Descrição

O conceito de aprendizagem motora, o processo que compõe sua aquisição e a sua relação com o desenvolvimento de habilidade motora, além da classificação dos padrões de movimento.

PROPÓSITO

Estudar o conceito de aprendizagem motora e suas relações com o desenvolvimento motor para a compreensão dos processos de aquisição dos padrões de movimento a serem alcançados nas distintas fases de desenvolvimento, assim como aplicar esses conhecimentos para a elaboração de programas educativos para crianças e adolescentes, será fundamental para a sua atuação profissional com esse público.

OBJETIVOS

Módulo 1

Compreender o conceito e o processo de aprendizagem motora de acordo com o controle neural de desenvolvimento

Módulo 2

Relacionar os conceitos de aprendizagem e habilidade motora

Módulo 3

Identificar os modelos de classificação dos movimentos

Introdução

Neste material, dividido em três módulos, você vai compreender as diversas possibilidades dessa capacidade humana incrível que é o movimento. Inicialmente, serão apresentados os processos que compõem a aprendizagem motora e os conceitos essenciais para a prática de profissionais envolvidos com propostas motoras. De posse desses conhecimentos, será possível a esses profissionais mobilizarem propostas que estejam adequadas ao desenvolvimento humano.

A seguir, serão dispostos conhecimentos para a compreensão da aprendizagem motora no que se refere aos processos cognitivos. É importante reconhecer que funções compreendidas como eminentemente mentais estão intimamente relacionadas às funções motoras, e, por sua vez, as ações sensoriais e motoras são funções essenciais para o desenvolvimento dos processos cognitivos. Para isso, estudaremos a sensação, a percepção, a atenção, a memória e a motivação como processos implicados na aprendizagem motora.

Serão ainda apresentados: os modelos de classificação dos movimentos segundo estudos definidos por Gallahue e Gentilli; uma organização em categoria unidimensional, bidimensional e multidimensional; e, por fim, o processo de automação do movimento.

MÓDULO 1


Compreender o conceito e o processo de aprendizagem motora de acordo com o controle neural de desenvolvimento

Conceitos e aplicações da aprendizagem motora

Conceitos relacionados à aprendizagem e à habilidade motora

A aprendizagem motora e o controle motor são áreas do conhecimento que envolvem o estudo e a compreensão do movimento, elemento fundamental para a nossa existência. Os gestos e os movimentos são promovidos a partir de uma estrutura corporal que promove a ação dos seres humanos no mundo. Outra característica importante a respeito do movimento é que a ação por meio dos gestos e dos movimentos promove um processo fundamental, que é a aprendizagem. Essa aprendizagem ocorre fundamentalmente por meio das nossas experiências, seguindo o seguinte princípio:

Vivenciamos nossas experiências mediadas por nosso corpo, que capta as informações necessárias para que possamos reter essa experiência como memória.

Veja, no esquema a seguir, como esses processos ocorrem:

O processo de retenção das experiências como memória se constitui como processo de aprendizagem, isto é, a aprendizagem é o acúmulo das memórias oriundas das nossas experiências. A partir dessa visão, vamos construir a compreensão do conceito de aprendizagem motora.

Aprendizagem motora e controle motor são conceitos distintos, sendo fundamental o conhecimento da diferença entre ambos. Primeiramente, vamos conhecer os conceitos estruturais da aprendizagem motora, suas aplicações e como ocorre o processo de aprendizagem a partir de uma organização biológica do corpo, pois os registros das nossas experiências ocorrem em consequência da existência de uma estrutura biológica capaz de captar, processar e armazenar essas experiências. Dessa forma, entende-se que aprendizagem está relacionada a mudanças no comportamento, decorrentes desse processo de acúmulo de experiências.

Posteriormente, vamos identificar os conceitos que envolvem o campo de conhecimento da aprendizagem motora e a sua especificidade denominada habilidade motora. Outros aspectos a serem trabalhados são a compreensão dos padrões de movimento e os conceitos relacionados ao universo sensorial, perceptivo, atencional, de memória e motivacional. Esses elementos compõem a base da aprendizagem motora, sendo que poderíamos indicá-los como a própria estrutura neurológica da mesma. Sendo assim, vamos conhecer os modelos de classificação dos movimentos unidimensional, bidimensional e multidimensional, entendendo a diversidade da experiência motora, e, finalmente, iremos compreender o processo de automação do movimento.

A história do estudo da aprendizagem motora, ainda recente, conta com uma vasta produção científica oriunda de pesquisas distribuídas em uma rede de laboratórios destinados a estudar esse tema. Tal produção científica se faz presente nos importantes eventos da área de Educação Física e esportes e em importantes periódicos nacionais e internacionais. O estudo sobre aprendizagem motora é importante tendo em vista que o conhecimento produzido pode promover a sua aplicação nos diversos domínios de intervenção profissional.

A preocupação central do estudo da aprendizagem motora se volta ao estudo sobre as aquisições de habilidades motoras.

O processo de aprendizagem pelo Sistema Nervoso Central

Ao abordarmos a aprendizagem motora, tratamos de modo mais específico dos mecanismos de aprendizagem do movimento humano. Sobretudo, é necessário compreender o movimento humano como um elemento dotado de funções biológicas, fisiológicas, cognitivas, relacionais e afetivas. Do mesmo modo, o movimento trata de elementos de ordem subjetiva, como a possibilidade de expressar nossas emoções, percepções, ideias e intenções.

Na origem da construção do pensamento sobre a compreensão humana, surgiram ideias que retratavam uma dissociação entre o que é da ordem mental e da ordem corporal. Entretanto, a partir de pesquisas na área da compreensão humana, como, por exemplo, os estudos de Leiner, Leiner e Dow (1986), identificou-se um grande volume de conexões neurais entre a estrutura cerebral responsável eminentemente por funções motoras, como o cerebelo, e outra região cerebral voltada também eminentemente para o controle de funções cognitivas, como o córtex.

As conexões neurais identificadas entre essas duas regiões eram compostas por um fluxo eferente e aferente, portanto, indicava uma comunicação de origem em ambas as regiões. Tal descoberta nos leva a pensar:

Se cada uma dessas regiões servisse apenas para a função motora ou cognitiva isoladamente, por qual motivo existiriam conexões fortemente distribuídas nas duas direções, para a região cortical e para a região cerebelar?

O cerebelo é reconhecidamente uma estrutura responsável pelo controle postural, pela coordenação motora, pelo equilíbrio e, mais recentemente, foi identificado também como responsável por aprendizagens motoras que envolvam planificação (portanto, funções cognitivas).

Talvez, aí esteja a razão pela qual existam tantas conexões entre a região frontal do córtex e o cerebelo.

Tal especificidade é muito importante para compreendermos o conceito de aprendizagem motora. Na pesquisa citada acima, também foi identificada uma região cerebelar, denominada núcleo denteado, que é muito desenvolvida. Os neurônios situados nesse local atuam no controle de elevadas capacidades de aprendizagem, e sugerem um papel significativo no pensamento.

As perguntas que devemos fazer são:

Qual a implicação direta que o movimento apresenta em relação à aprendizagem?

Em que medida o movimento é importante para a aprendizagem?

Como o processo de aprendizagem se aplica ao movimento?

Carla Hannaford, no final dos anos 90, conseguiu estabelecer a relação direta entre o sistema vestibular e as funções planificadoras no movimento. O sistema vestibular e o cerebelo são os primeiros sistemas sensoriais a se desenvolverem. No sistema vestibular, os canais semicirculares e o núcleo vestibular são as estruturas responsáveis por reunir informações e promover o feedback para realização e ajuste contínuo dos movimentos.

Nesses estudos, também foram detectados feixes nervosos que interligam as regiões corticais, como o córtex visual e o córtex sensorial, com diferentes regiões do cérebro e cerebelo. Os núcleos vestibulares são estruturados pelo cerebelo e colocam em ação o sistema de ativação reticular. Essa área é responsável por ativar um sistema atencional que prepara o córtex cerebral para ação.

Saiba mais

A região reticular é fundamental para o controle da função atencional, uma vez que regula a entrada de informações sensoriais a serem selecionadas para daí serem processadas em regiões corticais superiores. A interação existente entre essas estruturas ajuda a manter o equilíbrio, a transformar o pensamento em ação e a coordenar os movimentos.

Estudos realizados por Peter Strick identificaram que existem comunicações de vias e tratos nervosos entre o cerebelo e as áreas do cérebro responsáveis pela memória, pela atenção e pela percepção espacial. Isso nos faz atentar ao fato de que áreas do cérebro que processam o movimento são identificadas também como responsáveis por coordenar funções cognitivas.

Outro estudo importante é de Richardson (1996), que identificou uma relação entre crianças com autismo e deficit motor. Foi identificado que o deficit motor pode estar relacionado com a quantidade menor de feixes nervosos no cerebelo. Essa menor quantidade de neurônios cerebelares em crianças portadoras da síndrome do espectro do autismo pode estar relacionada a uma dificuldade na capacidade de mudança rápida do foco de atenção de uma tarefa para outra.

O cerebelo é uma estrutura que realiza a filtragem na integração de correntes de entradas de informações sensoriais de um modo sofisticado e, por isso, possibilita a capacidade de tomada de decisões complexas.

Atenção

Não existe um centro do movimento isolado no cérebro. O movimento e a aprendizagem têm uma relação intrínseca e uma ação combinada contínua, sob a responsabilidade de uma série de estruturas que funcionam em harmonia e em conjunto.

Existe, ainda, uma forte ligação entre cerebelo e funções cognitivas, como: memória, percepção espacial, linguagem, atenção, emoções, sinais não verbais e tomadas de decisão. Tais descobertas demonstram a importância que a experiência motora promove no desenvolvimento das funções cognitivas e nos permitem compreender como o processo de aprendizagem motora é complexo.

Há também outra região específica responsável por organizar a coordenação dos nossos movimentos: a região anterior do cíngulo. Ela é particularmente ativada quando iniciados movimentos novos ou novas combinações de movimentos (portanto, a realização motora associada a uma possibilidade de aprendizagem). Os movimentos simples são controlados por circuitos cerebrais básicos junto à medula espinhal, direcionados por padrões motores previamente definidos. Já os movimentos complexos, como passos de dança, movimentos esportivos ou gestos esportivos são controlados por estruturas cerebrais situadas nas porções superiores do sistema nervoso.

Ainda na categoria dos movimentos simples, existem aqueles que envolvem sequências e repetições em padrões. Esses movimentos são controlados por estruturas corticais em regiões como os gânglios basais e o cerebelo. Por outro lado, movimentos novos alteram a concentração, uma vez que esses não têm qualquer registro anterior em que possam basear a sua execução. O córtex pré-frontal também participa da realização desses movimentos, sendo acionado na resolução de problemas de planejamento e no estabelecimento de sequências para tarefas novas em situações relacionadas ao “aprender a fazer”.

Realização e controle neural do movimento

Uma característica de todo o processo de controle neural para realização do movimento é a integração motora-sensorial, fundamental para que o organismo esteja preparado para a execução de funções mais complexas.

É importante sinalizar que, após a realização de diversos estudos nessa área na busca da identificação de como ocorre o controle neural do movimento, os resultados sugerem que a relação existente entre aprendizagem cognitiva e realização motora se prolonga por toda a vida.

Brink (1995) identificou que ratos submetidos a ambientes que propiciavam a realização de exercícios físicos tinham maior número de conexões neurais do que aqueles que não faziam exercícios. Igualmente, esses ratos que realizavam exercícios físicos apresentavam maior capilaridade na região cortical do que os sedentários. Greenough e Anderson (1991) indicam que, do mesmo modo que o exercício estimula o desenvolvimento dos músculos, do coração, dos pulmões e da estrutura esquelética, também fortalece uma estrutura cerebral subcortical denominada de gânglio basal. Outra estrutura beneficiada pelo exercício físico é o cerebelo e o corpo caloso. Essas estruturas são fundamentais para realização motora e para funções cognitivas e, por isso, estão diretamente envolvidas na aprendizagem motora.

O exercício físico também promove o desenvolvimento e o aumento da produção das neurotrofinas, que são substâncias que alimentam o crescimento do cérebro, aumentam a quantidade de conexões entre os neurônios e promovem o aumento da oxigenação cerebral, o que amplia a possibilidade de memória.

Exercícios físicos também obtêm como resposta o desencadeamento da liberação do Fator Neurotrófico Derivado do Encéfalo (FNDE), uma substância natural produzida pelo cérebro que amplia a capacidade cognitiva. Ao aumentar a capacidade que os neurônios possuem de realizar sinapses, melhora-se a memória, as tomadas de decisão, o tempo de reação e a criatividade. Sendo assim, as investigações atuais sobre cérebro, mente e corpo estabelecem relações significativas entre movimento e aprendizagem.

A motricidade humana depende de um processo fundamental do controle neural, que é o processo da percepção sensorial. Esse processo se desenvolve de maneira organizada e hierárquica:

Cada estímulo passa por regiões distintas do cérebro, de onde são retirados diversos padrões de informação que são fundamentais para que possamos perceber o mundo que nos rodeia.

Conforme a informação sensorial perpassa as distintas regiões, vai se tornando mais complexa.

O cérebro é o órgão que dá sentido à informação captada do mundo externo pelos receptores sensoriais periféricos.

A capacidade humana de realizar movimentos complexos ocorre pelo desenvolvimento de uma rede de neurônios que se encarrega de planejar e executar uma significativa gama de ações, causando a ativação de cada um dos nossos músculos. Essa capacidade é adquirida ao longo da vida, de forma progressiva e contínua.

Os bebês adquirem gradativamente padrões de ação. Inicialmente, realizam movimentos básicos, como caminhar, falar e manipular objetos, e, conforme crescem, conseguem executar atividades motoras mais delicadas, como a escrita. Nesse processo, é essencial a experiência, para que seja possível o amadurecimento de estruturas específicas que dão suporte à realização. Estão envolvidas nesse processo as estruturas centrais e periféricas do organismo, bem como a participação social nas experiências, como a observação de pares mais desenvolvidos. Sabemos que em função da existência dos neurônios chamados de neurônios-espelho, que ativam programas motores em nosso cérebro, também aprendemos por meio da observação dos outros.

Estudos realizados por meio de neuroimagens funcionais demonstram que, com a observação de um movimento por uma criança, ocorre uma ativação cerebral nas mesmas regiões que estariam envolvidas se essa criança estivesse realizando o movimento propriamente dito. Há uma sobreposição entre os que o realizam e aqueles que o observam, mesmo não realizando a sequência do movimento. Esse fator é fundamental para a aprendizagem motora, uma vez que permite que o sistema nervoso se adapte à realização dos movimentos.

A função motora exige uma elaboração neural específica de diversas modalidades sensoriais: os centros nervosos são continuamente informados sobre o movimento que está sendo realizado, a posição que o corpo assume, a velocidade, as diferentes acelerações e a força empregada.

Tal função é importante para que o movimento seja planificado, corrigido e executado continuamente de forma eficiente, a fim de aprimorar o comportamento motor.

As informações sensoriais são importantes não apenas para a realização motora, como também para a organização postural.

Essas informações organizam a denominada percepção cinestésica, que promove a construção de uma imagem do corpo no espaço pelo sistema nervoso.

O gesto motor então é resultante de um processo complexo que envolve várias regiões do sistema nervoso.

Tal processo inicia-se com a percepção do estímulo sensorial, passa pelo planejamento da resposta e termina com a efetivação do movimento.

Os circuitos superiores neurais nos permitem a realização de movimentos de alta complexidade que podem ser consequentes a necessidades internas e estados motivacionais, ou necessidades externas em adequação aos estímulos.

Outra característica específica da motricidade humana é a capacidade de aperfeiçoamento do gesto motor a partir das experiências anteriores, por meio do processo de reprogramação da resposta, chamado de aprendizagem.

Podemos concluir este módulo ressaltando a importância da exposição da criança à experimentação corporal, para a promoção do seu desenvolvimento integral e qualitativo, compreendendo o processo de aprendizagem motora como um procedimento que se origina na captação e processamento dos estímulos e na emissão de resposta.

Aprendizagem motora: conceito e controle neural

A especialista Maria de Fátima Ferreira apresentará o conceito de aprendizagem motora e como se dá o processo de aprendizagem organizada pelo Sistema Nervoso Central.

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MÓDULO 2


Relacionar os conceitos de aprendizagem e habilidade motora

Bases para a aprendizagem motora

A aprendizagem motora promove o desenvolvimento motor, que é considerado um conjunto de alterações no comportamento ao longo da vida, desencadeado por meio de três fatores essenciais: a tarefa propriamente dita, a biologia do indivíduo e o ambiente no qual está inserido.

O desenvolvimento motor ocorre em função das relações estabelecidas no meio social e em decorrência do processo de maturação biológica inerente à evolução das espécies, entendendo que o desenvolvimento acontece por meio de um processo sequencial de aprendizagens que são consequências das experiências vividas pelo indivíduo. A partir disso, sistema nervoso e demais sistemas são submetidos a um processo de maturação e evolução, e, mais especificamente, a um processo de integração sensório-motora, possibilitando realizações cada vez mais complexas.

A cada experiência vivida é gerado um processo de maturação nas estruturas periféricas de realização motora, assim como nas estruturas centrais de controle neural da realização desse movimento.

Saiba mais

A experiência vivenciada interfere de forma significativa na ação da criança, repercutindo em um desenvolvimento motor gradativo e contínuo. Cada aquisição motora é importante, visto que influencia a aquisição motora posterior.

O comportamento motor envolve uma sequência de funções fundamentais para a realização qualitativa do comportamento e do aprendizado, que vão desde a percepção do estímulo até a decodificação de sistemas, a associação com registros de memória anteriormente apreendidos relacionados ao estímulo novo e a efetivação da resposta selecionada. Esse percurso possibilita o que chamamos de aprendizagem motora, decorrente do preciso e complexo controle cerebral, provocando contínuas e progressivas aquisições de habilidades.

A cada período do desenvolvimento, conforme o indivíduo é estimulado, determinadas estruturas cerebrais amadurecem, gerando uma capacidade de realização motora mais madura. Esse componente do desenvolvimento evolutivo está diretamente relacionado à maturação específica das estruturas neurais (por exemplo, a alimentação das células nervosas e a plasticidade dos processos neurais cognitivos).

A aprendizagem motora é dependente desse processo maturacional, que, por sua vez, é consequência do processo de evolução das espécies.

Atenção

É importante saber que a aprendizagem motora envolve muitas áreas cerebrais com a participação de áreas corticais. Sendo assim, torna-se fundamental a compreensão do funcionamento neurofisiológico no processo de desenvolvimento humano, a fim de que possamos entender o desempenho motor e que, desse modo, seja possível a estruturação de um plano de ensino que respeite o desenvolvimento da criança.

Sensação e percepção

Magill (2000) criou um modelo de processamento da informação que envolve o processo de aprendizagem motora. Ele indica que a aprendizagem motora é decorrente de um mecanismo que se origina na captação e percepção do estímulo, no processamento em regiões centrais corticais, na tomada de decisão de resposta e em sua efetivação, que se expressa pelo comportamento motor.

Associados a esse processo, existem outros, como os processos de atenção e de memória, que são essenciais e condicionantes para o processo de aprendizagem motora. Cada fase do processamento do estímulo depende de diversas variáveis, como atenção, percepção, estado emocional, resgate da memória no processamento central (a busca da informação necessária para a organização da resposta ideal) e outros fatores que interferem no processamento dessas informações.

Vamos, então, detalhar o processo da aprendizagem motora. Essa aprendizagem resulta da captação e da troca de informações entre os diferentes níveis do sistema nervoso do indivíduo e o meio ambiente. Dessa forma, pode-se dizer que a aprendizagem se inicia a partir de um estímulo externo, que é traduzido em um estímulo elétrico – e, posteriormente, químico – por estruturas específicas do sistema nervoso.

Esse estímulo é levado aos centros nervosos pelas vias nervosas aferentes, passando pelo tronco cerebral e pelo tálamo, chegando até os centros nervosos mais complexos localizados no córtex cerebral.

O estímulo é então encaminhado para regiões corticais específicas de acordo com a sua natureza.

Se o estímulo for visual, por exemplo, ele será encaminhado para a região occipital; se for tátil, será encaminhado para a região parietal; se for auditivo, para a região temporal, e assim por diante.

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Áreas primárias

As áreas que recebem primariamente os estímulos em sua característica inicial são chamadas de zonas de projeção ou áreas primárias. Os estímulos que chegam a essas regiões possuem característica ainda elementar, uma forma incompleta em que ainda não existe elaboração de significado, sendo considerada a base da futura percepção sensorial.

Áreas secundárias

Em um segundo momento, por meio de neurônios associativos, a sensação inicial é transmitida para as regiões denominadas secundárias, localizadas no córtex. A compreensão dessa informação, ou seja, a decodificação nessa região secundária proporciona o processo de percepção do estímulo original que contém a formação de imagens sensoriais correspondentes aos estímulos, que assumem significados, de modo que o indivíduo possa reconhecer o estímulo original.

Em recém-nascidos, as áreas secundárias ainda não estão amadurecidas, portanto, eles vivenciam de forma mais comum a sensação, enquanto, nos adultos, a informação passa diretamente para áreas mais complexas.

Para que a percepção de um estímulo seja eficiente, o estado de atenção é fundamental. O processo de atenção permite que o indivíduo gere um foco em direção ao estímulo, logo, dedique atenção e tome consciência a seu respeito.

Áreas terciárias

Após os estímulos serem percebidos nas áreas secundárias ou de associação, eles são enviados para as áreas terciárias chamadas de áreas de integração sensorial, onde acontece uma comparação e uma combinação entre os aspectos distintos do estímulo original.

Nas regiões terciárias, é possível a associação entre os sentidos relacionados ao estímulo original. Todo esse processo acontece em frações de segundo e envolve estruturas corticais e subcorticais. O processo de entrada, que vai da chegada do estímulo às áreas primárias, passando pelas secundárias até chegar às terciárias, não é respeitado nessa mesma ordem nas áreas corticais frontais, que obedecem a uma hierarquia diferenciada das regiões corticais parietal, occipital e temporal.

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Na região frontal do córtex cerebral a maturação ocorre de forma diferenciada. É nessa região que tomamos nossas decisões e que acontece o controle e a execução dos movimentos voluntários mais complexos.


A região anterior do cérebro é responsável pelo planejamento das ações motoras, entre outras funções, por meio de uma série de procedimentos, como aplicação de força, capacidade de realização, agilidade e feedback de correção do movimento, que abrangem percepções visuais, táteis e auditivas, permitindo um ajuste contínuo e uma realização harmônica do movimento.

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O controle pela região frontal cortical acontece inicialmente quando há uma intenção de movimento. Em seguida, há um planejamento elaborado pelo córtex pré-frontal, passando essa informação para uma região chamada de pré-motora. Essa região é responsável por organizar a sequência motora.


Em seguida, essa sequência planejada é projetada na área motora primária. Daí, serão enviados os impulsos, por meio da medula, até a musculatura, que irá executar o movimento.

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Saiba mais

Além das estruturas centrais de planejamento do movimento, o processo da realização motora é reajustado por muitas outras estruturas que se responsabilizam por dosar a força, dar o feedback constante ao movimento e controlar a velocidade e a realização motora como um todo.

O desenvolvimento motor é decorrente da experiência a qual o sujeito é exposto ao longo de sua vida, e em cada fase acontecem aquisições específicas de comportamentos motores que influenciam as aquisições subsequentes. Cada aquisição é importante em si mesma e possui sua importância na relação que estabelece como base para as aquisições posteriores.

De acordo com Gallahue e Ozmun (2003), o desenvolvimento do movimento se dá em uma escala que vai dos movimentos reflexos, passando pelos movimentos rudimentares e fundamentais, até os movimentos especializados.

Os movimentos reflexos são os movimentos mais simples, realizados a partir de controle subcortical cujas estruturas organizam ações não conscientes (movimentos involuntários). São esses movimentos que baseiam o desenvolvimento motor subsequente, pois, de acordo com a experimentação da criança, as informações sensoriais motoras proporcionadas pelas experimentações corporais são informadas e processadas nos centros nervosos. Sendo assim, gradativamente o controle involuntário (subcortical) vai sendo substituído pela maturação das estruturas corticais superiores. A partir desse processo o movimento passa a ser controlado por essas estruturas, assumindo um papel voluntário e uma possibilidade de realização mais complexa.

Os movimentos vivenciados pela criança podem ser classificados como estabilizadores, locomotores e manipulativos. Esses movimentos passam pelo processo descrito no parágrafo anterior a partir de uma experimentação inicial, provocando um amadurecimento das estruturas efetoras e planificadoras do movimento, proporcionando uma realização motora inicialmente simples até alcançar estágios de realização motora complexa e especializada.

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Primeira infância

Crianças que se encontram na primeira infância (2 a 6 anos de idade) apresentam aquisições de habilidades perceptomotoras em fase de desenvolvimento motor, baseadas na estruturação do esquema temporal, da percepção temporal e da percepção espacial. As aquisições relacionadas à lateralidade ainda estão em fase de desenvolvimento, o que interfere nas realizações simples, como pular. Nesse momento do desenvolvimento, observa-se uma realização motora que ainda está em processo inicial de organização.

Nessa fase, as áreas corticais terciárias ainda estão em um processo incompleto de maturação. As regiões corticais localizadas nos lobos frontais (regiões responsáveis por funções executivas, funções de planejamento e execução motora complexa) ainda permanecem em processo de mielinização. Essa região também se responsabiliza pela capacidade de concentração. Sendo assim, ainda imatura, a criança entre 2 e 6 anos não apresenta a capacidade de inibição dos estímulos irrelevantes para a realização organizada de tarefas a partir de sua vontade.

Segunda infância

Por volta dos 6 aos 10 anos de idade, na segunda infância, a criança apresenta a indicação de preferência manual e a coordenação entre a função visual e a função motora, que já está amadurecida, possibilitando a aquisição da aprendizagem da escrita.

Entretanto, o tempo de reação ainda é incipiente, causando uma lentidão nas realizações de coordenação viso-manual e viso-pedal, prejudicando ações que exigem essa habilidade por tempo prolongado. Nessa fase, as habilidades motoras fundamentais atingem um padrão definido de realização, marcando um período de transição para uma fase posterior de aquisição das habilidades especializadas. A partir daí, as crianças já são capazes de realizar atividades em grupos, como jogos que utilizam regras e estratégias simples.

A maturação da região pré-frontal é condição para o desenvolvimento das habilidades motoras mais complexas, uma vez que se situa nessa região o controle do planejamento e organização antecipatória da ação motora em resposta.

Adolescência

Embora já na fase anterior a mielinização da região frontal do córtex cerebral tenha ocorrido de forma significativa, essa mielinização (amadurecimento dessa região) continua por fases seguintes até aproximadamente os dezoito anos de idade. No período que se estende da adolescência, por volta dos 10 anos, até o início da juventude, aproximadamente aos 20 anos, o comportamento motor apresentado é caracteristicamente maduro. Sendo assim, apenas é possível alcançar tal estágio após as crianças estruturarem um padrão de realização motora fundamental. Mudanças significativas na realização motora podem ser observadas a partir do aumento da precisão, na exatidão dos movimentos, na diversificação, no controle motor e na associação de diferentes habilidades.

O padrão motor observado na adolescência é um movimento em fase inicial de organização, marcado pela apresentação de uma combinação entre os padrões motores já instalados, maduros, e as habilidades motoras refinadas. Podem estar presentes em situações como jogos e atividades esportivas específicas.

Na segunda fase da adolescência é possível observar um processo de percepção dos recursos físicos e pessoais, assim como as limitações que cada um pode apresentar, gerando um processo de autoconsciência. Por isso, a ênfase pode ser observada na melhora da competência motora.

O controle do movimento mais complexo está situado na região cortical, que também é responsável por controlar os comportamentos sociais, assim como por organizar as funções cognitivas superiores. Desse modo, a aprendizagem motora está estreitamente relacionada às aquisições cognitivas e às aprendizagens das habilidades sociais, o que nos permite concluir que valores pessoais, comportamentos sociais, intenções de movimento e aquisições cognitivas complexas avançam no desenvolvimento de forma conjunta.

O estágio de utilização permanente das habilidades motoras é alcançado após a maturação das funções motoras. Essa é a fase final da evolução do desenvolvimento motor, na qual há uma maior especialização e refinamento das habilidades. Nesse período, provavelmente, as áreas corticais já estão plenamente mielinizadas. O comportamento motor observado é decorrente de uma modulação da atividade neural complexa e dos registros de memória acumulados em função da experiência vivenciada.

Atenção, memória e motivação

Para que o desenvolvimento dos padrões maduros de movimento ocorra adequadamente, é essencial que haja a participação de um fator preponderante no processo de aprendizagem: a atenção. A atenção é uma função cognitiva cujo objetivo é promover um foco na atividade, centralizando a ação perceptiva e possibilitando a tomada de consciência da realização. A atenção é função essencial em processos perceptivos, cognitivos e motores e é considerada um requisito para a coordenação e o controle motor. O deficit ou falta de atenção gera prejuízos de aprendizagens de um modo geral, em diversas funções, como na aprendizagem da escrita, da linguagem, dos conceitos e das habilidades motoras.

Exemplo

Um exemplo prático da interferência do deficit de atenção em relação à realização motora é demonstrado em estudos como os de Pereira et al. (2012). Eles identificaram que crianças com deficit de atenção e hiperatividade apresentam também um desempenho motor e um controle fino e global deficitário na execução de movimentos.

Durante a realização de movimentos de coordenação motora simples, como segurar algo, há o envolvimento de diversas estruturas neurais, sendo necessária a atuação de diferentes estruturas de áreas distintas do sistema nervoso central e periférico. Há também o envolvimento de funções motoras e sensoriais para que programas motores voluntários possam ser realizados. Esse processo se origina na captação e decodificação dos estímulos, na associação com antigas referências oriundas de experiências anteriores, na programação da ação e na efetiva realização motora.

Atividades como coordenação de movimentos finos requerem atenção, concentração e precisão durante a sua realização. Autores como Fonseca (1988) compreendem que funções como a coordenação motora devem ser estruturadas a partir da construção da noção do corpo. Esse conceito se refere à percepção do corpo adquirida por meio da experiência na qual a criança é submetida desde a origem da sua vida. A noção do corpo é resultante da estruturação das funções psicomotoras, como o esquema e a imagem corporal, a noção espacial e temporal, o equilíbrio, a lateralidade e as coordenações amplas e finas dos movimentos.

A estruturação da noção de corpo pressupõe um processo perceptivo. Sendo assim, é necessária a promoção de estímulos sensoriais presentes nas experiências motoras. As experiências motoras demandam um processo atencional em sua realização, para que avancem em seu desenvolvimento.

O processo atencional envolvido implica na habilidade de localização nos estímulos sensoriais que são relevantes e na inibição dos estímulos sensoriais irrelevantes, gerando o processo de seleção dos estímulos importantes para realização motora, o que é fundamental para evitar o processo de distração.

O processo da atenção é decorrente de um percurso que envolve funções cognitivas organizadas pelo sistema nervoso, com a participação efetiva de três áreas corticais: o córtex parental superior, envolvido com a representação espacial oriunda do meio externo; o córtex pré-motor, lateral responsável pelo controle dos movimentos de orientação e exploração; e o giro cingulado, estrutura subcortical responsável pelos aspectos executivos da atenção seletiva, controlando também a monitoração e o ajuste da resposta.

Giro cingulado.

O processo atencional é fundamental na realização motora de qualidade. Esse processo é coordenado por três regiões cerebrais:

Clique nas informações a seguir. Clique nas informações a seguir.
Córtex pré-frontal

Atua na proteção das informações relevantes, inibindo interferências externas.

Gânglios basais

Inibem comportamentos inadequados.

Núcleo caudado e o putâmen

Recebem informações do córtex frontal e enviam uma resposta de volta ao córtex, via globo pálido e tálamo. Esse sistema é responsável por modular a atividade na área motora e é fundamental no planejamento e no início da realização do movimento.

Ainda relativo ao processo de aprendizagem motora, é tácito o conhecimento de que as crianças ainda se encontram no processo de controle dos movimentos e de amadurecimento da atenção seletiva e da velocidade de processamento visual.

No período anterior aos 12 anos, em movimentos que as crianças tenham experiência prévia, o processo atencional apresenta-se de forma qualitativa.

De maneira oposta, em situações de realização de movimentos inéditos em resposta a estímulos novos, há uma apresentação não desenvolvida da atenção seletiva.

Outro fator importante a ser considerado no processo atencional envolvido na realização motora é o papel das emoções e da memória, tendo em vista que tendemos a nos recordar melhor daquilo que nos é emocionalmente mais relevante. Compreendemos a conexão que as memórias estabelecem de forma estreita com o sistema límbico, pois elas estão fortemente relacionadas às emoções, do mesmo modo que estão conectadas à região límbica o córtex pré-frontal, indicando uma relação importante entre a capacidade de programar e planejar nossas ações baseadas em nossos sentimentos.

Diante das relações estabelecidas entre as estruturas e o seu funcionamento, somos capazes de perceber que as emoções auxiliam na intensificação da aprendizagem e podemos concluir que um mau funcionamento do sistema límbico pode causar prejuízo na atenção e, consequentemente, no processo de aprendizagem. Bandura (1997) estabeleceu a organização de quatro processos que direcionam a nossa capacidade de aprendizagem:

Outros fatores que podem interferir no processo de aprendizagem motora são a percepção, a autoestima abalada e o deficit de coordenação, entre outros que interferem no processo atencional.

Podemos então concluir que existe uma relação estreita entre o desenvolvimento motor e o processo de maturação cortical. Essa aproximação ocorre por meio das relações estabelecidas entre o sistema sensorial e o sistema motor e entre a maturação cortical e as etapas do desenvolvimento, assim como entre a aprendizagem motora e os processos atencionais, perceptivos e motivacionais.

Bases para a aprendizagem motora

A especialista Maria de Fátima Ferreira apresentará a relação entre a sensação, a percepção, a atenção a memória e a motivação no processo de aprendizagem motora.

Verificando o aprendizado

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MÓDULO 3


Identificar os modelos de classificação dos movimentos

Modelos de classificação dos movimentos

A aprendizagem motora é definida como um processo composto por um conjunto de mudanças no comportamento motor resultantes da experiência. Desse modo, compreende-se que é um processo em que inicialmente o indivíduo não domina certas habilidades e, após um período de prática, consegue realizar as ações com eficiência. O estudo do comportamento motor envolve a compreensão de aspectos fundamentais, como o processo da aprendizagem motora, do controle motor e do desenvolvimento motor em uma perspectiva integrativa.

Uma característica específica no estudo da aprendizagem motora é a compreensão da classificação das habilidades e capacidades motoras, entendendo-a como fundamental para a organização de estratégias de avaliação, assim como a oferta de estímulos para a promoção do desenvolvimento motor. As habilidades, segundo Magill (2000), são tarefas específicas realizadas com o intuito de alcançar determinados objetivos. Tais tarefas podem ser programadas, tanto como respostas cognitivas quanto como respostas motoras.

As habilidades motoras são, portanto, tarefas que devem ser aprendidas com objetivos específicos a serem realizados, por meio do corpo e de forma voluntária, pressupondo um planejamento antecipatório, uma intenção. Originalmente, as habilidades motoras podem ser classificadas como unidimensionais, bidimensionais e multidimensionais.

Sistema de classificação unidimensional, bidimensional e multidimensional das habilidades motoras

O sistema de classificação unidimensional das habilidades motoras organiza a observação do movimento a partir de uma única dimensão ou aspecto da habilidade. Desse modo, os esquemas chamados de unidimensionais consideram os aspectos temporais, ambientais, musculares e funcionais do movimento separadamente. O aspecto muscular do movimento é organizado em movimentos finos e movimentos amplos.

Com relação à classificação unidimensional:

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Aspectos musculares

Os aspectos musculares da realização estão relacionados aos grupamentos musculares recrutados na ação. As habilidades motoras que utilizam predominantemente os grandes grupamentos musculares e apresentam menor precisão são caracterizadas como habilidades motoras grossas ou amplas. Normalmente, são movimentos como nadar, saltar, correr, andar e afins. Habilidades motoras finas recrutam pequenos grupos musculares nos quais são observadas maior precisão do movimento, como no caso da escrita, do desenho e da pintura, entre outros.

Aspectos temporais

Os aspectos temporais do movimento podem ser observados em movimento serial ou em sequência. Os movimentos seriados são movimentos sequenciais descritos em sucessões rápidas, como driblar e fazer movimentos de musculação. Os movimentos definidos como discretos são compostos por ações que possuem um início e um fim bem-definidos, como o chute, o arremesso e o salto, entre outros; e os movimentos contínuos são aqueles que apresentam repetição por um tempo determinado como correr, nadar, fazer ciclismo e afins.

Aspectos ambientais

Os aspectos ambientais na realização motora são definidos como habilidades motoras fechadas e abertas. As habilidades abertas são realizadas em um ambiente em contínua mudança e exigem alterações no padrão de movimento, para atender às mudanças da situação, solicitando um contínuo ajuste à necessidade da realização da tarefa, por meio de alterações na sequência do movimento. Um exemplo de atividade que envolve habilidade aberta é a brincadeira de “pega-pega”.

As habilidades motoras fechada, normalmente, são ações que ocorrem em um ambiente estável, portanto não sofrendo alterações em sua realização e não exigindo alterações no decorrer. Uma habilidade motora fechada depende mais do feedback cinestésico do que auditivo ou visual, como no caso da realização de uma “parada de mãos”.

Aspectos funcionais

Os aspectos funcionais do movimento indicam as habilidades de acordo com a funcionalidade da ação ou o objetivo a que está destinado. Dividem-se em locomoção, estabilidade e manipulação do objeto. As habilidades denominadas de locomoção ou transporte envolvem o deslocamento do corpo em determinado espaço; as habilidades de estabilidade se referem ao grupo de movimentos que envolvem o ganho ou a permanência do corpo em equilíbrio estático ou dinâmico; por fim, as habilidades classificadas como de manipulação são ações que emitem ou recebem força de determinado objeto, como bater, arremessar e chutar, entre outras.

O sistema de classificação das habilidades bidimensional se refere à classificação organizada por Gentile e Gallahue. Inicialmente, no ano de 2000, o modelo foi proposto por Gentile e apresenta aspectos diferenciais em relação à abordagem unidimensional, levando em conta o ambiente no qual a habilidade motora está sendo realizada. Do mesmo modo, esse modelo indica a função da ação realizada.

O contexto ambiental faz referência às condições de regulação estacionárias ou dinâmicas, apresentando, ou não, variabilidade entre as tentativas. As habilidades motoras podem ser classificadas, segundo esse modelo, em: completamente aberta, moderadamente aberta, moderadamente fechada e completamente fechada. Quanto à função dessas, a classificação pode ser feita de acordo com a instabilidade ou estabilidade, o deslocamento corporal e a manipulação de objetos.

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O modelo proposto por Gallahue apresenta a seguinte sistematização em fases do desenvolvimento motor: reflexiva, rudimentar, fundamental e especializada em associação direta com a função objetivada na tarefa do movimento.

O sistema de classificação multidimensional compreende que a habilidade pode ser realizada em várias dimensões, prevendo todos os aspectos indicados nas classificações anteriores, ressaltando a importância de considerar os aspectos conjuntamente. Desse modo, o sistema multidimensional dispõe de uma análise da habilidade motora a partir de três dimensões ou mais, atendendo até cinco aspectos: temporais, musculares, funcionais, ambientais e as etapas do desenvolvimento motor.

Processo de automação do movimento

O processo de automação do movimento pode ser compreendido pelo controle da execução do movimento a partir da repetição continuada, por meio de um sistema de controle involuntário, não sendo necessário o controle consciente do movimento. Esse processo pode acontecer com a realização de movimentos simples ou mais sofisticados. A automação do movimento é decorrente de um processo de exposição ao estímulo motor, por meio da quantidade e qualidade de tarefas, organizadas em diversos esquemas motores, dependentes do processo de atenção na execução e posteriormente executados sem a necessidade de atenção para sua realização.

Exemplo

Uma criança é exposta a oportunidades de realização motora, como saltos, giros ou dança e, inicialmente, investe um processo de atenção para a realização qualitativa desses movimentos. Posteriormente, conforme a repetição dos mesmos movimentos, eles passam a ser realizados de forma automática, necessitando de menos atenção, em decorrência de uma transferência do controle cortical para um controle subcortical na execução dessa tarefa.

Nesse sentido, a automação do movimento se torna importante, pois o indivíduo pode dirigir sua atenção para o aperfeiçoamento desse movimento de maneira que sua realização básica não solicita atenção específica. Do mesmo modo, a atenção pode ser deslocada para a realização de movimentos de maior complexidade e novos desafios a partir da realização motora inicial.

A automação do movimento favorece as práticas corporais, uma vez que possibilita ganhos no processo de aprendizagem motora mais avançados e/ou específicos da cultura corporal do movimento.

Exemplo

Um jogador de handebol que já consegue bater a bola ao chão com certa autonomia e segurança, sem precisar dedicar atenção para controlar continuamente a bola com o olhar, pode liberar sua atenção para perceber os companheiros de jogo e construir jogadas com estratégias mais complexas, ampliando a sua eficiência nas diversas situações de jogo.

A repetição motora dissociada de um processo de consciência e percepção do movimento, ou seja, uma realização de forma mecânica e desatenta, pode ser prejudicial ao processo de aprendizagem motora, resultando no automatismo estereotipado. Sendo assim, é importante, em cada momento de aprendizagem, que o professor responsável observe cuidadosamente os gestos executados na construção dos movimentos, e identifique os que podem ser automatizados sem prejuízo para a realização qualitativa do gesto motor como um todo, organizando e respeitando de forma intencional a necessidade de dedicação da atenção no controle e na realização do movimento envolvido.

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A estratégia de repetição da realização motora se justifica, visto que esse processo estimula o funcionamento dos mecanismos de controles neurais dos movimentos, que são essenciais para que a aprendizagem mais simples ocorra e, posteriormente, venha a originar a aprendizagem mais complexa.

Em um primeiro momento, é necessária a dedicação a um esforço adaptativo para que o gesto motor possa ser executado de modo coordenado e para que em seguida ele consiga ser executado em uma sequência aprimorada, de modo repetitivo, promovendo a funcionalidade, a manutenção da realização qualitativa e o seu aperfeiçoamento. Além desses fatores, os efeitos fisiológicos decorrentes da tarefa motora em questão, como a melhora nas condições fisiológicas e neuromusculares, são importantes na aprendizagem motora, constituindo um processo amplo e de grande responsabilidade no avanço e desenvolvimento da motricidade humana.

A motricidade humana, em sua expressão mais desenvolvida, é decorrente de uma sucessão de posturas e movimentos que ocorrem ao longo do desenvolvimento humano. O movimento, presente no início desse desenvolvimento na forma reflexa, passando para a forma rudimentar, posteriormente alcançando a forma fundamental e atingindo a forma especializada de realização, acompanha o processo de amadurecimento das estruturas musculares, esqueléticas e neurais, para que essa evolução seja possível.

O controle neural do movimento, portanto, parte de um controle involuntário, avançando em complexidade até alcançar o controle voluntário.

Os movimentos reflexos possuem controle neural na estrutura medular. Esses movimentos obedecem a um padrão predefinido. Os movimentos voluntários, por sua vez, demandam a participação de outro nível hierárquico do sistema nervoso. Participam desse controle estruturas centrais e subcorticais que funcionam em um conjunto de processos em associação com outras funções, como a memória e a planificação do movimento.

Os movimentos reflexos são constituídos como uma resposta a um estímulo estereotipado e não são apreendidos, modificados ou aprimorados por meio do aprendizado, pois obedecem a um determinado padrão predefinido. Um exemplo é retirar a mão de uma superfície quente de forma reflexa. Na medula espinal, um neurônio associativo envia uma resposta ao músculo por meio do neurônio motor que realizará o movimento. Esse processo completo é inconsciente e só faz parte da percepção após o movimento realizado.

Observe a figura a seguir:

Para que tenhamos a noção de sua realização, o movimento precisa estar submetido a um processo consciente e, para isso, depende de um processo inicial composto pela atenção e pelo controle cortical. Para a realização dos movimentos voluntários, é necessária a participação de áreas corticais como o córtex frontal, o córtex associativo e o córtex temporal, funcionando em associação com estruturas subcorticais como os núcleos da base, o cerebelo e o tronco cerebral. Essas estruturas são responsáveis pela elaboração da estratégia motora, desde a sua estimulação inicial até a sua realização como resposta.

Os núcleos de base participam da aprendizagem e da realização dos movimentos voluntários e daqueles que exigem habilidades motoras mais complexas, como o ato de se equilibrar. A ação motora ou gesto motor tem como característica fundamental a intencionalidade da realização motora, o que é fundamental no processo de aprendizagem motora.

Observe no esquema a seguir:

No processo de aprendizagem motora, estruturas como os núcleos de base são essenciais para a formulação do comportamento adaptativo, em relação ao ajuste do movimento. A elaboração e planificação dos movimentos está sob a responsabilidade mais direta do córtex motor e do cerebelo.

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A medula e os núcleos do tronco cerebral participam da realização motora, na ativação dos interneurônios e motoneurônios que são responsáveis pela execução do gesto motor.

O cerebelo ajusta os movimentos mediante a variação das situações e é responsável fundamentalmente pela automatização dos movimentos. Além disso, repete os modelos de movimento vividos anteriormente e, nesse sentido, quanto mais modelos existentes, mais recursos o organismo terá para realizar outros movimentos com maior precisão. Pode-se dizer que também tem a função de auxiliar na regulação do ritmo, da força, da coordenação motora fina, da velocidade e da consciência.

Observe no esquema a seguir:

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Recentemente, foi descoberto que o cerebelo também participa do controle das ações que envolvem processos cognitivos, além de realizar os ajustes necessários, corrigindo e identificando possíveis erros, fazendo também o sequenciamento das respostas motoras e das contrações musculares, ou seja, da coordenação das estruturas necessárias ao movimento.

As ações controladas pelo cerebelo podem ser aprimoradas por meio da repetição, conforme acontece com os praticantes de esporte de alto nível. Nesse sentido, quanto maior o número de repetições em associação a uma realização qualitativa do movimento, maior será a possibilidade de aperfeiçoamento do gesto motor.

A automação do movimento ocorre em decorrência desse funcionamento eficiente e harmônico, cuja ação do cerebelo é essencial, gerando um processo de internalização dessa aprendizagem.

Modelos de classificação dos movimentos

A especialista Maria de Fátima Ferreira apresentará a classificação dos movimentos segundo uma visão unidimensional, bidimensional e multidimensional, e uma explanação do processo de automação do movimento.

Verificando o aprendizado

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Conclusão

Considerações Finais

O desenvolvimento motor é o conjunto de alterações no comportamento que o indivíduo sofre ao longo da vida, por meio das experiências. É decorrente de um processo chamado de aprendizagem motora, que, por sua vez, estrutura-se a partir da interação entre a tarefa, a biologia do sujeito e o ambiente no qual ele está inserido.

Observamos que a aprendizagem motora proporciona à criança uma exploração do seu ambiente, permitindo que adquira habilidades motoras cada vez mais complexas. O movimento, inicialmente organizado a partir de estruturas e processos simples, alcança um nível de complexidade e eficiência superiores após submetido a experiências que lhe proporcionam aprendizagem por meio do movimento. O controle de todo esse processo se dá a partir de estruturas neurais que se organizam em uma hierarquia e se responsabilizam por funções motoras de realização distintas, desde movimentos reflexos até alcançarem a execução de movimentos que dependem da vontade do indivíduo e de um planejamento para a realização complexa de gesto motor.

Vimos que todo comportamento envolve processos neurais específicos, que cuidam da organização da motricidade humana. Esse processo se inicia na captação dos estímulos sensoriais, na percepção do estímulo até a finalização desse percurso com a emissão da resposta planejada e selecionada. Esses processos neurais permitem a melhora do comportamento motor em decorrência do processo de aprendizagem.

Observamos também a importância do processo atencional na aprendizagem motora, e entendemos que ela passa por alguns estágios e que a repetição contínua e progressiva de uma tarefa promove aprendizagem. Essa aprendizagem se dá em alguns estágios que inicialmente exigem mais atenção, passando por um estágio de melhor entendimento no qual acontecem alguns ajustes corporais decorrentes da aprendizagem inicial, até chegar a um estágio de autonomia em que o desenvolvimento motor se encontra mais avançado e exige menor atenção para a realização de movimentos mais complexos.

Podcast

Agora, a especialista Maria de Fátima Ferreira encerra com um resumo do conteúdo.

CONQUISTAS

Você atingiu os seguintes objetivos:

Compreendeu o conceito e o processo de aprendizagem motora de acordo com o controle neural de desenvolvimento.

Relacionou os conceitos de aprendizagem e habilidade motora.

Identificou os modelos de classificação dos movimentos.