Descrição

Abordagem da história e dos conceitos básicos da Biogeografia e apresentação dos fatores ambientais influenciadores dos padrões de distribuição, bem como as limitações físicas da vida na Terra.

PROPÓSITO

Apresentar o histórico e os fundamentos da Biogeografia, algo importante para o entendimento da evolução do estudo da distribuição dos seres vivos na Terra através do tempo, e dos fatores influenciadores da distribuição destes, inclusive os limitantes, além da contribuição para a identificação dos padrões de ocorrência das espécies no planeta.

OBJETIVOS

Módulo 1

Descrever a Biogeografia e os padrões de distribuição da vida

Módulo 2

Reconhecer as limitações físicas da vida

Introdução

Os seres vivos não estão distribuídos aleatoriamente ao redor do planeta. Não encontramos zebras no Brasil, por exemplo, nem pinguins no deserto do Saara. Os baobás, árvores de troncos massivos e flores polinizadas por morcegos, têm ocorrência natural restrita à Ilha de Madagascar, na África. Os ursos polares do Ártico não sobreviveriam na Amazônia, mas provavelmente conseguiriam viver no Polo Sul. No entanto, simplesmente não foram capazes de chegar ao outro hemisfério. Mesmo com condições climáticas e ambientes similares, diferentes regiões do globo apresentam um conjunto de espécies ou biota particular.

Há muito, os naturalistas se perguntam: como se deu a ocupação dos seres vivos nas mais distintas regiões da Terra? Quais os fatores responsáveis pela atual distribuição das espécies? Como estas migraram entre os continentes ou como divergiram e especiaram? Por que existem espécies de distribuição mais restrita e outras de distribuição mais ampla? Para responder a tais questões, surge a Biogeografia, a ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos na Terra através do tempo.

Neste tema, conheceremos um pouco da história e dos fundamentos da Biogeografia e entenderemos como os fatores históricos e ambientais, incluindo as interações bióticas e abióticas, influenciam a distribuição da vida na Terra.

MÓDULO 1


Descrever a Biogeografia e os padrões de distribuição da vida

Biota

Biota é o conjunto de todas as espécies de determinada região em certo período.

História e conceitos básicos em Biogeografia

A Biogeografia é uma ciência ampla e multidisciplinar que envolve conceitos relacionados à:

Ecologia

Evolução

Geografia

Geologia

Informações de todas essas disciplinas juntas nos permitem:

  • Reconstruir a história da ocupação dos seres vivos na Terra, no passado e no presente.
  • Identificar os fatores que explicam a particular distribuição das espécies.
  • E até mesmo inferir a área de distribuição dessas espécies no futuro.

Atualmente, estudos em Biogeografia utilizam fontes variadas de informação, tais como: pontos de ocorrência das espécies; dados morfológicos e fisiológicos das espécies (massa corporal, tamanho de estruturas ou órgãos, período de atividade); dados climáticos da região onde as espécies ocorrem (temperatura, precipitação, sazonalidade); DNA para reconstrução da história evolutiva dos grupos de espécies (através de árvores filogenéticas ou genealógicas); dados de fósseis para datação de espécies; dados de eventos geológicos passados (soerguimento de montanhas como a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira; transgressões marinhas; glaciações; processos erosivos; mudança de curso de rios etc). Integrando essas diferentes fontes de informação, os cientistas vêm revelando a dinâmica de distribuição das espécies, tanto individualmente como em grupos, na Terra.

A Biogeografia é dividida em duas subáreas: a histórica e a ecológica.

A principal diferença entre elas é a escala de tempo.

Biogeografia Histórica

A Biogeografia Histórica estuda os processos evolutivos que ocorreram há milhões de anos e que afetaram a origem e a distribuição das espécies (fatores históricos).


Exemplo

Por exemplo: a formação da Cordilheira dos Andes, que começou há cerca de 85 milhões de anos, provocou grandes mudanças geológicas e climáticas na América do Sul e, por conseguinte, promoveu uma alta diversidade de espécies únicas e restritas aos diferentes ambientes formados no continente.


Cordilheira dos Andes.

Você sabia

A cordilheira dos Andes é a mais longa cadeia de montanhas do planeta e se estende da Venezuela até a Patagônia, passando por toda a América do Sul, incluindo Chile, Argentina, Peru, Bolívia, Equador e Colômbia. A altitude média é de 4.000 m, sendo o Monte Aconcágua seu ponto culminante, com 6.962 m. O soerguimento da cordilheira dos Andes começou há 85 milhões de anos, resultando da pressão de placas tectônicas sobre o assoalho marinho e provocando inúmeras mudanças climáticas e geológicas. Provocou, por exemplo, a mudança da direção – de oeste para leste – do rio Amazonas e de outros rios da Bacia Amazônica. Além disso, como resultado da pressão e do enrugamento da cordilheira dos Andes sobre a estrutura rochosa a leste, formaram-se as Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, ao longo da costa leste brasileira. Os Andes também contribuíram para grande diversidade de habitats e espécies que existem na região Neotropical, já que reúnem grande variedade de condições climáticas e ambientes.


O soerguimento dos Andes e seus impactos na Terra e na biodiversidade.

Neste vídeo, a especialista abordará mais alguns impactos do soerguimento dos Andes na Terra e na biodiversidade.

Biogeografia Ecológica

A Biogeografia Ecológica estuda os processos ecológicos mais recentes que afetam a distribuição atual dos seres vivos. Tem foco nas espécies e nas limitações impostas pelo ambiente para estudar a ocorrência ou não das espécies em uma dada área.


Exemplo

Um exemplo é a utilização de pontos de ocorrência e dados climáticos para inferir a área de distribuição de uma espécie. É possível também projetar o efeito das mudanças climáticas mais recentes, como as ocorridas desde o final do Último Máximo Glacial (cerca de 21 mil anos atrás) até os dias atuais, na redução ou ampliação da área de distribuição de determinada espécie ou grupo de espécies. Isso foi feito por Leite e colaboradores (2008), conforme demonstrado na figura a seguir.


Último Máximo Glacial

“Período correspondente ao último evento de glaciação ocorrido na Terra, resultando em significativa redução da temperatura média global, que  se estima ter sido 6°C mais fria que hoje (TIERNEY et al., 2020).”

Modelagem da distribuição de cinco espécies de pequenos mamíferos da Mata Atlântica. Área projetada de ocorrência das espécies no presente (linha superior), há 21 mil anos e 120 mil anos (linhas inferiores). O gradiente de cor varia do vermelho (habitats mais adequados para ocupação das espécies) ao azul (habitats menos adequados).

É possível, ainda, projetar a área de distribuição de espécies para o futuro, avaliando o impacto das mudanças climáticas causadas pela ação humana, como o aquecimento global.


Fases da Biogeografia

Ao longo da sua história, a Biogeografia passou por diferentes fases. Vamos estudar cada uma dessas fases a seguir.

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Na primeira fase, a teoria do Centro de Origem e Dispersão era a mais aceita. Essa foi a teoria biogeográfica mais antiga, mencionada no livro de Gênesis, da Bíblia. Com base no Criacionismo, essa teoria defendia que Deus teria criado todas as espécies no jardim do Éden (o ponto de origem), e de lá elas se dispersaram, ocupando outras áreas da Terra.


Depois, vindo o dilúvio, um segundo ponto de origem teria sido o monte Ararat, com a chegada da arca de Noé, de onde as espécies de novo dispersaram para ocupar as diferentes regiões. Tal explicação parecia muito improvável para responder como as espécies sem capacidade de voar ou nadar se deslocavam para as ilhas oceânicas, por exemplo.

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Ainda, com o descobrimento da América e sua biota bem característica, os naturalistas tiveram mais dificuldade em explicar o porquê de existirem, naquele lugar, espécies tão diferentes e outras tão semelhantes às do Velho Mundo e como elas tinham chegado lá.

Centro de Origem e Dispersão

O centro de origem era definido como um ponto onde as espécies se originavam e, a partir dali, dispersavam para outras regiões.


Mais tarde, a ideia da evolução das espécies desenvolvida por Alfred Russel Wallace e Charles Darwin, em oposição ao Criacionismo, revolucionou o modo de pensar a vida na Terra. O livro A origem das espécies foi, definitivamente, um marco para a evolução dos estudos biogeográficos.


Wallace e Darwin propuseram que as espécies eram mutáveis e os seres vivos descendiam de um ancestral comum, porém continuaram a admitir que os organismos evoluíam a partir de centros de origem com subsequente dispersão. Ao longo do processo de dispersão, as espécies poderiam se manter íntegras ou sofrer mutações que levariam à especiação. Porém, as perguntas persistiam:

  • Como as espécies se dispersavam, transpondo barreiras, como os vastos oceanos e as montanhas?
  • Por que o conjunto de espécies de uma região era tão diferente da outra?

Explicações como pontes intercontinentais e continentes perdidos eram comuns na época.

Alguns dos defensores da teoria do centro de origem e dispersão foram Lineu, Georges-Louis Leclerc (o conde de Buffon) − ambos com suas publicações ainda no século dezoito −, Ernst Mayr, George Gaylord Simpson e Willi Hennig − já no século XX. 

Carl von Linné, conhecido como Lineu, o naturalista que criou o sistema de classificação científica e a nomenclatura binomial para as espécies.

Willi Hennig, biólogo e taxonomista que criou a Sistemática Filogenética.

Conflitos de opinião e diferentes critérios para reconhecer os centros de origem levantaram a questão da aplicabilidade e até da sua existência. Uns defendiam a ideia de que as espécies que ocupavam o centro de origem eram as mais derivadas (mais recentes) e eram menos aptas a se dispersarem do que as primitivas (mais antigas), enquanto as espécies mais primitivas eram deslocadas para as áreas periféricas de distribuição, à medida que novas espécies se formavam, e que a área que abrigava a maioria das espécies era provavelmente o centro de origem do grupo. Ao contrário, outros acreditavam que as espécies primitivas eram menos aptas a se dispersarem do que as derivadas, e que eram as espécies primitivas que ocupavam o centro de origem.

Foi somente com os progressos da Geologia que a Biogeografia começou a avançar para uma segunda fase. Com as teorias da deriva continental e da tectônica de placas, descobriu-se que os continentes se moviam e que a história da Terra foi muito mais dinâmica do que se pensava.


Clique nas figuras abaixo. Objeto com interação.
Animação mostrando a fragmentação da Pangeia e a formação dos continentes como os conhecemos atualmente.

A teoria da deriva continental foi proposta por Alfred Wegener. Ela evidenciou que os continentes foram unidos no passado, formando o supercontinente Pangeia. Os continentes, como os conhecemos atualmente, fragmentaram-se e se moveram, considerando-se a semelhança dos seus contornos.

Representação das placas tectônicas. O Brasil está localizado na região central da Placa Sul-americana (em roxo).

Já a teoria da tectônica de placas foi proposta por Robert Palmer e Donald Mackenzie. Ela dispõe que a litosfera é dividida em placas tectônicas que se movimentam em diferentes direções. Quando as placas entram em contato uma com a outra, podem provocar terremotos ou a formação de montanhas ou vulcões.

Na Biologia, a sistemática filogenética proposta por Hennig trouxe um método objetivo, reproduzível e estatisticamente embasado de reconstrução da história evolutiva dos organismos. A partir daí, a história evolutiva dos organismos podia ser representada graficamente por cladogramas ou filogenias. Para Hennig, o estudo biogeográfico devia se basear nas filogenias. Ele permanecia com a ideia de centros de origem e dispersão, mas já considerava a teoria da deriva continental em seus trabalhos.

Representação de um cladograma e suas partes. Os terminais podem ser representados por indivíduos, espécies, gêneros ou famílias, por exemplo.

Somente com a Pan-biogeografia, de Léon Croizat, acontece a ruptura do paradigma dispersionista vigente (ligado à teoria dos centros de origem e dispersão). “Terra e vida evoluem juntas” (CROIZAT, 1964), e a vicariância era o processo chave para explicar a distribuição dos seres vivos no planeta. Para ele, seguindo a noção de vicariância, as espécies poderiam ter sido amplamente distribuídas no passado e, depois, com o surgimento de uma barreira (ou evento vicariante), ter se separado e formado espécies diferentes.

Anos mais tarde, foram reunidas as ideias de vicariância e da sistemática filogenética, sendo criada a Biogeografia da vicariância, por Nelson, Rosen e Platnick. A Biogeografia da vicariância ou cladística partia dos cladogramas para mapear a distribuição de grupos monofiléticos e procurar congruência em relação a área habitada por esses diferentes grupos monofiléticos. A partir daí, era produzido um cladograma geral de área que mostrava o relacionamento entre as áreas habitadas pelos diferentes grupos.

Os três processos evolutivos que influenciam as distribuições biogeográficas são a dispersão, a vicariância e a extinção (desaparecimento de uma espécie). A seguir, os processos de dispersão e vicariância:

Vicariância

Mecanismo evolutivo que explica a evolução da distribuição das espécies no planeta.

Monofiléticos

Grupos monofiléticos incluem um organismo ou uma espécie ancestral e todos (e apenas) os seus descendentes, formando um clado ou ramo. Esse grupo partilha de características comuns e exclusivas.

Clique nas barras para ver as informações. Objeto com interação.
Dispersão

Uma população ancestral de uma espécie ocorria em apenas uma das áreas atualmente ocupadas por ela. Com o passar do tempo, essa população ultrapassa uma barreira e dispersa para outras áreas, ampliando sua distribuição. Após algum tempo, as populações dessa espécie, que estão isoladas pela barreira, diferenciam-se em duas espécies distintas.

Vicariância

Uma população ancestral de uma espécie ocupava a totalidade da área atualmente ocupada pelos seus descendentes. Com o passar do tempo, surge uma barreira que divide a população. Após algum tempo, as populações dessa espécie, que estão isoladas pela barreira, diferenciam-se em duas espécies distintas. A vicariância representa o modelo de especiação alopátrica.


Processos biogeográficos de vicariância e dispersão. Os traços pretos na vertical representam as barreiras, que podem ser rios, montanhas, inundações, entre outras. As letras A, B e C indicam as espécies. T1, T2 e T3 indicam diferentes frações de tempo.

Padrões de distribuição das espécies, habitats e microhabitats

As espécies apresentam diferentes padrões de distribuição, que contemplam desde as que são amplamente distribuídas − ou seja, que ocupam extensas áreas do globo − até as que apresentam distribuição mais restrita − ou seja, que ocorrem exclusivamente em uma área específica. Fatores ambientais históricos e atuais, assim como as características dos organismos em si, vão influenciar esses padrões. Dentre os diferentes padrões de distribuição, podemos destacar:


Distribuição cosmopolita, quando uma espécie ou um grupo de espécies relacionadas (um gênero ou uma família, por exemplo) apresenta distribuição ampla, podendo ser encontrado praticamente em todo o globo. Quando falamos em cosmopolitismo, devemos considerar as condições físicas e fisiológicas de cada espécie ou grupo. Por exemplo, as orcas (Orcinus orca) são cosmopolitas, pois ocorrem nos oceanos e mares de todo o mundo. O rato-marrom (Rattus norvegicus) e o aguapé (Eichhornia crassipes) são espécies que se tornaram cosmopolitas devido à sua ligação com o homem.


Saiba mais

No caso do aguapé, espécie originalmente da América do Sul, este foi introduzido em diversas regiões do mundo devido ao seu potencial ornamental, tornando-se uma espécie invasora de ambientes aquáticos.


Endemismo é o caso em que uma espécie ou um grupo de espécies relacionadas ocorre estritamente em uma única região. Em outras palavras, espécies endêmicas são espécies exclusivas de uma localidade em particular. Os lêmures, por exemplo, são um grupo de espécies de primatas endêmico da Ilha de Madagascar.


Você sabia

O Brasil apresenta inúmeras espécies de plantas endêmicas, que ocorrem exclusivamente no país. Dentre as mais de 35 mil espécies de plantas com flores registradas para o Brasil, cerca de 18 mil são endêmicas.


Podemos, ainda, classificar a distribuição das espécies em:

Clique nas informações a seguir. Clique nas informações a seguir.

Distribuição contínua

Diz-se da espécie ou do grupo de espécies relacionadas que ocorre em uma região contínua, ou seja, sua área de distribuição não é fragmentada. Esta se opõe à distribuição disjunta, explicada a seguir.

Distribuição disjunta

É o caso em que uma espécie ou um grupo de espécies relacionadas ocorre em regiões distintas e consideravelmente separadas entre si. Um exemplo de disjunção é encontrado nas famílias de plantas Rapateaceae e Bromeliaceae. As rapateáceas e bromélias são praticamente restritas às Américas, com exceção de uma única espécie em cada família que ocorre do outro lado do oceano Atlântico, na África.


Distribuição disjunta das famílias Rapateaceae e Bromeliaceae, praticamente restritas às Américas. As setas indicam a ocorrência de uma única espécie de cada família que dispersaram para o continente Africano.

Um estudo biogeográfico realizado por Givnish e colaboradores (2004) mostrou que a causa da distribuição disjunta dessas famílias foram dispersões a longa distância, o que ocorreu há bastante tempo, entre 7 e 12 milhões de anos. Esse estudo descartou a outra possibilidade, de que as espécies teriam se separado há mais tempo, entre 84 e 102 milhões de anos, com a separação dos continentes América do Sul e África.

O ambiente natural de um ser vivo, local onde este habita, alimenta-se e se reproduz, é chamado de habitat. Este contém todas as condições e os recursos de que um organismo precisa para viver.


Você sabia

A palavra habitat tem origem no latim e significa “viver, morar”.


Um microhabitat, por sua vez, é uma pequena área que difere do habitat circundante por conter condições únicas. Microhabitats podem abrigar espécies igualmente únicas, que não são encontradas em áreas maiores. Ainda, algumas espécies podem selecionar microhabitats dentro de seu habitat natural de acordo com a disponibilidade de recursos.

O panda Ailuropoda melanoleuca.

Por exemplo:

Segundo Bai et. al. (2020), um estudo com pandas (Ailuropoda melanoleuca) na China mostrou que a espécie seleciona microhabitats com maior disponibilidade de bambu para sua alimentação e mais próximos das trilhas que eles usam para se locomover facilmente dentre a vegetação densa da floresta.

O estudo também mostrou que os pandas não evitam as encostas mais íngremes da floresta, como pensado anteriormente, e que essas áreas mais íngremes não devem ser excluídas das áreas de proteção ambiental que venham a ser criadas para sua conservação no futuro. De forma geral, os estudos sobre o uso dos habitats e microhabitats têm grande utilidade para a conservação das espécies, inclusive quando focados no impacto da ação humana na natureza, que vem cada vez mais diminuindo a disponibilidade dos recursos que as espécies utilizam.


Limites da distribuição, recursos, nicho ecológico e endemismos

Os limites de distribuição de uma espécie estão diretamente ligados às suas limitações ecológicas e à sua história evolutiva.

Uma espécie é capaz de tolerar determinado espectro de condições ambientais − temperatura, salinidade, umidade − e requer diversos recursos do ambiente para alimentação, nidificação, acasalamento e abrigo, entre outros. Dentre os recursos, podemos citar: água, luz, nutrientes, outros organismos etc.

O conjunto de condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento de uma espécie e os recursos requeridos são definidos como nicho ecológico.

Limitações ecológicas

Capacidade de suportar as condições ambientais.

História evolutiva

Fatores históricos ocorridos ao longo de sua evolução.


Atenção

Repare que os conceitos de nicho e habitat não podem ser confundidos, pois habitat é o lugar físico onde um organismo vive, enquanto nicho é o espectro de condições ambientais e recursos de uma espécie.


Há também uma divisão em: nicho fundamental, que inclui toda a faixa de condições e recursos potenciais de dada espécie; e nicho realizado ou efetivo, quando o nicho fundamental é restrito devido à competição por recursos com outra espécie ou à existência de predadores, por exemplo. O nicho realizado ou efetivo é o espectro de condições ambientais e recursos de fato utilizado pela espécie.


Você sabia

A técnica da modelagem de nicho ecológico − modelagem preditiva de distribuição das espécies − utiliza dados ambientais juntamente a pontos de ocorrência das espécies, com a finalidade de construir modelos que explicam e predizem a distribuição das espécies no ambiente. É um recurso muito utilizado na biogeografia ecológica.


Existe, ainda, o componente histórico-evolutivo que influencia a distribuição das espécies. Assim, mesmo que existam todas as condições ecológicas e todos os recursos necessários para determinada espécie viver em outras áreas, que não a que elas ocupam originalmente, tal espécie pode nunca chegar lá. Um bom exemplo é o dos ursos polares, que são restritos ao Polo Norte, e os pinguins, restritos ao Polo Sul, ambos vivendo em ambientes similares.

Existem regiões no planeta onde há maior diversidade de espécies, principalmente de espécies endêmicas (exclusivas de determinado local). A maior diversidade de espécies está localizada nos trópicos, mais especificamente na região Neotropical, que compreende o Sul do México, a América Central e a América do Sul.

A região Neotropical marcada em verde.

A região Neotropical é a mais biodiversa do planeta. Características como a variação climática (tanto latitudinal quanto altitudinal), a diversidade dos solos, o relevo acidentado (as cadeias de montanhas), o grande volume de chuvas e a história geológica (atividade das placas tectônicas, glaciações, transgressões marinhas) são fatores que explicam tamanha diversidade de espécies e endemismos. São esses fatores que vão produzir barreiras físicas, climáticas e biológicas que não só delimitam a distribuição dos organismos, mas que podem provocar a separação e consequente diferenciação das espécies. Ilhas, montanhas, lagos, rios e diferentes tipos de solo constituem interessantes cenários para a formação de novas espécies e endemismos, por suas condições ambientais particulares.

Verificando o aprendizado

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MÓDULO 2


Reconhecer as limitações físicas da vida

Fatores ambientais, climáticos e a distribuição dos seres vivos

O naturalista Alexander von Humboldt foi um dos primeiros a registrar a influência do ambiente na distribuição dos organismos, quando, ainda no início do século XIX, documentou diferenças na ocorrência das espécies ao longo de um gradiente altitudinal no vulcão Chimborazo, no Equador. Mais especificamente, ele observou que a topografia e o clima eram fatores importantes para explicar a configuração espacial das espécies e reconheceu uma zonação das espécies de plantas ao longo da altitude.

Ilustração do livro de Humboldt mostrando as diferentes zonas de vegetação ao longo da altitude no Chimborazo, no Equador.

Fatores ambientais, como o relevo, o tipo de solo e o clima, variam ao redor do globo e, combinados, delimitam as diferentes regiões e seus conjuntos de espécies particulares. Em grande escala, tais regiões de condições ambientais e biota relativamente homogêneas são conhecidas como regiões biogeográficas.

Regiões biogeográficas recentemente propostas com base nos grupos de anfíbios, aves e mamíferos.

Em menores escalas, temos os biomas que contêm as ecorregiões e seus diversos habitats. Por exemplo, as regiões Neotropical, Afrotropical, Antártica e Paleártica estão entre as regiões biogeográficas do mundo. Já a Mata Atlântica, a Amazônia e o Cerrado são biomas da região Neotropical. Já restingas, mangues e florestas ombrófilas são ecorregiões da Mata Atlântica.


Atenção

É importante destacar, mais uma vez, que os eventos geológicos originaram e modificaram os diversos ambientes na Terra. A separação e o movimento dos continentes, as formações de ilhas, vulcões e montanhas, mudanças hidrológicas e transformações de rochas e solos por processos erosivos provocaram mudanças de relevo, solo e clima que influenciam a distribuição dos seres vivos.


Vamos estudar cada um desses fatores a seguir:

Relevo

As montanhas são um importante fator atuante na diferenciação biogeográfica das regiões. Quando uma montanha se forma, ela contribui para a biodiversidade e diversificação de espécies de inúmeras formas: modificando o solo e a hidrologia da região e seu entorno, aumentando a heterogeneidade de habitats; servindo como barreira para as espécies que não conseguem atravessar seus vales profundos ou picos altíssimos e acabam sendo fragmentadas e/ou isoladas; ou permitindo que espécies pré-adaptadas às condições de montanhas expandam seus limites e dispersem para regiões mais altas.


As montanhas representam gradientes altitudinais ao longo dos quais há variação de temperatura, de intensidade solar, de disponibilidade de água, de umidade e de recursos alimentares. Com isso, há também uma mudança na composição, abundância e riqueza de espécies que ocupam seus diferentes estratos. Isso porque existem espécies que podem ocupar grande amplitude altitudinal e outras que estão restritas a determinada faixa altitudinal, por não estarem adaptadas a viver sob diferentes condições climáticas e ambientais. Há, ainda, espécies que conseguem se dispersar através das montanhas, como algumas aves e plantas que produzem sementes pequenas ou aladas.


Solo

A diversidade de solos, desde os mais arenosos até os argilosos e aqueles compostos de muito húmus (matéria orgânica), também determina padrões de distribuição das espécies. As espécies de plantas das restingas (regiões costeiras próximas às praias), por exemplo, são altamente adaptadas aos solos arenosos. Os solos das restingas são pobres em argila e nutrientes, formando um ambiente mais drenado e com alta salinidade. As adaptações das plantas ao tipo de solo, às altas temperaturas e à alta incidência solar das restingas incluem folhas suculentas, mais espessas e com tecido aquífero desenvolvido para armazenar água.


As restingas são ambientes menos ricos em espécies quando comparadas às florestas ombrófilas, que apresentam solos mais ricos em nutrientes. Outro fator importante é a diversidade de microrganismos e da fauna encontrados nos diversos tipos de solos, como bactérias, fungos, formigas, ácaros (componente biótico dos solos). Esses organismos são importantes para decomposição e mineralização da matéria orgânica, inclusive da camada de serapilheira depositada sob o solo, que costuma ser abundante nas florestas tropicais de vegetação densa.


Clima

Um dos determinantes mais importantes dos limites biogeográficos na Terra é o clima. Diferenças de temperatura e precipitação, assim como vento, umidade e pressão do ar, caracterizam o clima, afetando a distribuição das espécies. A sazonalidade climática, por exemplo, explica a transição entre as florestas úmidas e as savanas (regiões mais secas) na África e na América do Sul.


A variação de temperatura é um componente-chave para explicar transições entre a região Neotropical e a Antártica. Esta última é uma região de condições climáticas extremas, cuja biota é totalmente adaptada – um exemplo é a densa cobertura de penas e a espessa camada de gordura do corpo dos pinguins, que servem como isolante térmico. Os cientistas reconhecem, ainda, um gradiente latitudinal de riqueza de espécies. Esse conhecido padrão mostra que os altos índices de precipitação e a alta temperatura estão correlacionadas com alta riqueza de espécies, que está concentrada próximo aos trópicos e decresce em direção aos polos.

Gradiente latitudinal de diversidade para vertebrados terrestres. Maior concentração de espécies próximo aos trópicos (tons do vermelho ao amarelo).

Algumas regiões, com certos fatores ambientais, permitem que mais espécies coexistam nelas do que em outras. Tais regiões estão concentradas na faixa tropical do planeta e apresentam grande heterogeneidade de habitats, relevos montanhosos, solos férteis, alto índice de chuvas, alta umidade e temperaturas também mais altas, concentrando maior riqueza de espécies.


Interações bióticas e abióticas

Componentes bióticos e abióticos interagem no espaço e no tempo, afetando a distribuição dos organismos, como já vimos em outros tópicos deste tema. Interagir quer dizer afetar ou influenciar um ao outro. Os componentes bióticos interagem entre si (espécies interagem umas com as outras no ambiente que ocupam, por exemplo), assim como os componentes abióticos também estão relacionados entre si (a variação altitudinal está ligada à variação de temperatura em montanhas). Estudar essas interações é indispensável para entendermos melhor a distribuição da vida como um todo no planeta.

Interações bióticas, ou seja, entre seres vivos de uma comunidade, podem ser favoráveis (mutualismo, simbiose) ou não (herbivoria, parasitismo, por exemplo). Independentemente do tipo, as interações bióticas são importantes na formação das comunidades, atuando através de mecanismos de facilitação ou cooperação, predação e competição, que podem facilitar ou dificultar a instalação de uma espécie em determinado local.

Vamos ver alguns exemplos.

Mutualismo

No mutualismo, a interação entre as espécies beneficia ambas. Assim, o aparecimento de determinada espécie em uma área pode facilitar a instalação da outra espécie naquele local. Um exemplo clássico de mutualismo é a interação entre abelhas e flores. Um exemplo clássico de mutualismo é a interação entre polinizadores e flores. Veja abaixo a explicação mais detalhada.

Simbiose

Já a simbiose consiste, de maneira simplificada, na interação de duas espécies que vivem intimamente relacionadas. Essa interação pode ser ou não benéfica. Nesse caso, a presença de uma espécie em um local pode ser crucial para a instalação de outra espécie. Um exemplo clássico são os líquens, fruto da interação entre fungos e algas.

Herbivoria

A herbivoria é um tipo de interação desarmônica, na qual partes da planta viva servem de alimento para animais. Neste tipo de interação, as plantas perdem parte ou a totalidade de folhas, botões florais, raizes, entre outras estruturas. Muitas plantas desenvolvem diferentes estratégias para lidarem com a herbivoria, como a produção de substâncias tóxicas e os espinhos.

Parasitismo

No parasitismo, uma espécie depende da outra para realizar o seu metabolismo; assim, uma espécie não existirá em um local se não existirem espécies hospedeiras, que serão parasitadas e são essenciais para completar seu ciclo de vida.

Esses foram somente alguns exemplos de interações ecológicas que podem influenciar a distribuição das espécies.


As plantas e seus polinizadores são um exemplo de interação mutualística em que ambos se beneficiam. As plantas garantem sua reprodução quando os polinizadores transportam o pólen de uma flor para a outra, promovendo a fecundação. Os polinizadores obtêm recursos ao polinizarem as flores, como alimento (néctar, pólen).


Ainda sabemos muito pouco sobre as interações entre as espécies, que os cientistas estimam ser as mais diversas possíveis. Ainda sobre as plantas, poucas tiveram sua polinização estudada. Sabe-se que, em alguns grupos, como as orquídeas, conhecer a polinização de cada espécie em particular é importante. As interações planta-polinizador no grupo das orquídeas costumam ser espécie-específicas (cada espécie de planta tem sua espécie de polinizador), e as generalizações não são muito efetivas nesse caso. Ainda, em interações espécie-específicas, uma espécie pode ser tão dependente da outra que somente ocorrerão juntas, numa mesma área. O contrário acontece em interações de competição, quando espécies competem pelo mesmo recurso (alimento, território, luz solar). No geral, as interações entre espécies contribuem para os processos evolutivos e biogeográficos (dispersão, especiação, extinção) e ainda ajudam a moldar a distribuição dos seres vivos.

Como a variação do clima e os diferentes polinizadores influenciam
a diversidade de bromélias da Mata Atlântica.

Neste vídeo, a especialista mostrará um exemplo dessas interessantes adaptações nas bromélias da Mata Atlântica, especificamente no gênero Vriesea, que apresenta diferentes formatos e tamanhos de folhas e brácteas florais (estrutura que protege as flores) ao longo de sua distribuição, de acordo com a variação do clima. Vriesea também apresenta diferentes flores, adaptadas aos polinizadores beija-flores ou morcegos.

Formas de vida

Os seres vivos são adaptados ao ambiente onde vivem. Eles possuem adaptações das mais variadas para obtenção de energia (plantas fotossintetizantes, animais consumidores, fungos decompositores), locomoção (sésseis, voadores, nadadores), reprodução (sexuada através da fusão de gametas, assexuada por reprodução clonal). Para realizarem suas funções vitais, apresentam estruturas e estratégias desde as mais comuns até as consideradas altamente especializadas. Como exemplo, temos as orquídeas, que possuem flores que imitam as fêmeas de vespas, para garantir que sejam polinizadas enquanto a vespa macho tenta copular com a flor. Tais estruturas e estratégias garantem que os diferentes seres vivos consigam explorar os mais diversos habitats e as regiões ao redor do globo, ocupando diferentes nichos ecológicos.

Há 4 bilhões de anos, a vida na Terra consistia apenas de organismos primitivos de uma única célula desprovida de núcleo. Diferentes formas de vida evoluíram gradualmente ao longo do tempo, tornando-se mais complexas. Os registros fósseis são fonte de informação preciosa para entendermos como as espécies responderam às mudanças ocorridas ao longo da História da Terra. Por exemplo, há aproximadamente 500 milhões de anos, no período Cambriano, houve uma rápida expansão de diferentes formas de vida na Terra, o que ficou conhecido como a “Explosão do Cambriano”. As evidências desse evento estão no registro fóssil deste período, que conta com representantes dos principais grupos de animais.


Dentre as formas de vida mais diversas encontradas na Terra, estão os organismos unicelulares e pluricelulares, procariontes e eucariontes.

Unicelulares e pluricelulares

Um organismo unicelular consiste em apenas uma célula, enquanto um organismo pluricelular é formado de inúmeras células.

Organismos procariontes

São unicelulares e não possuem núcleo definido nem mitocôndrias.

Organismos eucariontes

Possuem células eucarióticas com núcleo definido e mitocôndrias.

Os unicelulares procariontes são representados pelas bactérias e pelos organismos chamados extremófilos, que ocorrem em ambientes de condições extremas, com temperatura bem elevada ou ricos em gás metano ou enxofre.

Os organismos eucariontes incluem os demais grupos, desde os protozoários até os humanos. Os protozoários, como os dinoflagelados, possuem em sua maioria uma única célula e são de tamanho minúsculo. Os fungos são organismos pluricelulares que têm papel importante na ciclagem de nutrientes, por serem decompositores de matéria orgânica. Muitos deles crescem debaixo do solo e podem atingir quilômetros de comprimento.

As algas são majoritariamente aquáticas, seres fotossintetizantes, que podem ocorrer em simbiose com fungos (formando os líquens) ou até depositar carbonato de cálcio em suas paredes celulares, como as algas calcárias (ajudando na formação dos recifes naturais).

As plantas conquistaram o ambiente terrestre, a partir da água, e apresentam uma incrível variedade de formas e cores, estratégias de defesa e reprodução, são fotossintetizantes e formam a base da cadeia alimentar.

Os animais, organismos pluricelulares e heterótrofos (não produzem seu próprio alimento), são representados por grupos que incluem desde as esponjas até os chimpanzés e os humanos. Os animais desenvolveram um sistema nervoso e são capazes de responder prontamente aos estímulos do ambiente. Insetos, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos são exemplos do grupo dos animais que evoluiu e se diversificou em cerca de 7 milhões de espécies distribuídas nos mais diversos habitats da Terra.

Diferentes formas de vida, então, apresentam suas características e limitações que as permitem ocupar certo tipo de ambiente, com condições e recursos específicos. Por sua história evolutiva dinâmica, a Terra apresenta extraordinária diversidade de ambientes e biodiversidade.

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Conclusão

Considerações Finais

Neste tema, visitamos a história e os fundamentos da Biogeografia, acessando exemplos de alguns dos eventos geológicos que ocorreram na Terra e influenciaram a distribuição e evolução das espécies.

Vimos que os três processos evolutivos que influenciam as distribuições biogeográficas são a dispersão, a vicariância e a extinção. Aprendemos que diversos fatores ambientais (principalmente o clima) e as interações bióticas e abióticas são limitantes para a vida em nosso planeta e têm total influência sobre os padrões de distribuição das espécies.

Além disso, entendemos a definição de conceitos importantes para explicar os padrões biogeográficos, como disjunção, endemismo, nicho e habitat.

Podcast

CONQUISTAS

Você atingiu os seguintes objetivos:

Descreveu a Biogeografia e os padrões de distribuição da vida

Reconheceu as limitações físicas da vida