Objetivos
Conceito e tipos de variação linguística
Reconhecer diferentes tipos e manifestações da variação linguística no português.
Conceito e usos da norma culta
Identificar o conceito de norma culta e suas implicações no uso da língua portuguesa.
Você já percebeu que, dependendo da localidade do falante, a língua portuguesa apresenta variações em relação à pronúncia ou ao significado de algumas palavras? Isso acontece porque a língua é algo vivo e dinâmico, e seu uso no dia a dia implica variações que estão relacionadas com a região, a profissão, o grau de escolaridade e outros fatores do usuário da língua.
Reconhecer que a língua apresenta diversidades no seu uso é importante para identificarmos em que situações de comunicação uma variedade da língua é apropriada ou inadequada. Na verdade, precisamos conhecer a norma culta da língua para reconhecermos as diferentes manifestações das variações em relação a essa norma ou padrão.
Por isso, vamos estudar alguns casos de variação linguística para depois compreendermos o que é e como funciona a norma culta da língua.
Sabemos que o português é a nossa língua materna. Ainda bebês, começamos a adquirir a língua portuguesa a partir de:
- Complexa habilidade inata.
- Estímulos externos que recebíamos, ouvindo nossos pais ou outros familiares falarem.
Mais tarde, na escola, aprendemos a escrever a língua que já usávamos para falar e interagir. Aprendemos também a usar o português além das relações familiares e informais. Anos de aprendizado da língua portuguesa na educação básica permitiram o estudo de diversas outras matérias.
Você consegue se imaginar estudando ou trabalhando sem o uso adequado e eficiente da língua materna? Certamente, não.
Em todas essas situações de comunicação por meio da língua, estamos diante de uma variedade de usos do português. Isso mesmo! O português não é um só. Assim como acontece com outras línguas, o português não é uma língua uniforme. Ele varia!
Escrita e oralidade têm suas particularidades, e não falamos da mesma maneira em todos os lugares e momentos.
Exemplo
Não falamos da mesma forma como escrevemos. Assim como não é comum alguém conversar com a namorada ao celular da mesma maneira como interage em uma entrevista de emprego.
A verdade é que a língua sofre variações, seja ao longo do tempo, seja nos diferentes espaços geográficos em que é falada, seja em função da estrutura ou condição social de seus falantes ou até mesmo em função da situação ou do contexto de uso. Isso significa dizer que uma língua está sujeita a passar por modificações no tempo e no espaço a fim de satisfazer às necessidades de expressão e de comunicação, individual ou coletiva, de seus usuários.
Isso é o que se chama variação linguística, um conceito que pode nos ajudar a entender que, se a língua pode ser usada de diversas formas, há situações em que teremos de usar a chamada norma culta. Vamos aprender mais sobre a riqueza do nosso português e compreender esse conceito.
Podemos abordar a variação linguística sob diversas perspectivas. Se levarmos em conta uma situação de comunicação qualquer, teremos alguns elementos que vão apontar para variedades no uso da língua.
Essas perguntas evidenciam que nossa fala pode variar de acordo com a situação ou com o contexto, conforme o falante e as pessoas que ouvem (interlocutores), o assunto tratado ou a intenção da mensagem.
Perceba que a variação linguística corresponde a diferentes ocorrências de uma mesma língua.
Confira, neste vídeo, um bate-papo sobre nossa relação com a língua e sua natureza variacionista.
Sem nos preocuparmos muito com classificações técnicas e exaustivas, próprias da Sociolinguística, podemos dizer que a variação linguística pode ser de, pelo menos, três tipos:
Sociolinguística é uma área da Linguística que trata das relações entre linguagem e sociedade, estudando a função social da linguagem e a influência dos fatores sociais sobre a língua.
Abordaremos cada um desses tipos a seguir.
Variação regional
Variações da língua numa perspectiva geográfica, originando os regionalismos. Manifestam-se, principalmente, pelo sotaque e por palavras ou expressões utilizadas pelos falantes de determinada região. Um exemplo desse tipo de variação são os falares ou dialetos.
Veja a diferença entre alguns falares no Brasil:
São variações faladas por comunidades geograficamente definidas. Também denominados “falares” por alguns linguistas.
Êta que esse curso é bem arretado!
Caraca! Esse curso é muito maneiro!
Nossinhora! Esse curso é bom demais da conta, sô!
Bah, esse curso é tri!
As diferentes designações no Brasil para um mesmo referente ou aspecto da realidade é outro exemplo de variação linguística na dimensão geográfica: macaxeira no Nordeste, mandioca em São Paulo e aipim no Rio de Janeiro correspondem à mesma raiz utilizada na culinária nacional.
O professor Luís Cláudio Dallier explora mais essas diferenças entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Não podemos afirmar que determinada região do país fala “o português mais correto”. Tal afirmação é falsa, pois o que há são variações da língua portuguesa.
Exemplo
A pronúncia do cearense ou do carioca, por exemplo, não é errada ou certa, mas, simplesmente, o modo próprio de articular os sons numa determinada comunidade linguística.
Sendo o português uma língua falada por diversas nações, em diferentes continentes, é interessante lembrar que a língua também varia de um país para outro, tanto na fala quanto na escrita. Ainda que o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa procure padronizar a grafia das palavras, há alguns aspectos na escrita que são peculiares em Portugal e outros no Brasil.
Variação de Registro
Variações relacionadas com modalidades expressivas adotadas por um mesmo falante ou segmento social em função do contexto, do interlocutor e das expectativas sociais.
De acordo com Coseriu (1980, p. 110-111), os registros linguísticos, ou estilos, são diferentes porque as situações e os interlocutores diferem muito, bem como as expectativas sociais, influenciadas pela cultura. Por isso, podemos perceber que, além dos registros individuais, há aqueles que expressam a identidade de grupos profissionais ou biológicos (homens, mulheres, jovens, crianças).
Os registros ou estilos se classificam em pelo menos três tipos:
Representa uma escala de formalidade no uso dos recursos da língua. Podemos ir de um estilo muito informal e popular (troca despretensiosa de mensagens no WhatsApp, por exemplo) até um excessivo grau de formalidade no uso da língua (redação de um ofício, por exemplo). Simplificando, podemos afirmar que há pelo menos dois registros alusivos à formalidade: formal e informal. Logo, os diferentes estilos corresponderão ao grau de formalismo do contexto comunicativo, determinando as diferentes maneiras de usar a língua.
Representa as duas modalidades da língua: a oral e a escrita. A língua falada pode usar recursos como entonação, ênfase de termos ou sílabas, duração dos sons, velocidade em que se dizem as sequências linguísticas etc. Além disso, a oralidade se caracteriza pelas hesitações, repetições, retomadas, correções e outras marcas que não são comuns à escrita. A escrita tende a ser mais formal e a fala mais informal, embora existam exceções; há textos altamente formais na língua falada e outros extremamente informais na língua escrita.
Representa o ajustamento na estruturação das mensagens do falante, com base em informações específicas acerca do ouvinte ou leitor (status do interlocutor, tecnicidade do conteúdo da mensagem, necessidade de cortesia no trato com o outro, norma a ser seguida etc.).
Imagine que um profissional da saúde, ao preparar ou orientar uma criança para determinado procedimento, usará um registro ou estilo de linguagem distinto da linguagem usada com um paciente adulto. Com a criança, por exemplo, o vocabulário será mais simples, com algumas palavras no diminutivo, e o tom de voz mais afetivo.
Pense em outra situação: você precisa recusar dois convites que recebeu, um da pessoa que você namora e outro do diretor da empresa em que trabalha. Faz sentido usar as mesmas expressões ou estilo ao responder a pessoas com as quais você tem diferentes graus de intimidade? Certamente vamos usar estilos ou registros diferentes.
Variação Social
As diferentes formas de falar marcam os grupos sociais ou, até mesmo, a faixa etária de determinado conjunto de pessoas. Ao ouvir alguém falando “percurá” (no lugar de procurar), “iorgute” (em vez de iogurte), “os hôme” (e não os homens) ou “pra mim fazer” (no lugar de para eu fazer), certamente você associará esse falante a um grupo social com baixa ou nenhuma escolaridade.
A falta de domínio da língua padrão, prestigiada socialmente, é um indicador de pertencimento a determinado grupo social.
As gírias usadas por um falante podem revelar também a que grupo social e à qual faixa etária ele pertence. Do mesmo modo, os jargões técnicos podem indicar a atividade profissional de quem os utiliza.
Juridiquês é uma palavra criada para designar o uso rebuscado e exagerado de jargão e termos técnicos da área jurídica.
Economês designa os termos técnicos ou jargões utilizados pelos economistas.
Jargão é o modo de falar específico de um grupo, geralmente ligado à profissão. Daí que podemos falar em jargão dos médicos, jargão dos militares etc.
Saiba mais
Ao ouvir expressões típicas do juridiquês ou do economês, por exemplo, você deve concluir que os falantes são adultos, com alta escolaridade e pertencentes a determinado grupo profissional.
A variação em função do nível social e da escolaridade foi muito bem retratada pelo poeta modernista Oswald de Andrade (1890-1954) no poema sugestivamente intitulado Vício na fala:
Note que o poema apresenta construções da língua portuguesa que são típicas de falantes de classes sociais menos escolarizadas, revelando pronúncias contrárias à ortoepia, ou seja, distintas do que a norma gramatical determina. As pronúncias fora da norma gramatical, no entanto, não impedem a comunicação e muito menos a construção dos telhados.
Embora se trate de uma variedade linguística desprestigiada socialmente, o poema não estigmatiza essa variante linguística, pois sugere uma valorização do trabalho das pessoas mais simples com o verso final: “E vão fazendo telhados”.
Ortoepia é a parte da gramática que estabelece a pronúncia correta das palavras, conforme a língua culta ou padrão.
Acompanhe, neste vídeo, alguns tipos de variação linguística a partir de exemplos.
Além das variações linguísticas que você acabou de conhecer, também é importante prestar atenção às alterações que a língua portuguesa apresenta nos meios digitais.
Com a Internet e os diversos recursos para escrever e falar usando um computador ou celular, surge uma variedade linguística que recebeu o nome de internetês.
Algumas características da variedade linguística na Internet são:
Abundância de siglas e abreviaturas não convencionais, dando mais agilidade e velocidade à escrita.
Criação de palavras novas e uso de gírias, com mais liberdade para expressar novos conceitos ou adaptar termos de outras línguas.
Estrangeirismos, usando e incorporando termos de outra língua, frequentemente do inglês.
Uso de caracteres especiais (@, #) e emoticons (ou emojis) para adequação aos códigos utilizados em meios digitais ou como alternativa para expressar emoções e intuitos.
Integração ou hibridismo entre escrita, sons, imagens e outras linguagens (hipertexto, por exemplo) para maior expressividade.
A informalidade e a irreverência da linguagem na Internet acabam se distanciando da formalidade da língua que utilizamos nos documentos, nos livros, na escola ou nas relações mais formais no trabalho. Por isso mesmo, haverá inadequação no uso da língua quando escrevermos um trabalho acadêmico ou redigirmos um e-mail na empresa em que trabalhamos com a informalidade ou alguma característica do internetês.
Algumas pessoas acham que o uso despreocupado da língua portuguesa na Internet, em relação às normas gramaticais, seria um tipo de deformação que contribuiria para um empobrecimento linguístico e cultural. Quer saber o motivo por trás desse pensamento?
Resposta
A invasão de palavras inglesas, ligadas à informática e à Internet, é vista como ameaça à língua portuguesa, levando os usuários a incorporarem expressões e valores culturais estrangeiros que redundariam em prejuízo à cultura nacional e local.
Conforme diz Saldanha (2001, p. 35), deve-se ter o cuidado de não se impor um único registro da língua, elegendo-se determinada variação ou modalidade linguística padrão para a Internet, nem tampouco se fechar temerariamente a qualquer tipo de contribuição linguística vinda de fora.
Valer-se criteriosamente da contribuição de outras línguas é, na verdade, o recomendável nessa questão; reconhecendo-se, dessa forma, uma prática histórica que ocorre no seio da língua portuguesa em relação a línguas como o grego, o italiano, o francês e outras mais desde muito tempo.
Sobre textos na Internet, Bechara fala:
A Internet, pela sua especificidade, exige ou propicia um tipo de texto especial. Também aqui a inadequação consiste em querer redigir um texto qualquer fora da Internet como se fora para ela, ou vice-versa. Todo texto – na Internet ou não –, como toda expressão linguística, deve estar adequado às ideias, ao interlocutor e às circunstâncias.
(BRECHARA, 2000, n. p.)Constatar que a língua varia, seja em seu uso na Internet ou na diversidade de espaços e situações comunicativas, deve nos levar a reconhecer a legitimidade das diferentes linguagens e evitar o preconceito ou a estigmatização de falares, dialetos ou qualquer variedade linguística. Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer que a língua aprendida na escola constitui a norma para comunicação e convívio no ambiente acadêmico e profissional, além daqueles espaços e das interações sociais em que a língua padrão é a mais adequada.
No próximo módulo, você conhecerá algumas características da língua padrão, também chamada norma culta, além de refletir sobre seu uso nas situações em que ela é necessária.
Acompanhe neste vídeo as características e o uso da língua no contexto das mídias digitais.
Depois de compreendermos o que é variação linguística, podemos nos perguntar:
- Será que toda forma de usar a língua é válida, desde que as pessoas se entendam?
- Os diferentes usos da língua seriam desvios e incorreções da norma culta ou apenas o jeito legítimo de cada um se expressar como bem quiser?
Questionamentos sobre o uso da língua são importantes porque todos nós aprendemos na escola a chamada língua culta, mas convivemos boa parte do tempo com usos da língua que podem eventualmente ser diferentes da norma padrão, aquela que estudamos nos livros de gramática.
É preciso entender o que é a norma culta e qual o objetivo da gramática no aprendizado da língua para, então, respondermos sobre que tipo de língua usar nas diversas situações de comunicação do dia a dia.
A norma culta é formada por um conjunto de estruturas concebidas como corretas, que podem ser usadas tanto para falar quanto para escrever. Trata-se da chamada variante padrão ou norma padrão.
A norma culta é tão valorizada socialmente que, quando estão em um ambiente mais formal, os indivíduos com alto nível de escolaridade procuram monitorar sua fala.
Quando alguém fala ou escreve de modo muito distinto da norma culta em qualquer situação de comunicação, temos uma determinada característica de seu papel social como falante da língua.
Exemplo
Se o falante tem baixa escolaridade e pertence a uma comunidade linguística que se comunica assim, seu uso da língua reflete seu grupo social, e não se espera que use a língua padrão. Já se teve acesso à educação formal e alta escolaridade, espera-se que utilize a norma culta em situações formais. Caso isso não aconteça, ele frustrará a expectativa em função da classe social e comunidade linguística às quais pertence.
Agora, imagine um professor universitário em uma videoaula dizendo o seguinte:
Embora o uso do pronome ela como objeto direto seja comum na fala de muitas pessoas – mesmo escolarizadas –, ele não é prescrito pela gramática.
Logo, a forma adequada, conforme a norma culta, é:
Usar o pronome oblíquo a substituindo um substantivo é algo formal, mas, uma boa alternativa seria optar pelo uso de um termo equivalente ou sinônimo: “A exposição foi encerrada, mas eu vi as obras de arte no ano passado”.
A língua pode ser comparada a um guarda-roupa, com vestimentas para diversas ocasiões e finalidades. A norma culta seria comparada a vestuários convenientes em situações formais, com diferentes graus de formalidade, como cerimônia de casamento, audiência num tribunal, entrevista de emprego, ambiente de trabalho, ambiente acadêmico etc.
Terno, gravata, vestido longo, tailleur, terninho e alguns acessórios e adereços seriam adequados a algumas dessas situações. Não é adequado comparecer a esses ambientes ou participar dessas situações como se fôssemos à praia, usando sunga ou biquíni, por exemplo.
Essa imagem ou comparação da língua com o guarda-roupa nos ajuda a compreender o conceito de adequação no uso da língua.
Quem faz uma analogia similar é o linguista brasileiro Marcos Bagno (2005), que compara a língua padrão ao molde de um vestido.
De acordo com Bagno (2005), o molde não pode ser interpretado como sendo o próprio vestido. Embora contenha as peças sobre as quais o tecido será cortado, sequer de tecido o molde é feito. Ele diz isso para ilustrar a diferença entre o ideal (as normas da língua reunidas) e o real (os falantes em situação de uso).
As regras da gramática normativa e o ideal de língua padrão teriam a função de ser um molde, mas o uso dessas normas acabaria sendo "uma costura às avessas". Assim, em vez de o molde servir para "cortar o tecido e depois montar o vestido", aqueles que se apegam à língua padrão como única forma válida e legítima de uso da língua consideram o "uso real e concreto da língua (um vestido já pronto) e vão medir e avaliar esse uso para ver se ele está de acordo com o molde pré-estabelecido" (BAGNO, 2005, p. 160).
A norma culta ou norma padrão pode ser entendida, então, como um modelo, uma medida, um conjunto sistematizado de orientações, situando-se num contínuo de variações. Como nenhum falante segue ou domina rigorosa e completamente as regras da norma padrão, temos numa das extremidades o falante que mais se aproxima do ideal linguístico, elaborando um discurso mais culto; na outra ponta, encontramos os falantes que mais se afastam do modelo de perfeição linguístico e que produzem uma variedade menos culta.
A norma padrão acaba sendo uma abstração, um modelo, um ideal a partir do qual se produzem diversos modos de uso da língua. As variedades linguísticas seriam, então, mais concretas, realizando-se por meio da fala que é ouvida, recolhida, registrada, comparada e analisada pela Sociolinguística, por exemplo.
É adequado usar a norma culta quando essa é a expectativa da sociedade ou da comunidade linguística em função do nosso status, classe social, formação acadêmica ou atividade profissional. Também é adequado o seu uso nas situações de comunicação formais, oficiais, nas atividades escolares e acadêmicas, na atividade profissional etc.
Em situações mais informais ou quando a expectativa da comunidade linguística em que interagimos for de uma comunicação coloquial, então usaremos a língua num registro menos formal, ainda que não inteiramente distante da norma culta.
É preciso cuidado com as escolhas linguísticas que fazemos para que nosso interlocutor não as interprete como erro ou grosseria. Também devemos atentar para a escrita, pois algumas liberdades ou licenças numa fala mais informal podem ser inadequadas na escrita. Por exemplo, não fica bem escrever nas redes sociais ou num e-mail expressões ou incorreções gramaticais muito comuns na fala coloquial ou descuidada.
A seguir, reunimos dois jeitos de comunicar a mesma coisa: de acordo com o registro culto (ou seja, a norma culta da língua) e de acordo com o registro coloquial, que representa os usos mais comuns na oralidade, mas que têm que ser evitados – principalmente em textos escritos.
Registro culto
Eu a vi ontem.
Registro culto
Isso é muito bom para nós.
Registro culto
Tire a carrapeta da torneira e conserte-a.
Registro culto
Todos têm conhecimento dessa questão.
Registro culto
Retire-se daqui.
Registro culto
O homem interpelou-me aos gritos.
Registro culto
Faltam cinco minutos para acabar a aula.
Registro culto
O diretor pediu para eu vir aqui.
Confira um bate-papo sobre alguns usos da língua e sua relação com a norma culta.
O que define a norma culta da língua?
De acordo com o professor e linguista Luiz Travaglia (2001, p. 25-26), os argumentos ou as justificativas para o estabelecimento da norma culta são os seguintes:
Uso de critérios como elegância, colorido, beleza, finura, expressividade. Rejeição de vícios como a cacofonia, colisão, eco, pleonasmo etc.
Opção pelo uso da língua pertencente à classe de prestígio em detrimento do uso das classes populares.
Critério de purismo e vernaculidade. Rejeição de estrangeirismo ou qualquer aspecto que “ameace” a identidade ou soberania da nação ou da cultura nacional.
Critérios relacionados com a facilidade de comunicação e compreensão. As construções e o léxico devem resultar na “expressão do pensamento”.
Recorre-se à tradição para critérios de exclusão e permanência de usos da língua.
A norma culta ou língua padrão é dependente da observância e uso das regras estabelecidas pela gramática normativa. Por isso, vale entender um pouco melhor o que é e como ela funciona.
Gramática normativa
É a gramática da escola, por meio da qual você aprendeu as principais regras ou normas da língua padrão, principalmente da modalidade escrita. Ela prescreve o que é considerado correto e reprova o que é errado de acordo com a norma culta, a única considerada como válida. Por isso mesmo, a gramática normativa também é denominada “gramática prescritiva”.
A gramática normativa tende a considerar apenas os fatos da língua escrita, tomando a variedade oral da norma culta como idêntica à escrita. Apresenta uma descrição do padrão culto da língua e dita normas de bem falar e escrever, valorizando a correção gramatical.
(TRAVAGLIA, 2001, p. 30-31)Oswald de Andrade (1890-1954), no poema Pronominais, publicado em 1925, já retratava de forma irreverente e provocativa a imposição das regras da gramática normativa e a dificuldade de seu uso na fala das pessoas despreocupadas com a norma culta ou mesmo sem o seu domínio. Vamos ler o poema a seguir:
O poema é um interessante registro literário da variação linguística em função de diferentes modalidades (escrita e oralidade) e diferentes grupos ou classes sociais (letrados e não letrados).
O poema opõe os usos do pronome “me”:
Quando o pronome é colocado após o verbo.
Quando o pronome é colocado antes do verbo.
Segundo Travaglia (2001, p. 24), a gramática normativa pode ser entendida, também, como “um manual com regras de uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente”. Assim, somente é abonado ou aceito pela gramática o que obedece às normas do bom uso da língua, configurando o falar e o escrever corretamente. Por isso, todas as outras formas de uso da língua são consideradas desvios, erros, deformações ou degenerações.
Para encerrarmos os estudos deste módulo, observe os exemplos de como a gramática normativa indica a formalidade de uso da língua:
Frequentemente, ouvimos na fala do indivíduo considerado culto a seguinte frase:
O livro que eu gosto já está esgotado.
No entanto, a gramática normativa prescreve uma construção diferente:
O livro de que eu gosto já está esgotado.
Essa prescrição é baseada no fato de que, de acordo com a norma culta, a regência do verbo gostar exige a preposição de.
Exemplo:
Eu gosto disso.
Como você deve ter aprendido na escola, eu é pronome pessoal do caso reto e só pode ser usado na função de sujeito:
- Com verbo no infinitivo: Não há nada entre eu sair e você ficar em casa.
- Sem verbo no infinitivo: Não há nada entre mim e você.
Vamos a outro exemplo de uso da norma culta em relação ao uso ou não da fusão da preposição “de” com o pronome “ele”:
1) Dele quando corresponde a um pronome possessivo.
Exemplo:
A paciência dele acabou, e ele saiu da sala.
2) Dele quando corresponde à combinação da preposição de com o pronome pessoal oblíquo tônico ele, na função de objeto indireto.
Exemplo:
Ana gosta muito dele, e ele saiu da sala.
3) De ele como preposição de mais o pronome pessoal ele. Essa combinação só pode ser usada quando ele for sujeito de uma oração reduzida de infinitivo.
Exemplos:
Conversamos sobre isso de ele sair. (= de que ele saísse)
Apesar de ele ter comprado o carro, foi de táxi à festa.
O segredo é o verbo no infinitivo. Só podemos usar de ele quando houver esse verbo.
Exemplo:
Fizemos a surpresa antes de ele chegar ao curso.
Veja ainda outra ocorrência na língua coloquial distinta do que estabelece a gramática normativa:
Para mim ou para eu?
1) Eu é um pronome pessoal do caso reto e exerce a função de sujeito.
2) Mim é um pronome pessoal oblíquo tônico, nunca exerce a função de sujeito e, obrigatoriamente, deve ser usado com preposição: “a mim”, “de mim”, “entre mim”, “para mim”, “por mim” etc.
Exemplos:
Ana trouxe o livro para eu ler. (= sujeito)
Ana trouxe o livro para mim. (= não é sujeito)
Exemplos:
Minha irmã saiu da festa antes de mim.
Ela voltou para o escritório antes de eu chegar.
Nossos professores fizeram isso por mim.
Mariana fez isso por eu estar cansada.
Observe, no entanto, a mudança no significado trazida pelo uso da vírgula:
Para eu sair de casa, foi preciso organizar minhas finanças.
Para mim, vender meu primeiro imóvel foi uma grande conquista.
Na primeira frase, o pronome pessoal reto (eu) é o sujeito do infinitivo (sair). Já na segunda frase, a vírgula indica que para mim está deslocado. Nesse caso, devemos usar o pronome oblíquo (mim), pois ele não é o sujeito do verbo vender.
Conheça, neste vídeo, os critérios de estabelecimento da norma culta e acompanhe, a partir de exemplos, o uso da gramática normativa na fala e na escrita.
Como temos visto, a gramática normativa está mais voltada para a variedade escrita da língua e se ocupa com a manutenção de regras consideradas próprias da língua culta ou de prestígio.
Há, sem dúvida, a tradição de se prestigiar a língua escrita. Possivelmente por ter características mais conservadoras, ela se transformar mais lentamente e está sob a proteção da ortografia.
A escrita manifesta-se sempre em descompasso com as transformações da fala, cuja dinâmica do uso lhe traz alterações contínuas, naturais e bem mais velozes. Mas, como você aprendeu aqui, tanto a escrita quanto a fala de uma língua apresentam variações e mudam com o tempo e os inúmeros estímulos que recebem.
Estudar a língua portuguesa, levando em conta o fenômeno da variação linguística e o entendimento do que vêm a ser a norma culta e a gramática normativa, certamente, ajudará você a se apropriar cada vez mais dos recursos da língua para um uso adequado às diversas situações comunicativas.
Neste podcast, os professores Luís Cláudio Dallier, Fábio Simas e Guilherme Cardoso falam sobre norma culta e variação linguística.