termos temporais. Mesmo que haja diferenças interindividuais (que podem estar relacionadas aos tipos de fibras musculares), em uma recuperação passiva (quando o indivíduo fica parado na recuperação), metade do lactato será removido em cerca de 15 a 20 minutos (independentemente do nível inicial). Depois de 30 a 60 minutos, as concentrações plasmáticas de lactato ficam próximas às concentrações de repouso.

Há evidências de que a remoção de lactato ocorre mais rapidamente quando a pessoa se exercita também durante a recuperação ativa (exercitando-se na recuperação) em comparação à recuperação passiva (em repouso).

De modo geral, para que se tenha uma ideia de qual é a melhor intensidade de exercício a ser mantida durante a recuperação ativa, é interessante fazer uma estimativa da capacidade aeróbia da pessoa. É sabido que, para diferentes indivíduos, há um ponto durante o exercício progressivo no qual a produção de lactato aumenta de modo exponencial (alguns autores acreditam que isso represente uma contribuição crescente da dependência do metabolismo anaeróbio).

Esse ponto é denominado de limiar de lactato. Assim, parece que a intensidade ideal para a recuperação é logo abaixo do limiar de lactato, pois, nesse ponto, a produção de lactato é mínima e a eliminação, máxima. Isso fica aproximadamente entre 50% e 55% da frequência cardíaca máxima do indivíduo, mas deve-se levar em consideração as diferenças individuais.

Alimentação para a recuperação do exercício

Após o exercício, é importante repor os estoques endógenos de energia e facilitar o reparo de potenciais danos musculares. Tudo isso só é possível por meio de uma ingestão adequada de nutrientes no período pós-exercício.

Como estamos tratando de via aeróbia de produção de energia e de exercício aeróbios prolongados e intensos, a recuperação do glicogênio muscular é o fato mais importante na determinação do tempo de recuperação.

Partindo da mais alta exigência de recuperação, que ocorreria para atletas que praticam longos períodos de exercício intenso de alta intensidade, recomenda-se uma ingestão maior que 1,2 g x kg-1 x hr-1 de carboidratos, mas, na prática, é difícil atingir a ingestão de uma quantidade tão grande de carboidratos. Além disso, ainda que ingerir carboidratos e proteínas em conjunto não afete a síntese de glicogênio, a ingestão de proteínas é positiva para a recuperação da musculatura. Nesse contexto, a ideia é aumentar a síntese proteica (BEELEN et al., 2010).

Qual seria a quantidade de proteínas para atingir o objetivo de otimizar a síntese proteica?

Recomendação

Recomenda-se 20 g de proteína no período imediatamente após o exercício. Consumir o equivalente a cerca de 9 g de aminoácidos essenciais é equivalente a consumir 20 g de proteínas totais.

Débito de oxigênio e EPOC

O especialista Reury Frank Pereira Bacurau explica o conceito de débito de oxigênio e EPOC e destaca a relação da duração e intensidade com o EPOC.

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Conclusão

Considerações Finais

Seres humanos obtêm sua energia prioritariamente do metabolismo aeróbio do qual retiram energia química de nutrientes alimentares. Contudo, para converter essa energia química em trabalho biológico, são necessárias inúmeras reações bioquímicas complexas e sequenciais chamadas de vias metabólicas.

Não fosse simplesmente para extrair a energia dos nutrientes, as vias existem também para, inicialmente, transferir essa energia para a molécula de ATP e, depois, para o trabalho biológico, por exemplo, na contração muscular.

Os carboidratos da dieta, que, em sua maioria, serão convertidos à glicose, apresentam uma particularidade: constituem-se o único tipo de macronutriente capaz de ter sua energia (ainda que parcialmente) extraída do metabolismo anaeróbio, no citoplasma das células, em uma via denominada glicolítica.

Dada essa metabolização inicial da glicose (até piruvato), o metabolismo dos carboidratos deve continuar no metabolismo aeróbio propriamente dito, que ocorre nas mitocôndrias das fibras musculares em vias como ciclo de Krebs e cadeia de transporte de elétrons (CTE). Enquanto o principal objetivo do ciclo de Krebs é extrair hidrogênios das substâncias que nele reagem para enviá-los à CTE, esta última usará os hidrogênios para produzir energia (ATP e concluir o processo de transferência do nutriente – processo denominado fosforilação oxidativa).

Diferentemente do que acontece com a glicose, lipídios e proteínas só podem ser metabolizados no metabolismo aeróbio, ou seja, na mitocôndria. Enquanto os lipídios precisam ser “quebrados” em pedaços menores na β-oxidação antes de seguirem a sequência ciclo de Krebs-CTE, os aminoácidos precisam ter o hidrogênio removido/transferido em processos de desaminação/transaminação. Porém, a partir do ciclo de Krebs, os passos são os mesmos utilizados para a glicose.

Quando se estuda a contribuição porcentual dos três macronutrientes para o exercício físico, observa-se que carboidratos e lipídios são protagonistas em comparação às proteínas. Além disso, carboidratos e lipídios têm influência mútua — um no metabolismo do outro: intensidades mais leves de exercícios levam ao maior consumo de lipídios e, portanto, menor consumo de carboidratos, ocorrendo exatamente o oposto para exercícios de alta intensidade e longa duração.

Em relação a como se caracteriza a alimentação para recuperar o exercício, percebe-se que ela deve refletir o papel de cada um dos macronutrientes no exercício e tem os carboidratos como principal nutriente a ser consumido nesse período.

Podcast

Agora, o especialista Reury Frank Pereira Bacurau encerra o tema fazendo um resumo do tema, respondendo a perguntas direcionadas ao objetivo de cada módulo.

CONQUISTAS

Você atingiu os seguintes objetivos:

Reconheceu a via glicolítica em todas as suas etapas e a produção de ATP a partir do metabolismo anaeróbio e aeróbio da glicose.

Descreveu a utilização dos aminoácidos e sua produção pelos músculos na exportação da amônia e na produção de energia.

Identificou o tipo de exercício do estado estável e as fases rápida e lenta do EPOC.